Já li cerca de metade do livro, e um capítulo me chamou muito a atenção. O título é "A Cultura do Ócio", escrito por Russell em 1932, e facilmente encontrado na Internet. Em resumo, o autor estabelece uma relação entre duas concepções para a importância do conhecimento (principalmente, da educação e do estudo) para as pessoas. De um lado, está o conhecimento utilitário, vigente desde meados do século XIX, com a segunda Revolução Industrial, baseado nas questões práticas e aplicadas, focando da qualificação profissional e técnica. De outro lado está o conhecimento como um fim em si mesmo, voltado unicamente para a satisfação da curiosidade humana e individual, predominante na Antiguidade Clássica e a partir do Renascimento.
Em relação ao conhecimento "utilitário", este é bastante conhecido entre a comunidade econômica. Relaciona-se diretamente ao que Gary Becker e Robert Lucas chamam de "capital humano", isto é, os investimentos que os indivíduos realizam na sua produtividade individual (ou familiar), ausentando-se do mercado de trabalho durante certo tempo para buscar qualificação. Assim, há uma redução de renda e bem-estar no curto prazo, em troca de maiores rendimentos no longo prazo. Explicitamente, esse modelo supõe que o ensino recebido é pró-trabalho, isto é, é qualificação profissional. Esse tipo de educação, de fato, melhora a qualidade da mão-de-obra, eleva a produtividade e permite que os indivíduos obtenham melhores salários. Por outro lado, uma população melhor qualificada está mais apta a trabalhar de acordo com inovações tecnológicas e organizações produtivas cientificamente modeladas, o que incentiva investimentos e acelera o crescimento econômico. Isso é empiricamente indubitável.
Por outro lado, como Russell expôs no seu livro, e como todos economistas já sabemos, o trabalho não é tudo na vida. A cultura do trabalho, para o autor, que vem crescendo sobre o mundo e as mentes das pessoas desde o Iluminismo (meados do século XVIII) não significa outra coisa além da submissão dos interesses, das ações e da própria felicidade dos indivíduos a objetivos coletivos. Em outras palavras, essa é uma cultura que impõe moralmente que a energia individual deve ser guiada para a contribuição econômica para a sociedade, e não para o bem-estar individual. Mas essa maneira de se ver o mundo é incompleta, e tende a criar massas de pessoas alienadas, neuróticas, rabugentas e, conclusivamente, infelizes. E isso que ele escreveu o livro em 1934, muito antes de inventarem o spam na caixa de e-mail, aulas ministradas por slides de Power Point e a lentidão da Internet.
Por isso, se os indivíduos têm curiosidade inata sobre o mundo e sobre si mesmos, não há porque criticar moralmente, ou mesmo impedir, que eles busquem educação para isso. Isso é o que Russell denominou de "educação para o lazer": a busca de conhecimento para a a formação de cultura, ou seja, para a felicidade imediata, incluindo assuntos como a linguística, as artes, a astronomia, a história, entre outras. Em termos econômicos, poderia se chamar de "bens humanos", em detrimento de "capital humano", ou mesmo de "capital do lazer". E além, de propiciar a busca da felicidade individual, a educação para o lazer tem virtudes coletivas, ou em termos econômicos, traz consigo externalidades positivas. Para Russell, pessoas instruídas aprendem a ter prazer na observação e admiração pelo mundo e pelas belas obras, e também na reflexão individual. Por outro lado, pessoas não-instruídas tendem a associar seu lazer a atividades auto-destrutivas e à violência em geral. Portanto, uma sociedade formada por indivíduos cultos tende a ser uma sociedade mais tolerante e menos violenta do que seria de outra forma. Citando o autor (RUSSELL, 1934):
"O mundo de hoje está cheio de grupos egocêntricos e radicais, incapazes de ver a vida humana como totalidade, e muito mais dispostos a destruir a civilização do que a ceder um milímetro em suas posições. Para esse tipo de estreiteza não há quantidade de instrução técnica que sirva de antídoto. Como se trata de uma questão de psicologia individual, o antídoto há de ser encontrado na história, na biologia, na astronomia e em todos os campos de estudo que, sem destruir o amor-próprio, permitem ao indivíduo ver a si mesmo numa perspectiva justa. O que se necessita não é de tal ou qual informação específica, mas do conhecimento que inspire uma concepção da finalidade da vida humana como um todo: arte e história, familiaridade com a vida das pessoas heróicas, além de um certo entendimento da posição estranhamente acidental e efêmera do homem no cosmos - tudo isso permeado do sentimento de orgulho daquilo que é distintivo do ser humano: o poder de ver e conhecer, de sentir com a magnanimidade e de pensar com entendimento. É da combinação do discernimento amplo com a emoção impessoal é que brota a sabedoria."
Enfim, o livro me deu uma coisa que há muito tempo vinha procurando. Há uma racionalidade econômica em estudar apenas pela curiosidade, como eu sempre fiz desde que iniciei minha vida acadêmica.
Olha só, mais uma vez senti um enorme prazer em ler o seu blog!Ahh... Parabéns pelo seu aniversário!
ResponderExcluirObrigado pelos elogios!
ResponderExcluirSão comentários como esse que me motivam a continuar postando.
Abraço