terça-feira, junho 13, 2006

Maniqueísmo e Ciência Econômica

Um dos fatores que fazem com que a ciência econômica seja muito interessante é a diversidade de correntes de pensamento, isto é, a possibilidade de se encontrar diversas possíveis respostas a um determinado problema, de acordo com diferentes pontos de vista. A diversidade de correntes de pensamento naturalmente leva a situações de rivalidade entre seus autores, o que é muito comum em qualquer ciência, além de ser saudável para a realização de debates e contrapontos.

Contudo, algumas vezes essa rivalidade, esse contraponto de idéias pode tomar a forma de uma verdadeira guerra dentro da ciência econômica, em que autores se valem de agressões verbais e teorias conspiratórias absurdas para valorizar aquilo que acredita e atacar aquilo que não concorda. Assim aparece o maniqueísmo na ciência econômica, isto é, uma situação em que o contraponto de idéias toma uma forma de uma luta do "bem" contra o "mal", no melhor estilo Star Wars, em que cada corrente de pensamento tenta tomar para si o monopólio sobre o bem (já que até agora não se ouviu falar de alguma Teoria Econômica Satânica...).

Economistas heterodoxos (incluindo todas as escolas fora do mainstream) muitas vezes podem se apresentar como os libertadores da ciência econômica do jugo do conceito de equilíbrio imposto pelos ortodoxos, o qual distorceria toda a realidade em nome da beleza teórica de seus modelos. O objetivo dos ortodoxos conservadores-fascistas-fundamentalistas seria, de acordo com as hipóteses maniqueístas, provar que o mundo se encontra em um estado estável de equilíbrio, um ponto ótimo em universo de possibiliades dentro do mundo real, em que ninguém poderia melhorar sua situação sem piorar a dos outros. Assim, o status quo de um mundo desigual, cruel e perverso poderia ser ideologicamente defendido com base em argumentos construídos camuflados de "científicos". Assim, a heterodoxia seria o "bem", progressista, defensora dos pobres e oprimidos, e a ortodoxia seria o "mal", retrógrada, defensora dos opressores.

Por outro lado, os economistas ortodoxos (todas as escolas pertencentes ao mainstream, mais aquelas que se julgam pertencer) podem se impôr como os defensores da liberdade, da livre iniciativa e da justiça alocativa. Os heterodoxos seriam todos agentes comunistas-fascistas-chavistas, que utilizam argumentos teóricos fracassados que quebram o princípio do equilíbrio para justificar a submissão de todos os indivíduos ao jugo de um Estado burocrático e opressor. E ainda, os heterodoxos seriam ladrões, no sentido de defender mecanismos de distribuição de renda fora do sistema de mercado (que, supostamente recompensaria cada indivíduo na exata medida de sua competência, de sua produtividade), de modo a sustentar pobres vagabundos e improdutivos. Assim, a ortodoxia seria o "bem", libertária, e a heterodoxia seria o "mal", autoritária.

Tais pensamentos radicais se manifestam sobretudo quando as correntes de pensamento assumem comportamentos extremos, isto é, quando a ortodoxia vira fundamentalismo de mercado, anarco-capitalismo "A-Sociedade-Que-Se-Dane-Eu-Quero-o-Meu-Dinheiro", e a heterodoxia vira anti-neoliberalismo "Anti-tudo-Anti-todos-Anti-Lei da Gravidade". Quando os impasses intelectuais assumem tais comportamentos, o debate some, cada participante olha apenas para o próprio umbigo, e começa a batalha do bem contra o mal.

Todavia, fazer ciência NÃO É, DE NENHUM MODO, fazer pregação ideológica. O objetivo da ciência é buscar compreender e explicar a realidade com base racional, lógica, empírica, e, sobretudo, FRIA. Todos nós temos nossas convicções ideológicas e visões de mundo próprias, que muitas vezes são discordantes do resto da humanidade. Mas a sociabilidade democrática e o respeito às normas morais da ciência exigem que tenhamos respeito com as visões de mundo e teorias alheias, como forma de abrirmos a mente para novas idéias. Senão, debate vira maniqueísmo, e ciência econômica vira filme de ação hollywoodiano.