sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Discussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte Final - A Heterodoxia

Em toda a sua discussão, até aqui, o autor (do blog http://koenigsberg.wordpress.com) criticou alguns dos princípios metodológicos da economia mainstream, e defendeu conceitos ditos heterodoxos, como a demanda efetiva, como sendo empiricamente mais realistas do que os da teoria neoclássica. Contudo, o autor afirma seu maior interesse e simpatia pela ortodoxia. Nesse final de sua narrativa, ele explica o por quê.

Em primeiro lugar:
O problema básico da heterodoxia é que todas as premissas e proposições são
colocadas constantemente em discussão, até o ponto que o modelo heurístico de um
economista heterodoxo pode ser parametrizado para obter qualquer coisa.

Nesse ponto cabe destacar que não existe simplesmente "uma escola de pensamento econômico heterodoxo". O que existe é uma linha de pensamento econômico mainstream (com sub-correntes internas), e uma diversidade de linhas alternativas, críticas aos seus postulados, que, no agregado, denomina-se de heterodoxia. O autor minimiza esse fato ao considerar a ortodoxia como um ramo de pensamento econômico pós-ricardiano, e a heterodoxia, uma mera evolução de pensamento pós-malthusiano. Cada linha de pensamento heterodoxo, na verdade, pode ser associado a um programa lakatosiano de pesquisa independente, cada qual com seu núcleo irredutível de hipóteses metafísicas básicas, cinturão protetor de hipóteses auxiliares e heurísticas. Muitos desses programas são sobrepostos e inter-dependentes - entre si e com a ortodoxia - mas não podem ser agregados em um único programa de pesquisa heterodoxo.

Logo após, o autor aponta mais três vantagens da ortodoxia sobre as correntes heterodoxas. Em primeiro lugar, a ortodoxia teria uma vantagem normativa sobre as demais linhas de pensamento, já que a defesa do sistema de preços como orientador da produção e da distribuição teria contido um sistema ético e moral a ele indissolúvel. Os preços seriam um mecanismo de conciliação social, entre indivíduos de interesses distintos. Nesse ponto, tenho pouco a dizer, já que não domino os estudos referentes à ética da economia. Contudo, confesso que essa é a primeira vez que leio que o mercado é moral como defesa para sua manutenção; sempre li que ele é eficiente. Por outro lado, em uma palestra da Deidre Mc Closkey (ortodoxa e conservadora) no encontro da Anpec em Recife, ela deixou claro que haveria mais espaço para a ética cristã na economia neoclássica do que tem atualmente.

Em segundo lugar, a teoria neoclássica faz da economia uma "ciência lúgubre", isto é, comprometida com os problemas econômicos reais (trade-offs), sem espaço para utopias de cunho político. Nesse ponto, eu concordo com o autor, desde que isso não signifique que todos os heterodoxos, de todas as linhas de pensamento, acreditem que os maiores problemas econômicos possam se resumir a falta de boa vontade política. O modelo pós-keynesiano com o qual venho trabalhando, por exemplo, supõe que a inflação é ruim para o crescimento econômico, e que o crescimento pode ser limitado por problemas na balança de pagamentos dos países. Por isso, generalizações, nesse sentido, são perigosas.

Em terceiro lugar, a teoria neoclássica, por manter um aparato teórico coeso (mais uma vez o autor faz referência aos paradigmas kuhnianos), impede um pluralismo irresponsável de soluções de problemas, e se afasta das discussões de cunho político. Nesse ponto, eu concordo em parte com o pensamento do autor. De fato, a teoria neoclássica tenta se afastar de ideologismos políticos. Mas se isso é bom ou é mau, trata-se de um juízo de valor pessoal, passível de discordâncias. Explicarei isso mais tarde.

Por fim, encerrando sua abordagem, o autor aponta o principal motivo que o faz simpatizar pela ortodoxia. Segundo ele, os heterodoxos têm razão ao defender que a economia real é desagregada, na qual a produção decidida ex ante com base nas expectativas sobre a demanda futura. Mas a ortodoxia têm razão ao manter como pressuposto fundamental de sua teoria (um verdadeiro hardcore lakatosiano) um fator que o autor aponta explicitamente como verdade científica absoluta: o individualismo metodológico. Contudo, o individualismo, mesmo sendo uma verdade absoluta, é constantemente ameaçado dentro da própria ortodoxia, quando os economistas trabalham com índices agregados para mensurar o bem-estar social:
Cada vez que um ortodoxo fala em políticas para o crescimento, ele está
adotando o pior da heterodoxia, a incapacidade de perceber que a sociedade não é
um corpo, uma vontade, mas um amontoado de corpos, vontades e desejos tentando
conviver em desarmonia. E essa é a culpa radical da nossa profissão: nós
gostamos de fingir que a teoria normativa gera soluções políticas, e com isso no
lugar de vender soluções para os problemas que as pessoas enfrentam, nós
entramos no mercado de algo no que acreditar: crescimento, emprego,
desenvolvimento.

Esse ponto, que consiste no principal argumento de todo o post do autor, é exatamente o ponto que considero mais crítico. Em primeiro lugar, questiono o que vem a ser, exatamente, uma verdade empírica absoluta em uma ciência social. Na verdade, é passível de discussão a existência de verdades absolutas na própria ciência; nas principais correntes de metodologia científica (Popper, Kuhn e Lakatos), as verdades científicas não são absolutas e infalíveis, mas sim provisórias, constantemente testadas com cada vez mais rigor, falsificadas e substituídas por novas teorias, em um processo evolutivo. Tal processo pode ocorrer com teorias individuais (Popper), paradigmas científicos (Kuhn) ou programas de pesquisa concorrentes (Lakatos), mas a crença de que a ciência pode chegar a verdades empíricas imutáveis procede apenas ao positivismo, do final do século XIX até o início do século XX, ao qual Popper, o principal metodólogo do século passado, foi grande crítico.

Na verdade, a definição de "verdades empíricas" como fontes de hipóteses seguras para a formulação de teorias econômicas remete a John Stuart Mill, estudioso crítico do positivismo, na metade do século XIX. Segundo esse autor, as ciências sociais como um todo teriam o objetivo metodológico de dividir as diferentes motivações que movem o comportamento humano, e estudar cada motivação separadamente. A economia, nesse sentido, teria o objetivo de estudar o comportamento humano lidando com a riqueza (ressalta-se que, na época, ainda não havia definida uma teoria para o consumo). Esse ramo da ciência social poderia basear suas teorias com base em duas premissas consideradas empiricamente verdadeiras pelo autor: as pessoas preferem sempre estar na melhor posição possível de riqueza, e as pessoas, para um nível fixo de riqueza, preferem obtê-la fazendo o menor esforço possível.

Contudo, como já referi em posts anteriores, essa visão metodológica de Mill foi duramente rebatida nas primeiras décadas do século XX por ser demasiadamente racionalista (pela ênfase no deducionimo com base em poucas premissas) e pouco empírica. O debate foi finalizado, para a ortodoxia, com o artigo de Friedman (1952) segundo o qual o que importa são as previsões realizadas pelas teorias econômicas, e não com o seu realismo. Isto é, a ciência econômica é um instrumento de trabalho dos economistas, e não uma coleção de verdades absolutas. Portanto, sob o ponto de vista ortodoxo, a discussão sobre o realismo das teorias de Ricardo e de Malthus, enfatizada pelo autor como cerne da discussão entre ortodoxia e heterodoxia, simplesmente não é relevante para destacar qualquer uma dessas linhas de pensamento. Porém, um dos ramos da heterodoxia ainda mantém a metodologia original de Mill: a escola austríaca, fundamentada naquilo que chama de praxis do comportamento humano.

Ao meu ver, o verdadeiro dissenso entre a ortodoxia e a heterodoxia não é a questão da Lei de Say versus Demanda Efetiva, como defende o autor. Tal ponto pode ser harmonizado, e, de fato, foi conciliado ao longo do século XX pela macroeconomia neokeynesiana, monetarista e novo-keynesiana, pela distinção entre um curto prazo "keynesiano, ou malthusiano", e um longo prazo "clássico, ou ricardiano". Muito mais estrutural do que isso, o que está em discórdia é o próprio individualismo metodológico e a apolitização da ciência econômica, o que o autor destaca como as principais vantagens da ortodoxia!

Explicando melhor, na minha opinião, o que diferencia os economistas ortodoxos dos heterodoxos é que, enquanto que os primeiros acreditam que a ciência econômica pode ser um ramo de conhecimento atemporal, ageográfico, acultural e apolítico, os últimos acreditam que a economia, pelo contrário, não pode se desfazer de seus laços com outras ciências sociais, seja com a história (no sentido de que a economia é socialmente, e não individualmente construída), seja com a política (no sentido de que a economia tem comprimissos políticos, de promoção do bem-estar social, a cumprir). Minha base empírica para essa observação vem dos meus próprios colegas de graduação e de mestrado: enquanto que os mais simpatizantes da ortodoxia dedicam seus estudos à realização de previsões e de métodos empíricos, os mais simpatizantes da heterodoxia preferem estudar relações da economia com a história e a política.

Praticamente todas os ramos da economia heterodoxa pendem para um desses lados - história e política. Marxistas, historicistas (List, explicitamente), institucionalistas, evolucionistas e estruturalistas cepalinos, por um lado, concordam que a economia estudada hoje em dia é um fenômeno socialmente construído e historicamente situado, e não pode ser analisada sem levar em conta esse fato. Por outro lado, outros ramos destacam a importância da economia com objetivos agregados de promoção de bem-estar: pós-keynesianos, estruturalistas, evolucionistas e até mesmo austríacos, com sua ênfase na defesa do liberalismo econômico, visto como nada menos do que um princípio de bem-estar social.

Sobre esses dois pontos, declaro que minha posição pessoal é relativista em ambos. Considero que em parte, a economia tem influências institucionais e históricas; independentemente da propensão natural da humanidade à troca (e se esse fator for relevante), certamente a economia atual difere da economia de 100, 500, 1000, 5000 anos atrás, e isso tem raízes institucionais e da evolução cultural da humanidade. Certamente a economia numa sociedade moderna, baseada numa dinâmica trabalho-produção-troca-consumo não é a mesma de uma numa sociedade bárbara, baseada no roubo e na pilhagem. Além disso, a ciência econômica emergiu em meados do século XVIII não por acaso.

Além disso, mesmo achando importante que as teorias econômicas tentem, pelo menos, evitar tomar ideologias políticas explícitas, de modo procurar tomar conclusões mais robustas sobre suas análises. Mas, por outro lado, o individualismo estrito, está muito longe de ser considerado uma verdade empírica absoluta do comportamento humano. O ser humano é um ser social; é racional os indivíduos viverem próximos uns dos outros, e agir cooperativamente (LUCAS, 1988) quando for vantajoso para todos. Por isso, acho importante o desenvolvimento de teorias econômicas que levem em conta o comportamento de indivíduos agregados em grupos sociais (famílias, profissões, comunidades habitacionais, etc.) para aperfeiçoar as análises.

Um ponto final que quero destacar é o fato de que, independente de relativismos sociais, históricos e políticos que possa afetar a ciência econômica, não acho isso passível da defesa de um niilismo em seu estudo. Isto é, apesar dos problemas enfrentados pelas teorias econômicas, sejam ortodoxas, sejam heterodoxas, e que são intrínsecos à própria noção de conhecimento humano, não acho que isso possa defender que a análise econômica, seja de previsão, seja de explicação, simplesmente não seja possível, de modo que a economia se torne apenas um campo de conflito de interesses ideológicos. Essas críticas, realizadas por diversos autores e estudiosas, destacam mais o desafio de se construir estudos econômicos mais concretos, do que quaisquer impossibilidades.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Discussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 5 (Metodologia da Economia Neoclássica)

Nesse ponto de sua dissertação, o autor aponta aqueles que considera os maiores pontos de sua crítica à metodologia da economia neoclássica:
O problema básico da ortodoxia é que ela traveste suas premissas fundamentais
(semânticas) de método de comunicação objetiva (sintática). É assim que
progressivamente proposições científicas que são falsificáveis e deveriam ter
justificativas teóricas mais profundas — e freqüentemente têm, mas muitos
ortodoxos ignoram os aspectos mais abstrusos do fundamento profundo da
ortodoxia, a teoria neo-walrasiana — são elevadas a verdades triviais.

Nesse ponto, destaco um detalhe: afirmar que os axiomas da teoria econômica neoclássica são "proposições científicas que são falsificáveis", mesmo que seja aceito pela maior parte dos economistas dessa linha de pensamento, é freqüentemente refutado por estudiosos de metodologia científica (economistas ou não). Cabe ressaltar que o falsificacionismo é um princípio metodológico pensado e teorizado para as ciências naturais, e não para as ciências sociais, e isso foi lembrado pelo próprio Karl Popper. Sendo uma ciência social aplicada, a economia tem suas teorias construídas a partir de proposições de origem filosófica e metafísica. Ou seja, os conceitos fundamentais da economia neoclássica, como "racionalidade", "equilíbrio", ou mesmo "market-clearing", não podem ser continuamente testados, até serem falsificados, refutados e substituídos por outros, tal como a metodologia popperiana propõe, simplesmente porque não são princípios empíricos. Se fossem, precisariam estar fundamentados por teorias biológicas e bioquímicas (isto é, exatas e naturais) do comportamento humano.

A metodologia da economia neoclássica, até meados da década de 1940, defendeu que esses conceitos e premissas fundamentais de suas teorias consistiam em verdades empíricas observadas, como apontou Stuart Mill ("as pessoas têm necessidades, e procuram satisfazê-las", "para atingir um mesmo fim, as pessoas escolhem um meio menos trabalhoso"). Contudo, após a crise da ciência economia, na década de 30, potencializada pela crítica keynesiana, segundo a qual os economistas não conseguiram prever a crise de 29 exatamente porque se ocupavam meramente de teorizar em cima de pressupostos pouco empíricos e demasiado metafísicos. A solução dessa crise metodológica saiu com o famoso artigo de Milton Friedman, no início da década de 50 (época do boom de crescimento econômico internacional pós-guerra), para o qual os pressupostos da ciência econômica têm importância meramente de caráter instrumental, isto é, devem ser avaliados, no sentido metodológico, não de acordo com sua observação empírica, mas sim com sua conveniência para a tomada de conclusões e de previsões de eventos futuros. Certamente, o instrumentalismo científico, tal como proposto por Friedman, é passível de críticas. Contudo, após sua publicação, suas idéias foram amplamente aceitas pela comunidade científica econômica, mesmo que muitos de seus membros ainda confiem na "lógica indutiva" de Stuart Mill.

Em um movimento de espiral, a ortodoxia vai elevando resultados
anteriormente construídos em um contexto teórico (e logo frágil) a categorias da
razão pura, e mesmo aqueles um pouco mais antenados em epistemologia aceitam
isso passivamente, um pouco por esperança de soluções técnicas superiores que
façam tudo entrar no lugar (”ah, mas no mestrado da PUC vê-se equilíbrios
múltiplos”), em parte pela força da autoridade (”mas é o Pedro Malan dizendo
isso”) e em parte pela facilidade com que um ser humano de atenção e cognição
limitada se insere num paradigma kuhniano.

Nesse ponto, o autor destaca o caráter pouco empírico da teoria do equilíbrio geral walrasiano, de grande importância na economia neoclássica. De fato, o equilíbrio geral depende de muitas suposições abstratas, inclusive de conclusões de modelos econômicos abstratos mais elementares, e a sua empiricidade é tema de muitas discussões. O autor também muito bem aponta a própria preocupação dos teóricos em economia com as suas limitações, ao continuamente desenvolver esboços de soluções técnicas para tentar fazer as conclusões dos modelos de equilíbrio geral emularem o mundo econômico real, mesmo às custas de novas suposições metafísicas e abstratas.

Contudo, novamente, associar esse fato com a inserção da economia neoclássica em um "paradigma kuhniano" é forçado. Thomas Khun desenvolveu sua noção de paradigma científico, no qual os cientistas se ocupam apenas com seu trabalho heurístico (técnico), pensando em "ciências normais", no qual as discussões metodológicas já foram superadas pelos seus estudiosos. E esse, obviamente, não é o caso da economia (em nenhuma corrente de pensamento)! Se as dicussões metodológicas são ignoradas, ou mesmo subestimadas, no departamento de economia da PUC-Rio é um assunto interno seu; mas estender esse problema à comunidade econômica interncacional, é um grande equívoco. Mesmo no mundo anglo-saxônico, em que a economia mainstream é mesmo mainstream, as discussões metodológicas não são conclusivas (e eu posso garantir isso pessoalmente, como pesquisador sobre o tema).

Uma alternativa aos paradigmas kuhnianos é a associação das correntes de pensamento econômico aos programas de pesquisa lakatosianos. Em Lakatos, ao contrário de em Kuhn, apresenta-se a dicussão metodológica não em "ciências normais", com um paradigma definido, mas sim em ciências com linhas de pensamento concorrentes. Nesse caso, os problemas apontados pelo autor sobre a falta de discussões metodológicas sobre os pressupostos das teorias econômicas na PUC-Rio devem-se à agregação desses pressupostos ao "núcleo irredutível" de hipóteses pertencentes ao programa de pesquisa local, que não necessariamente precisam se repetir em outros programas de pesquisa econômicos. Logicamente, a aplicação dos programas de pesquisa lakatosianos à ciência econômica também não é impassível de críticas, principalmente devido à flexibilidade de suas hipóteses fundamentais (com a própria constante busca por refinamentos técnicos a seus problemas mais empíricos), e pela existência de sub-programas de pesquisa, ou de programas inter-dependentes (por exemplo, o programa novo-clássico de Chicago não é igual ao programa novo-keynesiano do MIT, mesmo que ambos pertençam a um programa neoclássico superior).

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Fim de Férias

Amanhã acabam minhas férias. À uma da tarde, começa minha cadeira de Métodos Quantitativos Aplicados à Economia Social. Uma semana depois, começa Seminários de Dissertação. Essas são as duas únicas cadeiras que vou me matricular nesse semestre.

Também quero fazer como ouvinte Educação e Mercado de Trabalho, e Desenvolvimento Sócio-Econômico, para me divertir lendo artigos, sem o compromisso de pesquisar mais.

Meu artigo sobre crescimento econômico e restrições na balança de pagamentos nos países latino-americanos (lei de Thirlwall) aplicando técnicas de dados em painel deu resultados muito bons. Mandei uma cópia para o professor de macro, para ver se vai ter futuro.

Quinta-feira falo com minha orientadora. Hora de pensar no tema da minha dissertação. Só sei que vai ser na área de Economia Social, com o tema de pobreza e sua redução, e com o Brasil como área de abrangência (acho que seria muito difícil trabalhar com a América Latina inteira). E vou trabalhar com microdados, usando as técnicas que aprendi até agora, mais algumas outras.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Discussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 4

Segundo o autor do post sobre o qual estou comentando (já referido nos posts anteriores), não custa lembrar e reafirmar, o debate fundamental entre ortodoxia e heterodoxia, em sua visão, a lei de Say ricardiana versus a demanda efetiva malthusiana nunca foi resolvido pelos autores, mas, pelo contrário, tem sido cada vez mais evitado. O autor refere a essa problemática como se fosse uma verdadeira "canalhice" realizada pelos teóricos de ambas as tendências.

Por um lado, os ortodoxos, de forma não apontada diretamente pelo autor, mas a associação é muito clara, acabaram por assumir os pressupostos de sua visão (a lei de Say) como núcleo irredutível de um programa de pesquisa lakatosiano. Isto é, o que seria apenas uma tese parte de um debate, consistindo em uma teoria econômica abstrata, acabou se tornando um pressuposto, praticamente um axioma não-questionável para todos os pesquisadores de sua área. E, a partir desse pressuposto, foram construídos, ao longo dos séculos XIX e XX, todo um cinturão de hipóteses auxiliares e heurísticas de pesquisa, mas nunca colocando o seu núcleo em discussão. Em resumo, o autor aponta que a "canalhice ortodoxa" consiste em "castrar o debate" por questões de pragmatismo técnico.

Como exemplo, relembra seus professores, ortodoxos, na PUC-Rio. Segundo o autor, em um centro ortodoxo, questões como a lei de Say nunca são discutidas, mas sim são apresentadas como pressupostos absolutamente triviais de outros modelos econômicos.
A canalhice ortodoxa consiste em fingir que muitos problemas
já estão resolvidos; fala-se de um “consenso emergente” na macroeconomia, como
se os problemas radicais da teoria ortodoxa vigente, problemas outrora
reconhecidos por ortodoxos de uma geração mais honesta, não existissem.

Um ponto que destaco aqui é a possibilidade de se culpar a teoria econômica neoclássica, ou economia ortodoxa, por problemas que aparentemente se reduzem à falta de didática de professores. Pessoalmente, não vejo nehuma "heresia", no sentido de desrespeito por parte do acadêmico pelo seu programa de pesquisa, ao explicar reflexivamente os seus conceitos e pressupostos mais básicos aos alunos, principalmente os de graduação. Isso não se resume apenas à lei de Say, mas também a pontos mais centrais da ciência econômica neoclássica, tais como "racionalidade", "preferências", "equilíbrio", etc. Empiricamente, já observei repetidas vezes, ao longo da minha vida acadêmica (tanto na graduação como na pós), que um dos principais fatores que diferenciam um determinado professor e marcam a qualidade de sua aula, é sua capacidade de organizar logicamente as teorias econômicas, de forma a separar, e tornar explícito, aquilo que é pressuposto, e aquilo que é implicação. E, ainda, nem de longe tal problema se resume à ortodoxia. Muitos dos meus professores heterodoxos também se mostraram incapazes de proporcionar uma boa organização lógica de suas idéias para os alunos, tornando suas aulas absolutamente incompreensíveis e prolixas para quem já não tinha um bom conhecimento prévio sobre o assunto.

Pesquisadores, de certo, podem simplesmente aceitar determinados pressupostos de seus programas de pesquisa como núcleos irredutíveis, simplesmente porque não há espaço para demasiados longos "momentos de reflexão" em artigos científicos, que tendem a cobrar cada vez mais rigor objetivo aos seus elaboradores. Mas isso certamente não se aplica a professores, cuja competência profissional depende, além de seu conhecimento sobre a matéria, de sua capacidade didática e de comunicação.

Disscussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 3 (Lei de Say e Demanda Efetiva)

O post que estou comentando, e debatendo, se chama "Malthus, ou: tudo o que eu precisava saber sobre economia aprendi vendo Senna X Mansell com meu pai", e está no blog köenigsberg (agradeço a lembrança por Enoch Filho).

Em resumo, o autor sugere que a diferença fundamental entre a economia ortodoxa e as visões heterodoxas nasceu da famosa discussão entre David Ricardo e Thomas Malthus sobre a "Controvérsia da Abundância Geral". Essa controvérsia discorreu-se sobre a possibilidade de economias de mercado enfrentarem crises de superprodução, ou de seu crescimento ser limitado por falta de demanda. De acordo com Ricardo, a decisão de produzir (oferta), por parte de um investidor, naturalmente provocaria uma demanda por fatores de produção (crescimento do emprego), os quais seriam devidamente remunerados, e suas remunerações seriam aplicadas em bens (consumo e investimento). Esse mecanismo ficou conhecido como Lei de Say. Assim, aumentos da oferta acarretariam em aumentos da demanda, essa não seria jamais um fator restritivo ao crescimento, mas sim apenas a disponibilidade de fatores de produção na economia. Malthus, por sua vez, defendeu que os empresários investiam, ou decidiam produzir (oferta) com base em suas expectativas de retornos futuros no mercado (demanda). Ou seja, a produção-oferta é decidida ex-ante com base em expectativas ex-post de mercado-demanda. Assim, se a demanda ex-post (ou demanda efetiva) não correspondesse ao esperado ex-ante, inibiria nosvos investimentos, e provocaria crise econômica. Nessa visão, a oferta é precedida pela demanda.

A curiosa analogia que o autor faz com Senna e Mansell é explicada: enquanto Mansell devia suas vitórias predominantemente à capacidade mecânica de seu carro (a Williams do início dos anos 90), Senna devia suas vitórias ao seu espírito esportivo individual. Ou seja, Mansell representaria a ortodoxia, em que a sua dinâmica dependeria de suas disponibilidades técnicas, e Senna representaria a heterodoxia, em que a sua dinâmica dependeria de seu estado de ânimo empreendedor.
Basicamente, a interpretação ortodoxa da vida econômica está dizendo que
sem motor não adianta muque e a heterodoxa que sem muque não adianta
motor.

Após a discussão entre Ricardo e Malthus, o autor argumenta as correntes de pensamento econômico trataram de expandir seus aparatos técnicos, baseados em suas suposições escolhidas. Ou seja, a controvérsia nunca foi resolvida, mas sim ignorada por autores de ambos os lados, como os neoclássicos, no caso da ortodoxia, como os marxistas e keynesianos, no caso da heterodoxia. Contudo, uma tentativa bastante clara e evidente de sintetizar essa discussão entre crescimento econômico liderado pela demanda e pela oferta foi realizada pela chamada síntese neoclássica da macroeconomia keynesiana, na década de 40, por parte de autores como Hicks, Hansen e Modigliani. Segundo essa teoria, a economia, em um curto prazo, em que preços e salários são fixos, o nível de produto é definido em um equilíbrio parcial entre a oferta e a demanda agregadas, e como essa última é empiricamente mais flexível, acaba determinando aumentos de produção e recessões. Mas, no longo prazo, em que a rigidez nominal é insignificante, o nível de produto é dado por um equilíbrio geral, que só seria deslocado por mudanças na fronteira técnica de produção. O autor coloca esse ponto como uma mera contra-reforma técnica da economia ortodoxa, de modo a acomodar o mercado de fundos emprestáveis, que garante a igualdade entre poupança e investimento implicadas pela lei de Say, como um mercado de remuneração de fatores. Desse modo, a teoria da demanda efetiva, famosa por Malthus e Keynes, seria posta como um caso especial da lei de Say, quando houvesse rigidez nominal nesses mercados.

Tal ponto de vista, mesmo que seja intuitivo, é bastante polêmico. Por um lado, afirmar que o crescimento de curto prazo liderado pela demanda é, pela síntese neoclássica, um "caso especial" da teoria clássica anterior, parece ser muito forte. Na verdade, toda a macroeconomia neoclássica, até mesmo o monetarismo e o novo-keynesianismo, é baseada numa noção de dualidade lógica entre um curto prazo no qual existe rigidez nominal, mais forte no mercado de fatores de produção, de modo que variações na demanda agregada afetam o produto, e um longo prazo em que a economia converge para uma situação de equilíbrio geral. O curto prazo, assim, não é um caso especial, mas faz parte da dinâmica de todo o sistema. Essa visão só está explicitamente presente na macroeconomia novo-clássica (expectativas racionais) de Robert Lucas, segundo a qual, a demanda agregada só pode influenciar o crescimento econômico se houver assimetria de informações entre os formuladores de política econômica e os produtores de bens. Essa situação de assimetria seria, sim, um caso especial da economia com informação perfeita, na qual vigora o equilíbrio geral mesmo em um curto prazo.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Discussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 2

Atenção: este post é um DESABAFO. Talvez não seja de interesse público.

Observando o estilo de dissertação do autor do blog Köenigsberg, que publicou um dos textos mais interessantes sobre a metodologia da economia que eu já li, também acho conveniente iniciar a discussão sobre o tema descrevendo a própria trajetória do autor como estudante de ciências econômicas. Portanto, esse post é uma breve (espero!) biografia acadêmica minha.

Me graduei em economia em agosto de 2006, pela UFRGS. Para mim, assim como é comum entre os jovens estudantes gaúchos, principalmente os portoalegrenses, isso não foi uma opção. Somos todos condicionados, desde o primeiro grau (atual ensino fundamental), a acreditar cegamente que o nosso "Nirvana" acadêmico e profissional é passar no vestibular para a Universidade Federal. As pessoas, em geral, no Rio Grande do Sul têm uma visão sobre essa instituição algo como uma entidade metafísica capaz de transformar todos os que nela ingressam em super-homens, de modo que, para quem passa no vestibular, é algo como produtos das Organizações Tabajara: "Acabaram-se todos os seus problemas!". Essa doce ilusão tende a evaporar logo nas primeiras semanas de aula do primeiro semestre, na grande maioria dos cursos.

Sim. eu escolhi cursar economia. Minha decisão final para o vestibular ficou entre cursar isso ou ciência da computação. Optei por economia por ser uma ciência social aplicada, isto é, olhando o currículo do curso na internet, me pareceu um curso com matérias interessantes, estudos divertidos (leituras de autores clássicos e temas contemporâneos sobre as matérias), e com um bom enfoque no mercado de trabalho. Isto é, um curso que me parecia útil e agradável, ao contrário de ciência da computação, cujo currículo era demasiado técnico, as matérias não me despertavam curiosidade, e o que realmente me interessaria seria o título e o embasamento prático sobre o assunto. Mas eu não escolhi um curso por "heterodoxia" ou "ortodoxia" de suas linhas de pensamento. Eu sequer sabia algo sobre isso antes do terceiro semestre da faculdade, quando a teoria econômica começa a ser estudada com maior profundidade! Além do mais, como já dito, isso pode ser relevante no Rio de Janeiro (UERJ e UFRJ, ou PUC e FGV?), em São Paulo (Ibmec ou PUC?, com a USP no meio) ou mesmo no Espírito Santo, em que os mais propensos à ortodoxia cruzam a fronteira com Minas para se juntar à UFV, mas no Rio Grande do Sul, isso não faz sentido. Além disso, eu achava que a economia apresentava um método mais indutivo, próximo à administração em termos micro, e à geografia humana em termos macro.

Ao longo do curso de minha graduação, de 2002 a 2006, minhas idéias fluiram e mudaram muito com o tempo e com os estudos (daí veio a sugestão para o nome desse blog). A partir do terceiro semestre, eu alternei muito entre ser simpatizante da ortodoxia ou da heterodoxia (já escrevi post sobre isso no ano passado), e os meus professores tiveram uma papel fundamental para minhas escolhas, tanto positivamente, como negativamente. Assim, posso considerar que tive uma graduação plenamente plural em termos metodológicos, e isso me agradou bastante. E minhas alternâncias de idéias me influenciaram a estudar bastante todas as opiniões divergentes.

Sobre a qualidade de minha graduação, confesso que, mesmo sendo minoria entre os que se formam, gostei bastante do curso. Sei que sou minoria principalmente devido à heterogeneidade de interesses por parte dos alunos de economia (já postei uma análise caricatural e humorística sobre isso). Assim, alunos ortodoxos tendem a não gostar do curso por ser "heterodoxo demais". Os heterodoxos, acham o curso "muito ortodoxo". Os estudantes de interesses mais técnicos-profissionalisantes, que ignoram diferenças entre essas duas correntes metodológicas, e a própria metodologia em si, e que consistem em uma parcela considerável da massa de alunos de economia, parecem ter asco a qualquer teoria econômica mais abstrata, porque "não é isso que o mercado quer". "Melhor ter cursado contábeis ou administração!". Além, é claro, daqueles alunos mais perdidos academicamente, cujo único interesse no curso é o título (ou nem isso!), e a simples presença em sala de aula já é vista como um tormento. Em suma, cada um tem os seus motivos, mas pouca gente gosta de ser um bacharel em economia pela UFRGS.

Eu, por outro lado, gostei do curso por uma série de motivos, além do pluralismo teórico que acompanhou bem a minha cabeça "essa metamorfose ambulante", e de saber que o curso de graduação em economia melhor que a UFRGS mais próximo estaria ou em São Paulo, ou em Buenos Aires. Primeiro, achei que o curso me deu uma boa base teórica convencional (Microeconomia com o Varian, Macroeconomia com o Sachs, Econometria com o Gujarati, Internacional com o Krugman, e Matemática com o Jorge Araújo), assim como de teorias alternativas (duas HPEs e um Desenvolvimento), estudos históricos factuais, e cadeiras mais aplicadas. Senti como deficiência do curso, e que me persegue furiosamente até hoje, o não-estímulo à realização de estudos empíricos pelos próprios alunos. Nos formamos, em grande maioria, se nunca ter colocado os olhos em um software de econometria aplicada sequer, o que tem conseqüências pesarosas tanto sob o ponto de vista acadêmico (já que a grande maioria dos artigos de hoje peca mais pelo excesso de econometria em relação à teoria econômica do que o contrário), como também profissional, já que nossas cadeiras mais instrumentais acabam se concetrando nos departamentos de administração (a parte de finanças, não a TGA!) , contabilidade e matemática aplicada.

Em 2006, comecei a estudar para a ANPEC seriamente assim que terminei meu trabalho de conclusão de curso, em junho. Me inscrevi nos centros aos quais fui melhor recomendado pelos entendidos nos assuntos de meu interesse (USP, UnB, Cedeplar, UFRJ, UFRGS e PUCRS), e me distanciei daqueles em que eu sabia que não iria pasar com apenas cerca de quatro meses de astudo. Em outubro, fiz a prova (sob circunstâncias emocionais não muito agradáveis, já citadas em vários outros posts). Em novembro, saiu o resultado (#151 na classificação geral com economia brasileira), e fiquei no Cedeplar-UFMG, que me garantiu bolsa de estudos.

Observo que minhas opções para a ANPEC, fora UFRJ e PUCRS, foram mais voltados à ortodoxia, ou, pelo menos, a um pluralismo mais viesado a isso. Tive o objetivo de voltar meus estudos para a economia neoclássica, tanto pelo meu interesse por economia aplicada (que, no Cedeplar, descobri que heterodoxia e análise empírica quantitativa não são excludentes), como também pelo objetivo de aprofundar meu conhecimento na teoria econômica internacionalmente mais aceita nos dias atuais, mesmo que eu não achasse seu estudo agradável, e mesmo que eu não concordasse com tudo. E, quase dois anos depois, continuo acreditando nisso.

Atualmente, ainda me considero eclético dentro da economia. Em questões de política econômica, simpatizo com a ortodoxia: tenho convicções de que políticas monetárias e fiscais irresponsáveis têm custos de longo prazo maiores do que os seus benefícios de curto prazo, de que o governo deve respeitar a sua restrição orçamentária, assim como qualquer agente econômico, e que políticas microeconômicas mexem com incentivos, provocando reações nos agentes, de modo que os seus resultados nem sempre saem como planejado. Mas, em termos metodológicos, tendo a simpatizar com a heterodoxia. Não acho que o instrumentalismo de Friedman (de que a ciência econômica é válida de acordo apenas com suas previsões) e que o individualismo metodológico sejam incontestáveis, como muitas vezes são colocados como. Além disso, particularmente me agrada mais ler, estudar, e observar empiricamente (com um binóculo chamado Stata) fatos econômicos concretos, do que demonstrar os axiomas fracos e fortes da preferência revelada e da estabilidade do equilíbrio geral. Por fim, acho um tanto irritante o tom dogmático que o liberalismo econômico é defendido por muitos dos membros do atual mainstream. Acho, sinceramente, que problemas institucionais econômicos devem ser trabalhados sob uma análise mais fria e imparcial das conseqüências de uma maior ou menor, ou mesmo qualitativamente diferente, intervenção do setor público, do que pela dicussão de "como o mundo seria mais bonito se os mercados fossem livres, já que os indivíduos são racionais.".

Amanhã volto a me concentrar nos assuntos mais metodológicos, e procuro encerrar a discussão.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Problema Resolvido

Acho que resolvi o problema na minha Internet. O Anti-Virus McAfee Viruscan, que instalei na sexta-feira, tinha corrompido os leitores de JavaScript do Windows Vista. Conforme orientação de fóruns especializados na Internet, tive que re-registrar o arquivo jscritp.dll no site da Microsoft. Agora, acho que tudo vai dar certo.

Só o meu e-mail do BOL não entrou novamente. Mas acho que, agora, o problema é no site deles.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Novidades Internéticas

Para quem sentiu a minha falta no blog, no orkut e nos e-mails nessa útlima semana, aí vão algumas explicações:

MÁ NOTÍCIA: O meu Internet Explorer não está mais lendo JavaScript. Isso inibe acessar e-mails, postar no blog, utilizar o Google Maps e mandar scraps no Orkut. Pretendo resolver isso em breve, é um mero problema de software.

BOA NOTÍCIA: Sexta-feira passada, abriu o novo laboratório de informática do Cedeplar no campus Pampulha. E, como são três salas isoladas, o barulho humano e a bagunça deverão ser bem menores.

Em breve, publicarei meu post sobre a Metodologia da Economia.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Discussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 1

No blog Köenigsberg, feito por um mestrando em economia na UFRJ, e com graduação na PUC-RJ, encontrei uma discussão muito relevante a respeito da metodologia da economia, e as diferenciações funamentais entre ortodoxia e heterodoxia. Como chegou a freqüentar dois centros de grande prestígio na economia brasileira, mas de enfoque totalmente distinto (PUC-RJ é um dos principais centros de ortodoxia, a UFRJ é um dos principais centros de heterodoxia no país), o autor revela muito bom conhecimento sobre os aspectos centrais envolvidos em sua abordagem.
O fato é que tive nos meus seis anos de economia um contato íntimo com os extremos teóricos do pensamento econômico contemporâneo no Brasil: fui aluno de Dionísio Dias Carneiro e de Mário Luiz Possas. Mais ainda, tomei contato com duas visões bastante distintas sobre a história do pensamento econômico — e apesar de ter basicamente dormido durante os cursos que explicitaram a visão ideológica hard de cada escola sobre o assunto, pude inferí-las e reconstruí-las heuristicamente pelo pensamento vivo de seus economistas modernos.

O autor identifica como o centro da divisão da teoria econômica entre ortodoxia e heterodoxia o ano de 1820, com a famosa discussão entre David Ricardo e Thomas Malthus sobre a natureza dinâmica do sistema econômico. Ricardo, como é amplamente sabido, defendia que os fatores relacionados à oferta tinham predominância sobre a demanda nesse processo, já que, para que se expanda a oferta, é necessário que a economia empregue mais fatores de produção, os quais serão remunerados, e sua remuneração será empregada em algum gasto. Ou seja, sem oferta, não há emprego; sem emprego, não há remuneração; sem remuneração, não há demanda. Malthus, por sua vez, defendeu que os empresários realizam seus investimentos com base em expectativas ex ante da demanda futura por seus produtos. Contudo, as expectativas podem falhar, e, nesse caso, o volume de vendas, que determina a produção econômica, acaba sendo determinado pela demanda ex post, ou demanda efetiva.

Após essa dicussão, segundo o autor, a economia voltou-se para assuntos de natureza técnica e formal, em que cada escola e pensamento assumiu uma determinada opção sobre essa divergência. Por um lado, a economia neoclássica adotou como axioma pensamento de David Ricardo (a "Ley de Say"), e procurou deduzir conseqüências lógicas desse pensamento. Esse tornou-se o pensamento "ortodoxo" da ciência econômica. Os críticos de Ricardo, por sua vez, adotaram pensamentos semelhantes ao de Malthus (tal como Keynes), e, por não consistirem em um grupo homogêneo de pensamento econômico, tornaram-se denominados como "heterodoxos".
A ortodoxia está dizendo que a disponibilidade dos recursos produtivos implica em demanda, na medida em que as pessoas remuneradas por seu uso — salários e juros — vão sair e consumir, havendo assim tendência ao equilíbrio; como esses recursos são alocados entre os diferentes setores e fatores é um problema muito bem resolvido pela teoria de equilíbrio geral. A heterodoxia está dizendo que o empresário só vai contratar os fatores produtivos se esperar demanda, e só haverá demanda se os fatores produtivos forem contratados — o que implica numa tendência para círculos viciosos e virtuosos, dependendo dos espíritos animais keynesianos e da eficácia da política econômica em produzir o círculo virtuoso.

Assim, autores posteriores, como Walras, Marshall, Keynes, e depois, Hicks, Hansen, Samuelson, Friedman e Lucas se ocuparam de desenvolver as teorias pré-existentes, assumindo como válidos os axiomas adotados por elas. E é esse o ponto em que o autor coloca como o principal problema metodológico da economia contemporânea: o debate entre ortodoxia e heterodoxia esvasiou-se sem que uma solução, ou uma síntese, tenha sido alcançada para a discussão do seu padrão de comportamento dinâmico, que originou a discórdia. Por um lado, os economistas ortodoxos simplesmente ignoram a existência de "debate" a respeito dos axiomas, utilizando exegeradamente hipóteses teóricas de grande conteúdo ficcionista, em nome de um pragmatismo técnico (tal como o instrumentalismo teórico, de Friedman).
A canalhice ortodoxa consiste em fingir que muitos problemas já estão resolvidos; fala-se de um “consenso emergente” na macroeconomia, como se os problemas radicais da teoria ortodoxa vigente, problemas outrora reconhecidos por ortodoxos de uma geração mais honesta, não existissem.

Outro problema apresentado pela ortodoxia é o não-consenso interno (para não falar em confusão) no papel das hipóteses e axiomas assumidos, a partir dos quais as teorias econômicas são deduzidas: seriam eles verdades empíricas (como em Mill), ou meras conveniências técnicas para a realização de previsões (como em Friedman)?
O problema básico da ortodoxia é que ela traveste suas premissas fundamentais (semânticas) de método de comunicação objetiva (sintática). É assim que progressivamente proposições científicas que são falsificáveis e deveriam ter justificativas teóricas mais profundas — e freqüentemente têm, mas muitos ortodoxos ignoram os aspectos mais abstrusos do fundamento profundo da ortodoxia, a teoria neo-walrasiana — são elevadas a verdades triviais.
E, baseadas nessas premissas e de conclusões lógicas desenvolvidas a partir dessas premissas, a ortodoxia desenvolve teorias cada vez mais ficcionais e pouco-empíricas.
Em um movimento de espiral, a ortodoxia vai elevando resultados anteriormente construídos em um contexto teórico (e logo frágil) a categorias da razão pura,

Por fim, a ortodoxia, ao evitar o debate sobre os pontos historicamente não-resolvidos na ciência econômica, defende seu ponto de vista recorrendo ao desmerecimento dos heterodoxos como profissionais sérios, ou mesmo adotando argumentos de autoridade, valendo-se de opiniões de políticos e de acadêmicos famosos, com o seu ponto de vista, como verdades científicas.

Contudo, os defeitos da heterodoxia parecem ainda mais graves ao autor. Sobretudo, pela sua não-agregação em estruturas teóricas consistentemente fundamentadas, e dependentes de criticismos à teoria ortodoxa.
O problema básico da heterodoxia é que todas as premissas e proposições são colocadas constantemente em discussão, até o ponto que o modelo heurístico de um economista heterodoxo pode ser parametrizado para obter qualquer coisa. E os economistas heterodoxos, estes canalhas, se prestam efetivamente a qualquer coisa.

Nesse sentido, a ortodoxia mostra-se cientificamente superior à heterodoxia por três fatores. Em primeiro lugar, pela questão normativa relacionada com o sistema de preços como um mecanismo natural de alocação de renda e de recursos na sociedade, uma vez que expressa as verdadeiras variáveis individuais e tecnológicas dos agentes econômicos. Em segundo lugar, pela excessiva utopização da heterodoxia, sobretudo no que diz respeito às políticas macroeconômicas, ao gasto público e ao desenvolvimento. Há praticamente esquecimento da limitação de recursos no mundo real, a qual é originalmente o foco da ciência econômica. Por fim, o maior apego dos heterodoxos à política para fins de resolução de discussões mais técnicas e teóricas, o que deixa o debate profundamente ideologizado. Por essas três razões, o autor declara-se seguidor da teoria ortodoxa.
Em outras palavras, por força da construção de sua teoria, ortodoxos estão mais preocupados com a justiça social — com toda a complexidade teórica que isso envolve –, são mais sóbrios e menos dados a cometer irresponsabilidades cujo preço terá que ser pago mais tarde e oferecem soluções concretas com base nesses dois condicionantes.

Contudo, em um trecho de conteúdo muito polêmico, o autor aponta uma suposta razão "humana" para a superioridade da ortodoxia sobre a heterodoxia. Segundo consta, a ortodoxia pode até estar em desvantagem no que diz respeito à Lei de Say e ao caráter dinâmico do sistema econômico, mas tem, a seu favor, uma grande vantagem epistemiológica. A ortodoxia baseia sua teoria, independentemente da veraciadade dos axiomas levantados, em um arranjo empiricamente correto, para o autor. Esse arranjo é o individualismo metodológico.
O princípio básico da teoria heterodoxa, chamado por Malthus de “princípio da demanda efetiva”, é inteiramente válido, até ligeiramente mais válido que o princípio básico ortodoxo que é a Lei de Say: no nível desagregado (ou seja, no plano walrasiano), as empresas decidem produzir com base na trajetória esperada da demanda pelo seu produto no futuro, e logo a economia é decidida ex ante facto. Mas não há nada que a sociedade possa decidir fazer a respeito, porque a sociedade não decide nada. A teoria ortodoxa vigente falha em perceber a natureza desagregada, inagregável e heterogênea da economia real, mas a teoria heterodoxa falha em perceber a natureza desagregada, inagregável e heterogêna dos interesses humanos.

Portanto, a heterodoxia peca em defender, com muita freqüência, princípios econômicos normativos no nível agregado, tais como o desenvolvimento, o crescimento e o emprego. O autor enxerga a sociedade como uma integral de indivíduos independentes e plenamente conscientes de sua personalidade. E tal erro muitas vezes chega a contagiar a ortodoxia.
Cada vez que um ortodoxo fala em políticas para o crescimento, ele está adotando o pior da heterodoxia, a incapacidade de perceber que a sociedade não é um corpo, uma vontade, mas um amontoado de corpos, vontades e desejos tentando conviver em desarmonia.

O post encerra com uma afirmação muito forte. Sendo o individualismo metodológico um procedimento epistemologicamente correto na economia, pois é uma verdade absoluta e empírica, deduções tomadas a partir disso também podem ser consideradas cientificamente corretas.
E nisso, eles, os heterodoxos, têm soluções mais coloridas — falsas, mas coloridas. A saída deste impasse envolve reverter uma dualidade para superar outra: nós precisamos estudar o que eles estão dizendo de mais correto e profundo, e ao mesmo tempo reafirmar o que nós temos de mais profundo e puro, que está na gênese walrasiana da teoria ortodoxa: a verdade.


Nos meus próximos posts, vou discutir melhor as questões aqui levantadas. Mas já deixo adiantado que, como estudante de metodologia da economia, minhas opiniões pessoais podem representar o exato oposto do que o autor aqui apresentado apontou.