quarta-feira, março 29, 2006

O Pior da Queda de Palocci

Pior do que ver o ministro considerado "gênio da economia", "fiador da estabilidade econômica", "responsável pelas maiores vitórias do governo" quase que unanimemente pela sociedade e pela imprensa tendo que renunciar ao seu mandato por ter mentido descaradamente no seu depoimento em uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Pior do que saber que os crimes que levaram o ex-ministro à referente Comissão estariam mais apropriadas a um mafioso ou um empresário do jogo do bicho do que para um Ministro da Fazenda (incluindo até mesmo orgias sexuais com prostitutas envolvendo seus assessores mais próximos, todas devidamente pagas com dinheiro público).

Pior do que sentir o temor de que a economia brasileira, devido a motivs fúteis e idiotas, venha a perder a confiança e a qualidade institucional frente aos investidores nacionais e internacionais, e também à própria sociedade brasileira, podendo comprometer a nossa sofrida, porém já alcançada, estabilidade econômica.

Pior do que ver o ministro mais popular e famoso do governo sendo acusado, e sem refutar as denúncias, de que usou de seu cargo para ter acesso ao sigilo bancário de um cidadão comum que tinha denúncias contra a sua gestão (o que é um direito básico do cidadão em qualquer país democrático), com o intuito de incriminá-lo, sem haver nenhuma denúncia prévia contra o mesmo.

Pior do que tudo isso foi ler o comentário do New York Times sobre a situação: "o arquiteto da recuperação econômica do Brasil e da política fiscal pró-mercado renunciou após ter se envolvido num escândalo com tantas reviravoltas como as famosas novelas televisivas do País".

O Brasil é motivo de piada frente as demais nações. E ninguém está dando a mínima atenção para esse fato.

sábado, março 25, 2006

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

Uma das maiores obras-primas da literatura brasileira. Machado de Assis usa todo o seu estilo narrativo característico para realizar uma agressiva crítica ao modo de vida das classes sociais abastadas da sociedade carioca do século XIX.

O estilo de Machado de Assis, como é sabido por todos, caracteriza-se pela total quebra estrutural entre os capítulos: eles funcionam como um verdadeiro blog, isto é, cada um parece independente dos demais, apesar de todos juntos formarem uma história. A quebra estrutural acontece tanto em termos temporais (passado e presente se misturam), quanto em termos narrativos, em que a história propriamente dita é interrompida por devaneios filosóficos do autor. Tal como é dito pelo narrador do livro, o seu estilo é como o "caminhar de um bêbado", isto é, torto, cambaleante, mas sempre com uma direção certa.

A história é narrada em primeira pessoa por Brás Cubas, um aristocrata carioca nascido no início do século XIX, e recém-falecido quando conta a sua história. O narrador descreve, de forma cruel, sarcástica e irônica, a sua vida, representativa do modo de viver de tantos outros aristocratas de seu tempo. Cubas foi uma criança mimada, um jovem estudante medíocre, um adulto que nunca trabalhou e um velho solteirão. O ambiente em que vive retrata uma sociedade fútil, vazia de idéias, dada ao adultério, ao culto ao não-trabalho e ao clientelismo político.

Seu principal caso de amor na vida foi com uma mulher casada - Virgília. Além disso, na juventude o narrador teve um caso com uma mulher mais velha (Marcela), interessada apenas no seu dinheiro, e para a qual Cubas fez a sua mais famosa citação "Marcela amou-me por quinze meses e 11 contos de réis - nada menos."

Uma das maiores críticas realizadas contra Machado de Assis é o fato de que, apesar de o autor ser mulato, nunca combateu diretamente o regime de escravidão no Brasil do século XIX. No presente livro, Machado realiza um comentário breve, como sempre sarcástico, sobre um ex-escravo do pai de Brás Cubas que aparece, em um capítulo, surrando um escravo próprio. Contudo, é bastante visível que o objeto da obra de Machado de Assis é a vida e os costumes classe alta, ou seja, os seus leitores, e não o povo do Rio de Janeiro imperial.

Mas o maior destaque da obra é o personagem mendigo-filósofo-vagabundo-louco Quincas Borba, que apresenta sua teoria sobre o comportamento da sociedade: o Humanitismo. Segundo essa tese, a vida é o bem supremo da humanidade, e aproveitá-la ao máximo é o único mandamento do homem. Para isso, é necessário ignorar qualquer tipo de dor ou de peso na consciência - ter como único objetivo de vida o prazer próprio, e ainda considerar que tudo no mundo foi criado para o seu uso pessoal. O mais interessante é que o decorrer da narrativa parece uma grande comprovação dessa teoria, conforme o narrador descreve fatos da sua sociedade.

sábado, março 11, 2006

Comunistas e Neocomunistas

Após o colapso da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a transição dos países do leste europeu para o capitalismo, parecia que o pensamento dito "de esquerda" tradicional, pró-socialista, "vermelho", simplesmente sumiria dos meios acadêmicos e políticos em geral, sendo suplantado pelo pensamento liberal em termos mundiais (lembrando-se do "fim da história", pregado por Francis Fukuyama). Assim, o pensamento político mundial ficaria dividido entre uma direita clássica, defensora do liberalismo econômico, e uma nova esquerda, também liberal, mas mais em termos sociais do que econômicos, isto é, comprometida com o politicamente correto e com as liberdades e os direitos civis. Ambos os lados se alternariam nos governos de todos os países, sem comprometer as estruturas democráticas.

Porém, não foi isso o que aconteceu. Devido principalmente ao fraco desempenho econômico da Europa, América Latina, África e Oriente Médio a partir da década de 80, o pensamento de "extrema-esquerda", anti-capitalista, passou a ganhar cada vez mais força, não apenas nos círculos acadêmicos, mas principalmente pela militância popular. Chegou até mesmo a tomar o poder em países como a Venezuela de Hugo Chavez. Mas, que fique bem claro, completamente distinta do comunismo ortodoxo do século XX (a não ser pelo culto por parte dos militantes latino-americanos ao revolucionário pop-star Che Guvara).

O comunismo tal como se organizou na União Soviética, na China e no Leste Europeu, basicamente não se caracterizou apenas pelo totalitarismo político, como é corriqueiramente sabido, mas também pela absoluta racionalização do modo de vida da sociedade. Isto é, o socialismo científico buscava, pela ação do Estado central, o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico como objetivo de sua própria existência, abolindo-se qualquer pensamento religioso, metafísico ou espiritual que as culturas humanas naturalmente carregam a respeito de seu futuro e de seu destino (sua missão de vida, em termos mais simples). Assim, o planejamento econômico central era elaborado por complexos modelos matemáticos e matrizes de Leontief, e dirigidos com mão-de-ferro por burocratas de Estado com amplo conhecimento técnico. O mesmo ocorria para praticamente todas as áreas de atividade social presente no país, desde o esporte até a ciência.

Como todos já sabem, o socialismo científico caiu em função de suas próprias contradições. Ao invés de abolir as classes sociais e, com isso, tornar o poder do Estado desnecessário para garantir a ordem social, o comunismo dividiu a sociedade em novas classes sociais (sendo que os burocratas ligados ao governo eram, de longe, os mais privilegiados) e ampliou o poder do Estado em níveis monstruosos (literalmente o Estado Leviatã de Thomas Hobbes). Além disso, tornou-se óbvio que a sociedade e a economia não podem ser planejados com cálculos algébricos: cada indivíduo é um ser único, com seus próprios valores, e não mais um número em uma equação. Por isso, o nível de desenvolvimento humano e econômico nos países socialistas centrais é muito inferior do que os mesmos índices nos países capitalistas centrais.

A nova esquerda, surgida em meados da década de 1980, tem como pilares centrais de seu pensamento a utopia, o anarquismo (destruição da ordem social capitalista), a irracionalidade (no sentido de aproximar o pensamento político com sentimentos, não com teorias científicas). Tal pensamento, que eu chamo neocomunista, parece buscar, em síntese, o socialismo puro como foi concebido por Marx e Engels, isto é, a revolução e a luta de classes, sem pensar nas técnicas de planejamento público central exigido pelo regime comunista (alguém já viu algum militante do PSTU ou do PSOL carregando uma bandeira com um retrato de Leontief?). Ao invés da racionalização da sociedade (ou desencantamento do mundo), proposto pelo comunismo ortodoxo, o neocomunismo busca exatamente o oposto: a quebra das instituições, códigos morais e tradições sociais prevalecentes, sem apresentar nada definido em troca - apenas conceitos vagos como o "Bolivarianismo" de Hugo Chavez e o "Indianismo" de Evo Morales. Outro ponto importante do neocomunismo é, ao contrário de buscar construir uma sociedade ideal absoluta, como pregou Marx, dar maior valor às culturas locais, frente ao processo de unificação do comportamento social em todo o mundo.

Todavia, se o comunismo clássico fracassou devido a sua visão hiper-racionalista da sociedade, assim como por causa de seus paquidérmicos Estados nacionais, corruptos e ineficientes, o neocomunismo é frágil exatamente pelo oposto. Mesmo que não se possa comandar a organização da sociedade com cálculos matemáticos e matriciais, o caráter técnico é extremamente importante para uma melhor gestão de administração pública, assim como é o papel da educação para a população trabalhadora, capaz de elevar o potencial de produtividade laborial do país, assim como o de expandir a consciência de cidadania entre os membros da sociedade.

Já é hora de a esquerda internacional acordar de seus sonhos anárquicos-sentimentais para conceber uma nova idéia de organização política e institucional, capaz de aliar uma administração pública eficiente e transparente, capaz de garantir um padrão de vida mínimo para todos os cidadãos, assim como o desenvolvimento sócio-econômico de longo prazo, a uma visão de respeito à individualidade de cada membro da sociedade, no que diz respeito aos valores e às preferências de cada cidadão. Além disso, é preciso ter pleno respeito às instituições democráticas e à alternância de partidos no poder, de modo a se permitir diferentes propostas de políticas públicas, deixando que a população escolha a que mais lhe agrade via eleições.

terça-feira, março 07, 2006

Review - Vol. 4 (Black Sabbath)

Eu comprei esse disco pela primeira vez em julho/agosto de 2002, por 10 reais, de um amigo. Como o disco era de gravação muito antiga, a qualidade sonora estava comprometida - o som era abafado e muito fraco - e eu passei um bom tempo sem dar muita atenção para ele. Nesta época, eu não era ainda muito fã de Black Sabbath com o Ozzy Osbourne no vocal; considerava a sonoridade psicodélica e blueseira demais, e preferia sons mais rápidos e agressivos (como Metallica, Ramones e Green Day).

Em março de 2005, já muito fã dos riffs macabros do Tony Iommi, resolvi vender o CD velho na Porto Alegre CDs (por 5 pila) e comprar a versão remasterizada na Stoned Discos. Essa "atualização" do mesmo disco pode parecer irracional, mas para quem curte rock clássico, não é uma atitude rara de se ver por aí. Tanto que eu nunca me arrependi de ter feito isso!

O disco é, na minha opinião, o melhor do Black Sabbath com Ozzy Osbourne nos vocais (empatado com o primeiro disco deles). Consegue alternar desde uma balada melancólica como Changes (um dos maiores sucessos do disco), até metais com riffs pesadões, como Supernaut e Cornucopia. Na verdade, nessa fase da carreira do Sabbath (1972), o heavy metal já se consolidou como principal vertente musical da banda; todavia, as suas raízes blueseiras e de rock'n'roll não foram deixadas de lado: marcam o clima das faixas St. Vitus Dance e Tomorrows Dream.

Os maiores destaques do disco são:

Wheels of Confusion: blues-metal com um riff bem pesado, e um clima bastante introspectivo. São mais de 8 minutos de música (mas fãs de metal já são acostumados com isso).

Changes: balada com piano, muito triste. Porém, teve grande impacto comercial na época, e atraiu fãs de diferentes vertentes musicais para as platéias do Sabbath.

Supernaut: ritmo quebrado e riff marcante. É a faixa mais rápida do disco, e talvez de toda a história do Sabbath até então. É pena que foi assassinada com uma versão dance, feita, se não me engano, por uma banda chamada 1000 Homo DJs (!!!).

Snowblind: o maior clássico do disco, tocada com freqüência nos shows do Sabbath até hoje. O riff de guitarra é um dos mais irados da banda (combina acordes pesados com arpejos melódicos).

Cornucopia: a mais pesada do disco: sexta corda afinada em ré. Só ouvindo para acreditar.

Laguna Sunrise: instrumental, estrelando Tony Iommi no violão clássico.

St. Vitus Dance: um rock'n'roll sujão, bem de acordo com as raízes da banda.

domingo, março 05, 2006

O Crescimento de Lula nas Pesquisas

Mesmo com o escândalo do mensalão - assunto ainda inesgotável - e o medíocre crescimento do PIB brasileiro em 2005, o presidente Lula continua sendo o favorito para vencer as eleições presidenciais nesse ano. Mas por quê será? Tenho algumas opiniões formadas a respeito:

Em primeiro lugar, devido ao posicionamento do presidente frente a crise. Ao invés de participar ativamente no fogo central do escândalo do valerioduto (e do mensalão, e dos dólares na cueca, etc.), seja para defender seus aliados, seja para perseguir os corruptos, Lula preferiu se manter o mais afastado possível da crise, como se não soubesse de nada. Felizmente para ele (e infelizmente para o país), a opinião pública mordeu a isca, e desvinculou o presidente dos escândalos envolvendo seu governo. Além disso, os personagens principais da crise - Roberto Jefferson, José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira, José Genoíno - simplesmente tomaram chá de sumiço (o que aconteceu com eles?), certamente bem negociadamente ($$$) entre as partes conflitantes.

Em segundo lugar, apesar do baixo crescimento econômico, a inflação brasileira foi muito baixa em 2005, o que deu apoio popular à política econômica do governo. Para a maior parte da população brasileira, PIB é uma sigla sem sentido, isto é, não é percebido em suas vidas, pelo menos no curto prazo. Já a inflação, por mexer no poder de compra do salário real e da poupança das famílias, tende a ser menos tolerada pelo eleitorado. Em outras palavras, quem se preocupa de fato com o desempenho do PIB brasileiro são os estudiosos e empresários em geral; a maior parte da população brasileira (e o eleitorado potencial) pensa apenas no poder de compra de sua renda.

Por fim, em terceiro lugar, o governo Lula tem conseguido, marginalmente, reverter o problema da má distribuição de renda no Brasil, o que lhe dá prestígio entre as camadas mais pobres da população. O problema é que o governo federal vem enfrentando a concentração de renda via programas assistencialistas para a população mais pobre. Tais programas, como o Bolsa Família, são economicamente e moralmente justificáveis para melhorar as condições de vida de uma parcela da população brasileira, mas seu impacto atua apenas no curto prazo, isto é, funciona enquanto durar o programa. Falta ao governo a realização de programas estruturais de redistribuição de renda, capazes de melhorar as condições de vida da parcela miserável da população sem os tornar dependentes da ajuda do governo. Tais programas de longo prazo envolveriam, indubitavelmente, controle de natalidade, apoio às micro e pequenas empresas (que geram mais empregos), ensino básico universal e de qualidade, saneamento de acesso universal, etc.