sábado, fevereiro 25, 2006

Dracula - Bram Stoker

Dracula, de Bram Stoker, é um livro famoso por ter introduzido a figura do vampiro como símbolo da maldade nos contos de terror. Stoker reuniu aspectos de diversas lendas da Europa e do Oriente Médio sobre mortos-vivos que se alimentariam de sangue humano e os sintetizou na figura do Conde Drácula, o vilão dessa história. Destaque para o fato de que as características do vampiro criado por Stoker tornaram-se mais conhecidas, tanto na literatura e no cinema, como na mente do público em geral, do que as lendas que o inspirou. Por exemplo, o vampiro é quase imortal, pode se transformar em animais noturnos (como o morcego e o lobo), dorme durante o dia em sua tumba, e se levanta à noite e, é claro, necessita de sangue humano para se alimentar e preservar a sua juventude.

A primeira impressão que a narrativa proporciona é a sua complexidade. Dracula não apresenta nenhum personagem principal - até mesmo o Conde Dracula, que dá seu nome ao título do livro só aparece no começo e no final do livro. A narrativa consiste em uma grande sucessão de artigos de diários, memorandos e recortes de jornais por parte dos diversos personagens da história. Ou seja, nós lemos cada passagem da história de acordo o ponto de vista do personagem que a descreve, sendo que cada qual apresenta sua própria personalidade e visão de mundo (desde a romântica Mina até o médico frio e racionalista Dr. Seward). Tal aspecto da narrativa é profundamente inovador para a época (Dracula foi escrito em meados de 1895); todavia, torna a narrativa "quebrada", isto é, a seqüência principal de fatos que constituem o enredo da história é intercalada por opiniões e observações individuais por parte de cada personagem que vai a descrevendo. Porém, com este estilo narrativo, o autor permite aos leitores acompanhar toda a ansiedade e o medo apresentado por cada personagem ao longo da história de acordo com o seu próprio ponto de vista.

Apesar de ser descrito como um "romance gótico" pela crítica convencional, Dracula apresenta algumas características que o diferenciam da literatura byroniana (ou ultra-romântica, ou, no Brasil, a segunda geração romântica). As quebras da narrativa são um claro elemento modernista da obra, por exemplo. Além disso, a narrativa caracteristicamente descritiva - ainda que sob o foco de diversos narradores - torna o livro próximo da chamada literatura impressionista (como o livro O Ateneu, do brasileiro Raul Pompéia). Porém, o componente romântico da obra predomina, sobretudo pela descrição idealizada do comportamento de cada personagem, como, principalmente, a dualidade entre o caráter cruel, mundano, predador e sensual do vampiro com o caráter bondoso, quase que inocente, corajoso e justiceiro (os gentlemen vitorianos britânicos, acompanhados pelo Dr. Van Helsing) dos personagens que combatem Dracula.

Ressalto que a narrativa é bastante complexa. Talvez muitas das minhas impressões sobre a obra não coincidam com a crítica literária ortodoxa.

domingo, fevereiro 19, 2006

Review - Dookie (Green Day)

Eu já conhecia o Green Day desde 1997 (uma época que eu não sabia nem ao menos o que era punk rock), mas comecei a ouvir direto ali pelo final do ano 2000, graças aos vários anos de sucesso que a banda fazia nas rádios (sim, nessa época eu ainda acompanhava) e na MTV (idem), principalmente com as músicas "Time of Your Life" e "Basket Case".

Comprei o disco Dookie em março de 2001, usado (R$15,00), de um colega de colégio e um dos meus melhores amigos da época, o Thiago (não o vejo há quase 4 anos - que fim terá levado?), que já ouvia punk rock há algum tempo. O Thiago tinha comprado o CD do Green Day, mas, como todo bom rockeiro, assim que a banda começou a ter grande sucesso na mídia, passou a considerá-la "comercial", que havia "se vendido", e quis se livrar do disco, para a minha sorte.

O melhor desse disco não são exatamente as músicas em sua qualidade técnica e melódica, mas sim o que expressam, o que elas significam. Isto é, sendo um dos primeiros trabalhos de uma jovem banda de punk rock, os riffs de guitarra, o ritmo acelerado e, sobretudo as letras, expressam bem o que se passa na cabeça da gurizada de seus 16, 17 anos: muitas e muitas dúvidas rebeldia, incompreensão, dadaísmo (êpa!), misturado com primeiras experiências amorosas e busca de identidade pessoal e significado para sentimentos (de um modo bem simplificado, é claro). Por exemplo, o refrão de She:

"Are you locked up in a world thats been planned out for you?
Are you feeling like a social tool without a use?
Scream at me until my ears bleed
I´m taking heed just for you"

Os destaques do disco são, musicalmente, Having a Blast, Welcome to Paradise, Basket Case, She e When I Come Around (a única que eu consigo tocar na guitarra :-P). Em se tratando das melhores letras, destaco She, In the End, Emenius Sleepus, When I Come Around, entre outras. O único destaque negativo do disco é Longview, não por causa da música em si, mas pela própria temática da letra (sexo solo, se é que vocês me entendem...). O disco conta ainda com uma faixa secreta, no final da última faixa. Trata-se de uma balada folk chamada All By Myself, cuja letra (não mencionada no encarte do disco) é:

I was alone, I was all by myself
No one was looking, I was thinking of you
Oh yeah, did I mention I was all by myself
All by myself...
All by myself...
All by myself...
I went to your house, but no one was there
I went in your room I was all by myself
You and me had Such wonderful times
When I´m all by myself, All by myself

Pessoalmente, um dos fatos que me levaram a ouvir esse disco quase todos os dias assim que eu o comprei foi o fato de que, na época, eu era grande simpatizante do movimento punk (acreditem se quiser) e do anarquismo. Além disso, a música She, principalmente quando eu me lembro da sua versão cover pela finada banda Homeless Dogs, me remete a memórias muito agradáveis daquele romântico festival de rock em uma garagem imunda em Alvorada (maio de 2001, para quem se lembrar da história...). Também eu confesso que às vezes fico lendo as letras das músicas desse disco sem ouvi-las, leio como se fossem poesias, apenas para entender seu significado.

Depois disso, vejo que o Green Day, mesmo fazendo cada vez mais sucesso e influenciando novas bandas, nunca mais conseguiu realizar trabalho de igual qualidade ao Dookie. Os demais discos (eu também tenho o Nimrod) apresentam maior qualidade musical e criativa, mas parecem menos originais do que o Dookie, isto é, sempre fica no ar uma expectativa de que o Green Day volte a compor músicas rebeldes e rápidas, como aquelas que o lançaram para o estrelato. Hoje, mesmo totalmente fora do movimento punk, eu ainda ouço freqüentemente o disco, principalmente pelas boas lembranças que ele me trás.

domingo, fevereiro 05, 2006

Globalização - George Soros

Em um mundo que cada vez mais se polariza entre extrema-direita ultra-liberal, extrema esquerda comunista-chavista e fundamentalistas religiosos, é reconfortante descobrir que ainda existem pensadores práticos, pragmáticos e inovadores como George Soros.

Para quem não o conhece, George Soros é economista formado na London School of Economics, além de ser o economista mais rico do mundo (sua fortuna é de cerca de 10 bilhões de dólares), graças as suas operações nos mercados financeiros. Mas Soros não é "apenas" o maior investidor financeiro do mundo: é um economista cuja influência percorre diversas áreas da ciência, além de ser filantropo, filósofo político, crítico do pensamento econômico tradicional e ativista social-democrata.

Soros critica abertamente os extremos políticos - direita e esquerda - afirmando que ambas as posições (fundamentalismo de mercado e ativismo anti-globalização) são falhos no sentido de resolver os problemas que o mundo globalizado vem apresentando aos países e às populações. Ao invés de criticar as instituições econômicas internacionais (FMI, Banco Mundial) apenas pela sua existência, seja pela sua influência intervencionista sobre os mercados, seja pelo fato de que são controladas pelos países desenvolvidos, Soros questiona COMO tais instituições devem agir de modo a garantir o bem-estar das populações, principalmente dos países subdesenvolvidos. O autor bate de frente na teoria econômica tradicional ao afirmar que os mercados financeiros são reflexivos, isto é, não tendem a nenhum ponto de equilíbrio observável, pois operam apenas com expectativas, e não com ativos tangíveis. Essa característica torna os mercados financeiros instáveis por sua própria natureza, e exigem intervenção externa para garantir alguma estabilidade, principalmente em economias de instituições mais frágeis. Em um mundo globalizado, a regulação econômica dos mercados financeiros deve ser realizada pelas próprias instituições econômicas internacionais, como o FMI, a OMC, o BIRD, fortalecendo o seu papel sobre as economias nacionais.

Em primeiro lugar, o autor propõe a emissão de títulos por parte do FMI (Direitos Especiais de Saque), comprados pelos países desenvolvidos, e cujo montante seria repassado aos países subdesenvolvidos, de modo a aumentar a capacidade de investimento de seus governos. Obviamente, a gestão desses recursos seria feita por um comitê internacional dentro do FMI, de modo a priorizar repasses para governos que adotem políticas econômicas sensatas e respeitem os direitos civis.

Em segundo lugar, o autor afirma que o Banco Mundial, responsável por recursos internacionais para investimentos de longo prazo, não deve se reter a emprestar recursos apenas aos governos nacionais, devido ao perigo da corrupção e do clientelismo político nos países subdesenvolvidos. O Banco Mundial deveria expandir a sua atuação de modo a se aprximar não apenas dos governos regionais e locais, como também das próprias instituições da sociedade civil, como as ONGs e as empresas privadas. Além disso, deve prestar assessoria não apenas financeira, mas também técnica, de modo a garantir o uso mais racional desses recursos.

Em terceiro lugar, Soros defende que os países membros da OMC adotem padrões comuns de respeito aos direitos trabalhistas e à proteção do meio ambiente, evitando que a saudável competição internacional nos mercados de bens físicos degrade para o uso de tecnologias poluidoras e à perda de bem estar dos trabalhadores como forma de reduzir custos de produção (tal como a China vem fazendo hoje em dia).

Em suma, Soros propõe a chamada "Sociedade Aberta" como nova forma de organização social. A Sociadade Aberta conteria alguns princípios já conhecidos, como a democracia representativa e a economia de mercado, e também princípios inovadores, como a importância da moralidade e da ética na tomada de decisões econômicas e políticas. O objetivo da sociedade aberta é reconhecer que a perfeição não está ao alcance das instituições humanas (incluindo o mercado, o Estado e a democracia), e garantir a liberdade de crítica e questionamento de qualquer aspecto do sistema, de forma a sempre melhorá-lo.

Não é necessário concordar com todas as idéias de Soros (por exemplo, a hipótese dos Direitos Especiais de Saque, do FMI, me parece uma tentativa de expansão monetária, que poderia trazer conseqüências desastrosas em muitos países, como o Brasil). Mas a importância do seu pensamento está exatamente no seu caráter inovador e atuante, no sentido de buscar soluções para os problemas da sociedade contemporânea. É a prova viva de que a cada vez mais desacreditada social-democracia está se recuperando e se inovando, de modo a se apresentar novamente como sistema econômico-social-político capaz de aliar o dinamismo econômico com a garantia das liberdades individuais e a busca do bem-estar social e do desenvolvimento econômico.