quinta-feira, julho 26, 2007

E Morreu o ACM...

O ACM, coronel caudilho da Bahia, morreu na semana passada. Me lembro que, quando vivo, ACM era o inimigo número 1 da esquerda brasileira, e até mesmo dos liberais do sul, devido a sua postura política paternalista, patrimonialista e autoritária. Muitos dos próprios conceitos utilizados pelos intelectuais para descrever o sistema político brasileiro, principalmente aquele predominante durante a República Velha e, na atualidade, presente em muitas regiões do Brasil, remetiam diretamente a sua figura: "coronelismo", "jogos de interesses", "apoio ao governo federal movido por interesses regionais", "patrimonialismo". Me lembro vivamente desses conceitos, e dos artigos que os explicavam, desde o meu tempo de pesquisador sobre Federalismo Fiscal no Brasil.

Contudo, mesmo sendo o elemento mais exibido, mais presente na mídia e na opinião pública sobre o atraso do sistema político brasileiro, é verdade que ACM foi apenas uma peça na engrenagem do sistema. Em metafora, pode-se dizer que o ACM era uma cereja sobre o bolo estragado que é a política brasileira, em seu momento atual. Assim, nem de longe pode-se esperar que o falecimento de ACM possa ter qualquer influência, seja positiva, seja negativa, sobre a situação política no Brasil, já que temos ainda milhares de pequenos ACMs, de menor exposição, mas de mesma mentalidade, agindo livremente, e com apoio de suas comunidades, por todo o país.

Principalmente, foi a popularidade de ACM nas comunidades em que atuava que foi a sua característica mais marcante, e mais odiada, pelos seus opositores. É bem verdade que, para os grupos sociais de maior grau de instrução localizados nos grandes e modernos centros urbanos brasileiros, e cujo senso comum no que diz respeito à política é que "todos os políticos são ladrões, salvo alguns poucos de elevada ética individual", a simples existência de um indíviduo da clesse política que vê a si mesmo como o pai de um povo, e não como o seu representante, sem uma opinião ideológica definida, voltado quase que inteiramente a beliscar recursos deferais para suas regiões de base, e, para os quais a ética e o respeito às instituições democráticas são meras formalidades diante do fantasma da "vontade política", que seria o único determinante para a administração pública e ao desenvolvimento do país, signifique a ilustração de um grande atraso, e com certas doses de ridículo. Contudo, para as bases eleitorais dessa classe política, a opinião é certamente diferente. Talvez, para essas pessoas, o político deve mesmo ser um "pai" carismático e autoritário, deve mesmo tomar as rédeas, personalisticamente, do desenvolvimento sócio-econômico regional, deve mesmo administrar o público como se fosse sua propriedade privada, e deve mesmo passar por cima de bandeiras morais e democráticas quando a "vontade política" lhe exigir.

Daí pode-se concluir que o sistema político brasileiro tem sua ineficiência pautada pelas preferências dos eleitores, que se traduzem nos resultados das eleições, o que dá espaço para toda uma nova série de debates e estudos sobre o tema.

Crise Aérea: Breve Comentário

Com a a já tão comentada Crise Aérea no Brasil, principalmente após a tragédia com o avião da TAM, já era de esperar que os economistas viessem a debater sobre as suas causas e possíveis soluções. Também, já era de se esperar que os economistas, nesses debates, se dividissem e facções, como sempre fazem:

De um lado, os economistas que culpam o Estado pela crise, sobretudo devido ao grande volume de regulamentações e de órgãos públicos envolvidos com o setor aéreo brasileiro, o que geraria ineficiências em relação à alocação de recursos, má administração, já que os responsáveis seriam nomeados seguindo critérios políticos, e não técnicos, e corrupção generalizada. A solução, segundo eles, seria a privatização de aeroportos, eliminação de ítens das regulamentações e extinção de órgãos públicos supérfluos.

De outro lado, os economistas que culpam as empresas aéreas brasileiras (TAM e GOL)pela crise. Segundo esses economistas, como o mercado de transporte aéreo no Brasil é concentrado nessas duas empresas, a competição no setor seria muito débil, o que daria poder de mercado para a TAM e a GOL maximizar seus lucros passando por cima do bem-estar público, como, por exemplo, não dando a devida atenção à manutenção de sua frota de aviões e alocando suas rotas aéreas em aeroportos de seu interesse pessoal, mesmo contrários à segurança pública, isto é, nos aeroportos localizados nos grandes centros urbanos (Congonhas, Santos Dumont e Pampulha), assim como exercendo lobby dentro do governo contra as regulamentações que afetem seus interesses. Assim, a regulamentação pública no setor aéreo precisaria ser não diminuída, mas sim reforçada.

Na verdade, ambas tribos de economistas têm argumentos de teoria econômica a seu favor. Qualquer um que já tenha estudado Microeconomia tem a noção de que tanto o excesso de intervenção do Estado como o excesso de poder de mercado desviam o equilíbrio econômico do seu ponto socialmente ótimo. Portanto, ambos tem certa dose de razão em seus diagnósticos.

Contudo, a sociedade espera que os economistas discutam a crise pensando em como que as soluções tomadas afetariam o bem-estar social, ao invés de ficarem apenas defendendo suas posições ideológicas e escolas de pensamento, e massageando os seus egos individuais, como também é muito comum acontecer.

Pessoalmente, eu ainda gostaria de saber quem teve a maldita idéia de construir um depósito de combustível e um posto de gasolina bem na frente da pista de pouso do aeroporto de Congonhas!

Férias News

Nas últimas duas semanas, fiquei fazendo turismo urbano por Porto Alegre, a cidade em que morei por 22 anos e conheço tão pouco. Revi antigos amigos, que seguem a rotina "monografia-formatura-Anpec-mestrado", tal como eu, que felizmente já cheguei ao último estágio desse processo. Tenho saído quese todo dia nos bares de Lima & Silva, e o meu consumo presente de cerveja Polar já compensou o ano inteiro fora da cidade.

É bom ver que o Pastel Uruguaio, o Cavanha's e o Pingüim continuam animando as noites da Cidade Baixa, mesmo com o frio de 5 graus que faz na madrugada de Porto Alegre.

Em relação aos meus amigos, alguns engordaram, outros emagreceram, alguns estão animados com a Economia, outros já se cansaram, alguns estão estudando muito para alguma coisa, outros nem tanto. Mas o importante é que todos estão muito bem de saúde e de espírito, e dispostos a matar as saudades. E, também, conheci gente nova, do DAECA, nessas duas semanas, levando a chama da integração dos alunos de Economia da UFRGS adiante.

Espero aproveitar minha última semana em Porto Alegre tal como as duas semanas anteriores.

segunda-feira, julho 16, 2007

Review - Loco Live (Ramones)

De volta às minhas divagações!

Do you remember lying in bed
With your covers pulled up over your head?
Radio playin' so no one can see
We need change, we need it fast
Before rock's just part of the past
'Cause lately it all sounds the same to me


Loco Live, dos Ramones, muito provavelmente é um dos discos mais influentes de toda a história do Rock. Foi gravado ao vivo em Barcelona, Espanha, em 1991, e contém os 33 maiores sucessos dos Ramones até então, incluindo todos os grandes clássicos da banda. Pessoalmente, eu adquiri esse disco em meados de novembro de 2001, na famosa loja de discos semi-novos "Porto Alegre Discos", na Galeria Chaves, trocando por dois antigos discos meus de pop nacional, sem mais especificações, que eu gostava de ouvir antes dos 15 anos de idade.

Em primeiro lugar, destaco que Loco Live é um desses discos que, tal como "Nevermind" do Nirvana, todo mundo tem, já teve, ou já pegou emprestado por muito tempo. É um disco sempre presente na estante de qualquer fã de, não apenas punk rock, mas de rock and roll em geral, e essa é uma observação empírica já pessoalmente comprovada. Amigos e conhecidos meus, quando perguntados se curtem o som dos Ramones, muitas vezes apenas comentam: "Bom, eu tenho o Loco Live...".

Em segundo lugar, não há nenhuma objeção ao papel que os Ramones desempenharam para a história do Rock, sendo que, na maioria dos levantamentos, os Ramones competem lado a lado com os Rolling Stones na disputa pelo posto de segunda banda mais importante de todos os tempos (a primeira sempre é Beatles, sem excessões). Ramones é muito mais do que uma banda, é um gênero musical (mais agressivo que rock'n'roll, menos "foda-se-o-sistema-sou-anarquista" do que o punk-hardcore em geral), e um estilo de vida para muitas pessoas, caracterizado pelo uso contínuo de tênis All-star imundos, jeans sebosos, camisas pretas desbotadas embaixo de jaquetas de couro ou camisas sociais largas, e, sobretudo, o espírito de ser jovem, comprar uma guitarra vagabunda usada e ter o sonho de montar uma banda e "salvar o rock". Bandas amadoras ramoníacas, compostas por indivíduos de "Ramones way of life" encontram-se aos milhares em Porto Alegre e em qualquer grande cidade do Brasil (não sei se também do mundo), e se reúnem semanalmente em lugares igualmente característicos, como Garagem Hermética e Porto de Elis, para tocar seus covers favoritos, e para pular e cantar junto ao som dos mesmos covers, tocados pelas outras bandas.

É óbvio que os fãs de Ramones são apenas um grupo pequeno de identidade para os jovens habitantes das cidades ("Esses monstros", segundo Michel Maffesoli), e dividem espaço com emos, lutadores de jiu-jitsu, surfistas, góticos, patricinhas, ravers, rasta-faris, e mais algumas dezenas de grupos. Contudo, os ramoníacos em geral se destacam por uma característica bastante interessante: sua adesão ao "way of life" padrão do grupo é completamente voluntária e espontânea, é como se pessoas tivessem predisposição genética a se tornar um fã dos Ramones após atingir determinada idade na adolescência. Isto é, não há pressão publicitária nenhuma, e social-cultural-familiar tampouco para que uma pessoa adote a identidade de fã dos Ramones; suas músicas não tocam nas rádios (fora Pet Cemetery, e muito raramente), as pessoas conhecem a banda ou pela Internet, ou pelo contato com um outro prévio fã de Ramones, e as idéias da identidade que passa a se manifestar são puramente espontâneas, como se estivessem presas no subconsciente da pessoa e a partir do contato com o som da banda, se libertam.

Mas que idéias são essas, características dos ramoníacos, isto é, presentes em milhares de pessoas que voluntária e espontaneamente se olham para um espelo e dizem com orgulho "eu admiro os Ramones", sem ter nenhum incentivo externo para isso além da banda em si? Ser fã de Ramones é desejar ser um "Teenage Lobotomy". É acreditar em milagres. É não ter medo da vida. É não se importar. É não querer ser domesticado. É não querer crescer. É querer estar sedado. É desejar ter o teu amor hoje, para amanhã pensar em dominar o mundo. É ser duro demais para morrer. É não querer ser insultado por todos aqueles que se sentem superiores: Picked up the magazine, I see your face. You're nothin' boy, a goddamn waste. With the lamest fashions on your back, You're never happy, a hypochondriac. É querer viver a sua própria vida.

Em resumo, Loco Live é uma coletânea dos maiores sucessos, para os fãs, é claro, da banda, tocados ao vivo. O som é bem mais agressivo do que o dos álbuns de estúdio, mesmo para as músicas de apelo mais pop, como "Pet Cemetery" e "Bonzo Goes to Bitberg". As músicas, com poucas excessões, são na base do "One Two Tree Four" do Dee Dee, entra a bateria, depois o baixo, depois a guitarra, depois o Joey canta, e tudo não dura muito mais do que dois minutos por faixa. E essa é uma das características que mais cativa os fãs dos Ramones, a atitude do "deixa-de-frescura-e-vamos-direto-ao-assunto". É claro, como todo disco ao vivo de maiores sucessos de um banda de longa carreira, Loco Live sempre recebe críticas dos fãs mais bitolados da banda por não ter a música X ou Y, que "não poderia deixar de ter". De minha parte, por exemplo, achei que faltou "53rd and 3rd". Mas esse disco já contém 33 faixas que contam a história, a atitude e as idéias da banda que deixou um verdadeiro sentimento de devoção por parte de seus fãs, e muitas páginas na história da música popular contemporânea, em nível mundial.

sexta-feira, julho 06, 2007

Novas Impressões sobre Belo Horizonte

Bá... nem acredito que já vai fazer um mês desde que mudei para Belo Horizonte. Tudo passou tão depressa (olha o clichê!).

O mestrado já começou com força total. A cadeira de Introdução à Estatística equivale a toda a estatística da graduação, só que com mais fundamentos matemáticos, e dá para acompanhar, apesar de cada aula ter mais de três horas. Já a outra cadeira que estou fazendo, Introdução à Economia Matemática, trabalha com Análise Real, uma área da matemática muito próxima do caos... Não há cálculos, apenas demonstrações e teoremas absurdos. Dá saudade das aulas de Álgebra Linear e do Jorge Araújo na graduação da UFRGS. E já começou Econometria na semana passada, que promete ser a cadeira mais difícil do semestre. Espero que eu sobreviva...

E o curso daqui do Cedeplar-UFMG é bem ortodoxo e matematizado. Ainda cou ter nesse semestre mais duas cadeiras da matemática (Equações Diferenciais e Otimização Dinâmica) e uma macro que é uma micro e uma micro que é uma matemática. O alto grau de matematização do nosso currículo é comentado inclusive pelos professores ortodoxos com doutorado nos Estados Unidos. Todavia, a maioria dos estudantes, novatos ou veteranos, se declara heterodoxo, por cansar de ver tantas contas no primeiro semestre do mestrado! Aqui, em termos de heterodoxia, há linhas de pesquisa em Macro pós-keynesiana e desenvolvimento regional. Mas senti que a minha área, Economia do Bem Estar Social, está no lado negro da força.

A faculdade é bem organizada (ao contrário da UFRGS). Aqui, os professores divulgam previamente programas de disciplina que incluem, desde a matéria a ser fielmente seguida por eles, a bibliografia e até mesmo os dias de aula, e a recuperação das aulas não dadas. Aqui parece que não vai ter professores que inventam o que vão dar em suas cadeiras e alunos que dão com a cara na porta, tal como ocorria no Sul.

O Daeca faz falta. Aqui, o DA está fechado para férias. E todos os alunos, mesmo de pós-graduação, pagam uma taxa semestral de matrícula para o DA! Se isso ocorresse na UFRGS, gostaria só de ver a reação dos direitosos, sempre prontos a xingar os Daecanos de "stalinistas", de "aparelhadores" ou simplesmente de "vadios"...

Belo Horizonte é uma cidade de geografia realmente pitoresca. O Centro, mesmo sendo poluído, está muito longe de ter a violência de Porto Alegre. Aqui até dá para caminhar de noite, e sem ser o Chuck Norris! E os prédios e lojas não são abarrotados de seguranças privados; aqui, a segurança pública é eficiente, e os policiais são abundantes. Em relação aos bairros residenciais, os que mais lembram Porto Alegre são o Savassi e o Lourdes (apesar do mega-ultra-super templo da Igreja Universal nesse último, inspirado no Partenon Grego; é de assustar!!!). Os bairros ao norte do Centro são de relevo muito, mas muito acidentado. Andar de ônibus é como andar de montanha russa. Eu já cheguei a ficar com o estômago embrulhado ao andar de ônibus por lá. Mas o mais incrível é a estreiteza das ruas: as calçadas não permitem que duas pessoas andem lado a lado, e os carros praticamente passam na frente das portas das casas. O pessoal daqui acha isso perfeitamente normal, mas eu estranhei.

Ainda estou morando no Hotel Normandy, e vou ficar acho que mais um mês lá. Depois me mudo para a "República Gaúcha" da Cedeplar, com os ex-UFRGS Rubens e Bruno, que vieram para cá em 2005. O bairro é Cidade Nova, meio longe do Centro, mas como estava muito difícil de se encontrar um apartamento de um quarto barato razoável para alugar no Centro, aderir à República tornou-se inevitável.

O custo de vida de Belo Horizonte é bem baixo; as coisas são bem baratas por aqui. Num bar, três reais por uma cerveja é considerado caro. O RU custa 2,50, mas tem a qualidade e a limpeza de um restaurante à quilo normal. De noite, dá para comprar pão de queijo (de bom tamanho), ou salgados de padaria, ou então pastéis com caldo de cana, sem gastar muito. Enquanto eu não receber minha bolsa, vou continuar a viver bem economicamente.

E tenho saído todo o final de semana, seja com os amigos do Orkut, seja com o pessoal da faculdade. Já tenho bons conhecimentos sobre os bares e botecos da cidade. E o melhor é que aqui tem bons bares com shows de rock ao vivo, além de pubs para tomar cerveja.

Mas ainda estou em fase de adaptação à cidade. Ainda tenho que aprender a pegar ônibus direito aqui. Os fatos de que todos os ônibus sejam azuis, que mudem de nome conforme a direção de seu trajeto, e que parem em paradas específicas do Centro, vêm me confundido bastante.

Piadas de BH na Desciclopédia (by Izabela):
http://desciclo.pedia.ws/wiki/Belo_Horizonte

segunda-feira, julho 02, 2007

Roteiro Turístico: Praça do Papa

Sábado passado, tirei o dia de folga para conhecer a cidade, o que eu não fazia desde abril, e procurar, enfim, olhar o horizonte de Belo Horizonte. Conforme já me haviam informado, havia um posto mirante perto da Praça do Papa, no extremo sul da cidade, em cima de um morro. E para lá eu fui.

Peguei um ônibus da Cidade Nova, bairro no qual eu moro, na região nordeste de BH, e desci no extremo sul da Avenida Contorno, que, como o próprio nome diz, contorna o Centro. A partir daí, segui a pé pela avenida Afonso Pena (a principal da cidade), rumo ao sul.

Os bairros da região sul de Belo Horizonte (Sion, Anchieta, Cruzeiro, Mangabeiras)são os mais ricos que eu já vi numa cidade (comparando com Porto Alegre e a zona sul do Rio de Janeiro). O ambiente do local combina ruas largas, com prédios e casas de arquitetura moderna, um aspecto bucólico causado pelas ruas mais arborizadas, e uma calma sem comparação com o resto da cidade. Noto que a zona sul de BH é como se fosse uma outra cidade, um pedaço do Mundo Desenvolvido no coração do Brasil. Eu me lembro das minhas primeiras impressões sobre a cidade, logo que me mudei para cá, e inclusive postei no blog, quando eu achava Belo Horizonte uma cidade grande, e, fora do centro planejado, um tanto desorganizada, com obras públicas e barulho de britadeiras por todo lado, e uma alternância sem lógica entre bairros residenciais mais calmos, bairros comerciais com ruas estreitas atolhadas de ônibus, calçadas apertadas e falta de árvores, e periferias imundas.

O bairro das Mangabeiras, que circunda a praça de mesmo nome, é composto por casarões e mansões que só se vêem em filmes americanos, e, em Porto Alegre, nos condomínios fechados da zona sul. As ruas são muito mais arborizadas do que no resto da cidade, proporcionando o prazer de caminhar na sombra, sob o canto dos pássaros. O parque, por sua vez, consiste em duas quadras de gramado muito bem cuidado, onde crianças brincam e empinam pandorgas, madames levam seus pequenos poodles para pasear, jovens andam de bicicleta e de skate, e os maridões bebem cerveja na sombra. O clima de tranqüilidade e de paz do lugar não parece compatível com o de uma cidade de 3 milhões de habitantes, em um país marcado pela violência. Porém, é verdade que Belo Horizonte nem de longe apresenta os mesmos sinais da criminalidade de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre ou Recife, o que dá um clima de segurança e confiança entre as pessoas; aqui, não há o medo de andar pelas ruas, ou de esperar na parada de ônibus ao anoitecer.

Além disso, o nível de educação (educação informal, não necessariamente aprendido nas escolas) das pessoas daqui é muito superior ao do Sul. Aqui, palavras como "por favor", "com licença" e "muito obrigado" são a regra, e não a exceção, no vocabulário das pessoas, é comum desconhecidos se cumprimentarem, ou mesmo falarem sobre assuntos cotidianos em lugares públicos. Ao contrário de Porto Alegre, os habitantes daqui não têm como hábito externalizar seu mau-humor sobre os outros, e pessoas com dor de garganta não gospem em público.

Voltando ao passeio, a Praça do Papafica no extremo sul da cidade, como já disse, e à frente dele, localiza-se mais uma fila de casas e, enfim, uma cordilheira de montanhas de cor vermelho-sangue (cor das rochas locais, bastante diferente da terra fofa e escura que Porto Alegre apresenta), não totalmente cobertos por gramíneas, e totalmente deserta, pelo menos a minha vista. É realmente instigante, caminhar durante mais de duas horas e chegar ao "limite da civilização": um parque, mais algumas casas, e o ermo, o bucolismo puro, a paz da não-presença do homem. E ainda em um lugar tão calmo, alegre e familiar como aquele! É como que se, ao percorrer Belo Horizonte de norte rumo ao sul, presenciasse uma verdadeira trajetória de desenvolvimento sócio-econômico, começando nas periferias do norte (União), os bairros comerciais mais pobres (Sagrada Família, Floresta), os bairros residenciais de classe média (Cidade Nova), o Centro, os bairros comerciais mais ricos (Savassi, Lourdes), e o sul, completamente desenvolvido (fora a favela da Serra, que fica à Sudeste).

Chegar á pé ao final da civilização pode parecer trivial para os habitantes da cidade, mas para mim, que vim de uma cidade com exato formato de semi-círculo (em que cada faixa ao redor do Centro tem algum significado urbanístico), e rodeada por um cinturão de pobreza que concentra a maior parte das favelas do estado inteiro, parecia impossível acontecer.

E o mirante, ao lado do super-protegido Palácio das Mangabeiras (tão fortificado que eu nem pude ver para dentro de seus muros), é um ponto turístico bastante conhecido, cheio de turistas e vendedores de pipoca e água de coco, e circundado de araucárias, que dão sombra aos observadores. Enfim, o horizonte de Belo Horizonte não é uma linha, como estamos acostumados no sul, mas é uma cadeia de montanhas mais altas que rodeiam toda a cidade ao norte, ao sul e ao leste. Do mirante, pode-se ver todo o relevo acidentado da cidade, é como se fosse um mar de prédios que formassem ondas estáticas. Bem legal de se ver.