terça-feira, dezembro 28, 2010

RS: Economia & Conflitos Políticos na República Velha - Pedro C. D. Fonseca

O livro "RS: Economia & Conflitos Políticos na República Velha" é a dissertação de Mestrado do professor da UFRGS Pedro Cezar Dutra Fonseca, defendida em 1980 junto ao IEPE/UFRGS. Seu objetivo, em resumo, é explicar os determinantes econômicos dos conflitos políticos do Rio Grande do Sul (os chimangos, no governo, e os maragatos, na oposição) durante o período que é denominado de República Velha no Brasil (1889-1930).

A economia rio-grandense, desde os primórdios de sua colonização no final do século XVIII, sempre foi periférica em relação ao Brasil, baseada na provisão de gêneros alimentícios para os mercados centrais, na região Sudeste do Brasil. Durante o período do Império, o principal produto de exportação do estado era o charque, produzido na região da Campanha (as planícies ao sul do estado, próximas à fronteira com o Uruguai), e destinado à alimentação dos escravos e dos trabalhadores de baixa renda no Sudeste brasileiro.

Contudo, nas últimas décadas do século XIX, a economia charqueadeira entrou em um processo de estagnação, devido a dois motivos principais. Primeiro, à característica de bem inferior associada ao charque. Isto é, sendo o charque um produto de consumo da população mais pobre do país, sua demanda é inversamente proporcional à renda do consumidor. Por isso, o volume de produção e de exportação não conseguia acompanhar os ciclos de crescimento econômico do país, mais especificamente da economia cafeicultora do Sudeste. Em segundo lugar, o charque gaúcho sofria com a concorrência da produção vinda dos países platinos (Uruguai e Argentina), que contavam com melhores terras e infra-estrutura física. A adoção de medidas protecionistas em benefício do charque gaúcho não era de interesse do governo central brasileiro, uma vez que qualquer elevação do preço do produto significava uma elevação do custo de reprodução da mão-de-obra barata no país.

Paralelamente ao enfraquecimento da economia do charque, ao final do século XIX iniciou-se o processo de colonização do norte do Rio Grande do Sul, dividido em duas sub-regiões: o Planalto, ao oeste, e a Serra, ao leste. Em ambas sub-regiões desenvolveu-se uma economia agrícola diversificada, baseada em pequenas propriedades, e, particularmente na Serra, na mão-de-obra familiar dos migrantes europeus.

Durante o Império, a política rio-grandense foi dominada pelo Partido Liberal, que representava os interesses dos grandes proprietários de terras da região da Campanha, isto é, os fazendeiros charqueadores. Com a proclamação da República, parte desses políticos passa para o lado da oposição, formando do Partido Federalista (os maragatos), em contraste ao governo formado pelo Partido Republicano Rio-grandense (os chimangos). Nesse sentido, o principal foco do livro de Fonseca é procurar identificar os componentes econômicos dos discursos de ambos os partidos naquilo em que mais divergiam, isto é, sobre as causas da crise da economia charqueadora, suas possíveis soluções e o papel do Estado em propiciar meios para que essas soluções pudessem ser alcançadas.

O Partido Republicano Rio-grandense via como causa da crise da economia da Campanha uma conseqüência natural de sua estrutura especializada e exportadora. Dessa maneira, essa crise decorria do contágio dos ciclos da economia central brasileira e da dependência que o ritmo do crescimento da produção de charque tinha do desempenho desta. A solução, nesse sentido, seria o apoio do Estado a iniciativas de investimentos na diversificação da produção, com fins de se atingir a auto-suficiência produtiva. O autor destaca que, em hipótese alguma, os chimangos eram contrários aos interesses do charque. Isso era impensável para qualquer partido com intenções políticas na época. O objetivo era defender a economia charqueadora com o desenvolvimento de uma economia regional auto-sustentada. Os maragatos, por sua vez, associavam a crise com um descaso praticado pelo governo em relação ao setor, que teria sido deixado em segundo plano no que diz respeito às políticas públicas.

O papel do Estado para a definição de políticas com o objetivo de superar estruturalmente a crise da economia da Campanha, para os chimangos, seguia ideologicamente o Positivismo de Auguste Comte, que Fonseca caracteriza como um "intervencionismo conservador". De acordo com o Positivismo, era admitida a intervenção do Estado na economia como modo de corrigir falhas de mercado e de acelerar o crescimento econômico desde que essa intervenção não beneficie determinados indivíduos, classes e setores em detrimento de outros, e desde que o governo preserve o equilíbrio de seu orçamento (que Comte denominou política de finanças sadias). Por esse motivo, o PRR rejeitava políticas específicas a favor do setor do charque, e procurava exercer medidas que pudessem beneficiar o Rio Grande do Sul como um todo, tais como obras de infra-estrutura, estradas e incentivos à migração européia. Assim, a colonização da região norte do Rio Grande do Sul, aliada a essas políticas generalistas, permitiu um grande crescimento econômico dessa região.

Os chimangos, por sua vez, defendiam uma ideologia que Fonseca denomina de "liberalismo conservador", um liberalismo um tanto ambíguo em suas convicções. Isto é, os políticos do Partido Federalista utilizavam argumentos baseados na teoria das vantagens comparativas para defender a especialização da economia gaúcha na produção pecuária-charqueadora, se opunham ao autoritarismo do governo positivista e criticavam a existência de impostos inter-estaduais que restringiam a circulação de mercadorias no país. Por outro lado, ao mesmo tempo defendiam uma maior centralização das competências políticas nas mãos da União, em detrimento dos governos estaduais, e a adoção do regime parlamentarista de governo, como forma de propiciar maior influência política das províncias no governo central, de modo a facilitar a simplificação da estrutura tributária nacional e a adoção de medidas protecionistas.

Por fim, Fonseca diferencia os grupos sociais que davam apoio a cada um dos partidos. Por um lado, os maragatos tinham ao seu lado os fazendeiros charqueadores da Campanha, os maiores beneficiários de suas pretensões políticas. Por outro lado, os chimangos tinham ao seu lado o Exército, a Brigada Militar, importantes órgãos de defesa estatal e repressão política, os políticos de grande influência sub-regional, independentemente de suas posses econômicas (os "coronéis burocratas", na terminologia do autor) e os agentes com pouca representatividade, mas cujos interesses estavam atrelados aos do governo, como a classe média urbana e os colonos europeus da região da Serra.

Fonseca encerra sua obra relatando o desfecho dos conflitos políticos rio-grandenses nessa época. O desenvolvimento econômico gaúcho nos últimos anos da República Velha, com a complexização da sociedade e a diversificação da economia, assim como o avanço da industrialização em São Paulo, fizeram com que os interesses de chimangos e maragatos perdessem significado frente ao surgimento de novos arranjos sociais, políticos e econômicos. Nesse sentido, ambos os grupos se fundiram no que se chamou de Aliança Libertadora, órgão político que apoiou Getúlio Vargas ao poder, em 1930.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Os Principais Economistas na Base Google Books (1960-2010)

Meu professor Hugo Cerqueira (Cedeplar-UFMG) divulgou no Facebook um gráfico do número de vezes em que os nomes de Marx, Keynes, Schumpeter e Hayek são citados em livros da base do Google Books (livros em inglês de 1960 a 2010). Tomei a liberdade de incluir nesse quarteto o nome de Friedman, mesmo admitindo o risco de ele ser confundido na pesquisa com o jornalista Thomas Friedman. O gráfico encontra-se abaixo, clique para ampliar.



Marx é o autor mais citado, de longe, mesmo que desde os anos 80 suas citações estão em uma acelerada queda. Esse movimento de queda se acelerou na década de 90, como esperado, mas ainda em 2010 é o primeiro colocado. Certamente isso se deve ao fato de que a corrente teórica do autor vai além da economia, atingindo vários ramos das ciências sociais, como a sociologia, a ciência política, a antropologia, a história, a geografia e até mesmo a pedagogia.

Em segundo lugar, há uma interessante disputa entre Keynes e Friedman. Keynes dominou até 1973, ano do primeiro choque do petróleo. Com essa crise, as taxas de inflação norte-americanas se aceleraram, de modo que a sua estabilização passou a ser o foco da política macroeconômica. Por isso, a partir desse ano, as citações de Friedman superaram as de Keynes. De 1985 a 1995, passou a haver um empate entre os dois autores, e a partir do último ano, a balança voltou a pender para o lado de Friedman. Gostaria de ver se esses movimentos têm relação com a conjuntura macroeconômica desses períodos.

Schumpeter e Hayek são os autores minoritários, como esperado. A partir de 1990, Hayek tem um pequeno crescimento, superando o primeiro, mais seu volume de citações continua tímido.

Independentemente do ranking de citações, os cinco autores tiveram uma queda no volume de citações a partir de 2005. Talvez isso seja um reflexo da falta de novas idéias no campo da ciência econômica, cujo desenvolvimento está cada vez mais nos campos da formalização matemática e das técnicas estatísticas do que na intelectualidade. Outra hipótese pode ser um encolhimento da importância acadêmica da economia frente aos possíveis avanços da administração e das finanças. Ou ainda, não se pode descartar um desinteresse crescente das pessoas, no presente, com qualquer forma de intelectualidade, incluindo a história do pensamento e as idéias dos antigos mestres.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Relatório do Paraguai

À propósito, aquele relatório sobre as desigualdades de gênero e etnia no Paraguai, que me dediquei no último mês, está pronto. Mais um calhamaço de 260 páginas está escrito. A parte de indicadores de saúde, minha especialidade na pesquisa, deu muito mais trabalho do que eu esperava: a documentação sobre os serviços de saúde públicos naquele país é bem complexa.

Assim que for publicado, postarei o link do relatório na página "Minhas pesquisas".

De Férias em Porto Alegre

Nessa semana, estou de férias com minha família em Porto Alegre (isso explica minha ausência no blog). Agora, estou me dedicando ao descanso (merecido, após um ano de muito trabalho como pesquisador no IPC-IG), à leitura (não-especializada, que saudade!), às caminhadas pelas ruas de Porto Alegre, às fotografias e a minha família e velhos amigos.

Em breve, posto novidades.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Sobre o Jogo de Terça-Feira

Ainda estou me recuperando psicologicamente do jogo de terça feira, em que o Internacional foi derrotado pelo Mazembe. Após o segundo gol do time africano, desliguei o televisão e fui, de lata de Heineken na mão, direto trabalhar na PNAD 2007 no meu computador. Renderia mais do que continuar torcendo.

Não quero escrever um longo texto amargo e triste sobre o que eu vi naqueles 80 minutos, prefiro mandar ualguns highlights:

- Nos primeiros 20 minutos de jogo, achei que o Inter iria golear.
- Após os 25 do primeiro tempo, quase dormi no sofá. O jogo ficou muito lento, nos dois lados.
- A defesa do Inter subsetimou o Mazembe. No lance do primeiro gol, o Bolívar e o Índio ficaram parados olhando para o atacante congolês visivelmente esperando que ele chutasse para fora.
- Mesmo após o primeiro gol, ainda esperava que o Inter fosse empatar e virar logo em seguida, tal como aconteceu nos dois jogos contra o Chivas, na final da Libertadores.
- Quando o Celso Roth tirou o Tinga, fiquei assustado. Mais ainda quando tirou o Rafael Sóbis. Eram os dois jogadores que estavam criando todas as jogadas de ataque.
- Quando o Giuliano errou aquele chute na frente do goleiro, comecei a sentir o peso da realidade.
- Quando o D'Alessandro furou em uma jogada ensaiada, na entrada da pequena área, caí na real. O Inter não iria empatar.
- Mas não esperava que fosse tomar o segundo gol.
- O pior de tudo é que o Mazembe NÃO JOGOU BEM. O Inter dominou a posse de bola (tudo bem que o objetivo do futebol não é esse), enquanto que o time africano teve a estratégia do "bico pra frente e contra-ataque". Mesmo fisicamente os jogadores eram muito inferiores aos integrantes das seleções africanas vistos na Copa do Mundo. Até o tão badalado goleiro africano teve mais sorte do que juízo: ele me lembrou aquele meu colega de escola gordinho que, nas partidas disputadas nas aulas de educação física, pulava contra a bola tentando amortecer o seu impacto com a barriga. Segurança, zero. Fez três defesas milagrosas, mas foram as três oportunidades que o Inter deu para ele ter serviço no jogo. Nunca vi um ataque chutar tanto para fora.

Agora, espero que o Inter não desmanche o time para o ano que vem. O elenco é de qualidade (fora o centroavante), o problema foi administrativo: faltou esquema tático e controle da ansiedade.

Palestra Ontem

Ontem, na Secretaria de Assuntos Estratégicos, tivemos palestra com o professor do CEDEPLAR José Alberto Magno de Carvalho. Parafraseando meu ex-colega (e aluno dele) Diego Rodrigues, quando eu crescer quero ser igual a ele.

Em resumo, o professor apresentou a tendência da taxa de fertilidade (média de filhos por mulher) no Brasil nas últimas décadas. Destacou a sua brutal queda desde a década de 70, assim como a convergência entre as diferentes regiões do país. Segundo o professor, o número atual de filhos por mulher no país é de 1,9, o que provocará um rápido envelhecimento da população e uma tendência de queda no número de habitantes do Brasil nas próximas décadas.

A redução rápida da taxa de fertilidade está reduzindo a razão de dependência da população brasileira (entendida como a razão entre a população fora da idade ativa - idosos e crianças - e a população em idade ativa). Isso permite que, no presente, o Brasil possa direcionar sua poupança para investimentos produtivos (e não para sustentar inativos), acelerando o crescimento. Contudo, a falta de capital humano de qualidade pode restringir esses investimentos, e limitar o crescimento e a melhoria dos padrões de vida esperada em países com essa realidade demográfica. Essa realidade, chamada de "bônus demográfico" deve durar até meados de 2030, quando o envelhecimento da população elevará novamente a rezaão de dependência, e boa parte da poupança nacional será direcionada para custear sistemas de previdência.

Por isso, o professor afirma a necessidade do país gastar menos com previdência social no período presente e investir mais na qualidade da educação, especialmente no ensino pré-escolar e primário. Mas é pessimista com a possibilidade de tais medidas serem postas em prática, já que as próprias instituições políticas de representação dos estudantes tendem a se opor a reformas na previdência (pois têm a ilusão de que os atuais benefícios são sustentáveis e durarão até chegar a sua vez de se aposentar), e defendem que a prioridade da educação pública seja o ensino superior.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Indicação Blogueiro Show

Caros leitores,

Acabei de receber o selo "Blogueiro Show".

Recebi o selo do Gilberto Simon, autor do blog Porto Imagem, o maior e melhor portal de notícias de Porto Alegre.



O selo “Blogueiro Show” é ato de generosidade e cumplicidade entre blogueiros. E para continuar este espírito, indico os meus:

Meus critérios são: 1) o blog está na minha lista (portanto, aprecio e acompanho); 2) foi atualizado há pouco tempo; 3) conheço o autor:

A Economia Marginal - Do Víctor Senna
O Mundo ao Avesso - Do Rodrigo Schley
Planeta 23 - Do Duílio
Blog do Cristiano Costa
Oikomania - Do Thomas Kang

segunda-feira, novembro 29, 2010

Os Maiores Aglomerados Urbanos do Brasil, segundo o Censo 2010


(clique na tabela para ampliar)

A tabela acima, que mostra a evolução populacional dos maiores aglomerados urbanos brasileiros nos últimos dez anos, parece confirmar algumas hipóteses que levantei anteriormente. Tanto Salvador como Belo Horizonte, que cresceram muito pouco como municípios na última década, cresceram como aglomerados urbanos em um ritmo similar à média nacional. Isso vai ao encontro à hipótese da conurbação, isto é, a população dessas metrópoles está crescendo em direção às cidades periféricas, que se transformam cada vez mais em cidades-dormitório cada vez mais economicamente periféricas ao grande centro.

A tabela também mostra que os aglomerados urbanos que cresceram mais de 20% nessa década são aquelas nas regiões de maior imigração recente, isto é, as regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil e o estado de Santa Catarina.

Por fim, os dois aglomerados urbanos com crescimento bastante inferior à média são Porto Alegre e o Rio de Janeiro. Em relação à Porto Alegre, já expliquei minhas hipóteses para isso: baixas taxas de fertilidade e emigração de jovens trabalhadores qualificados. Já no caso do Rio de Janeiro, permaneço em dúvida. Será que a violência nos morros está atingindo proporções demográficas? É fácil testar isso: basta montar uma pirâmide demográfica e ver se estão faltando homens jovens, mais vulneráv eis a mortes violentas. Ou será que os migrantes de outros estados estão retornando as suas raízes?

Leslie Nielsen 1926-2010



Faleceu hoje o ator e comediante canadense Leslie Nielsen, aos 84 anos. Nielsen era um dos meus heróis de infância, devo ter visto a série Corra que a Polícia Vem Aí pela primeira vez aos 7 ou 8 anos de idade. Ainda hoje, seus filmes me fazem rir.

Que pena. Eu ainda estava esperando um quarto filme para a famosa série, conforme contavam os boatos da internet.

quarta-feira, novembro 17, 2010

De Volta ao Blog

Caros leitores,

Deixei o blog parado nessa última semana, por vários motivos. Em primeiro lugar, estou correndo no relatório das desigualdades de gênero e etnia do Paraguai, já que o prazo final, mas final MESMO, acaba no início de dezembro.

Em segundo lugar, estou me mudando, pela quinta vez desde que saí da casa de meus pais em 2006. E mudanças são estressantes. Tal como recebi um comentário no início do ano passado, "duas mudanças equivalem a um incêndio em termos de transtorno". Além disso, na decisão de pegar a empresa mais barata para transportar os móveis mais pesados, ontem o motorista do caminhão (um senhor de cerca de 60 anos) veio sozinho fazer o serviço. Resultado: passei a tarde empilhando caixas, e ainda tive que carregar uma máquina de lavar escada abaixo da minha atual residência, que não tem elevador.

Terceiro, nesse fim-de-semana fiz um estágio de guia turístico para minha família aqui em Brasília. Eles notaram como a cidade fica vazia em feriadões, o cenário dos shoppings, restaurantes e até mesmo das ruas era do tipo "Eu Sou a Lenda", aquele filme com o Will Smith. Mas deixo como dica aos possíveis visitantes da capital federal o Memorial JK, a leste do Eixo Monumental, e o restaurante Carpe Diem, na 302 Sul. O restaurante China, na 301 Sul, continua ótimo em termos de preço, qualidade do atendimento e comida, mas é sempre meio vazio.

Espero voltar a postar com mais freqüência agora.

sexta-feira, novembro 05, 2010

As Maiores Cidades Brasileiras, Segundo o Censo 2010

O IBGE divulgou, nesses dias, alguns resultados preliminares do Censo 2010. Uma das informações que mais me chamaram a atenção foi o ranking populacional das maiores metrópoles brasileiras. A tabela abaixo mostra a evolução das 11 maiores cidades do país em relação à população do Censo passado (2000).



A tabela mostra o massivo crescimento de Brasília e Manaus em relação as demais cidades. Além disso, mostra a estagnação de Porto Alegre e de Belo Horizonte, assim como a estabilização populacional do Rio de Janeiro e de Salvador. No caso de Brasília, o inchasso da capital federal certamente está relacionado com a retomada dos concursos públicos nos últimos anos. No caso de Belo Horizonte, e provavelmente também de Salvador, conforme conversei com habitantes locais, o baixo crescimento dessas cidades se deve à saturação de seu espaço geográfico. Isto é, essas cidades já ocuparam todo o seu território físico, de modo que as novas residências são construídas nas cidades vizinhas, que se trnasformam em cidades-dormitório em um processo acelerado de conurbação (esse é o caso evidente de Belo Horizonte, que está emendada com os municípios de Contagem, Nova Lima e Vespasiano).

Em Porto Alegre, o motivo de sua estagnação deve ser, em primeiro lugar, as baixas taxas de natalidade locais. Quando passo as férias na minha cidade natal, sempre noto que há cada vez menos crianças e mais idosos nos espaços públicos. Contudo, também não deve ser esquecida a importância da estagnação econômica da cidade nas últimas décadas, que incentivou muitos jovens trabalhadores qualificados a migrar para centros com mais oportunidades, como São Paulo, Rio e Brasília. Esse é o meu caso pessoal, assim como de muitos de meus colegas de graduação e de colégio.

Já em Manaus, não sei o que pode estar estimulando o crescimento da sua população. Porém, segundo um mapa divulgado pelo UOL, nota-se que o crescimento populacional dos estados do Norte e do Centro-Oeste é muito maior do que o dos estados do Sul (fora Santa Catarina, provavelmente por motivos migratórios), do Sudeste e até mesmo do Nordeste, cujas famílias são estereotipadas pelo seu grande número de integrantes. O país, portanto, parece estar em um processo de desconcentração populacional do litoral para o interior, o que pode contribuir para aliviar a pressão sobre a infra-estrutura das grandes cidades.

Agora, estou muito curioso para ver a evolução da renda familiar nos estados brasileiros ao longo da última década. Será que irá acompanhar o movimento populacional?

quarta-feira, novembro 03, 2010

O Resultado das Eleições, por José Simão

E brasileiro não quer saber quem privatizou ou quem estatizou. Brasileiro quer comprar em 24 vezes sem juros!

sexta-feira, outubro 29, 2010

Clipping Eleitoral

O que a blogosfera econômica vê sobre as perspectivas do Brasil pós-eleições?

O Duílio acha que, do ponto de vista dos cidadãos, nada de relevante vai mudar, independentemente da eleição de Dilma ou Serra:
convenci-me que -ceteris paribus- tudo ficará igualzinho, ou seja, não será apenas o que desejaríamos manter constante é que assim se manterá. seguiremos tendo "A Voz do Brasil", interferência do estado na vida feminina (intestina, uterina, intrauterina, nada saudável), serviço militar obrigatório, voto obrigatório, impostos concentracionistas, dilema de prisioneiros entre os estados, e por aí vai. além, claro, de salários nababescos (marajoaras?) para governantes de todos os níveis (contei uns oito...).


O Oreiro propõe uma agenda de políticas macroeconômicas para o Brasil manter uma trajetória de crescimento maior do que vem seguindo até então. Segundo ele, o candidato que propor medidas em convergência com essa agenda tem o seu voto.
No nosso entendimento são cinco os compromissos com a produção que devem ser assumidos publicamente pelos candidatos para garantir a prosperidade com justiça social:

1. Aprovar uma reforma tributária com diminuição, simplificação e progressividade dos impostos e praticar a desoneração imediata das exportações e dos investimentos produtivos.

2. Praticar uma política cambial inteligente e bem administrada que favoreça a competitividade global da produção brasileira.

3. Baixar mais rapidamente os juros para equiparar as taxas do Brasil às de nossos concorrentes.

4. Lutar por uma reforma trabalhista que atualize as relações das pessoas com as suas organizações.

5. Praticar uma gestão pública eficiente, que faça mais com menos e elimine o desperdício e a corrupção.


O NPTO segue fazendo campanha pró-Dilma.

O Adolfo Sachsida e o Irineu de Carvalho Filho seguem fazendo campanha anti-Dilma. Seus argumentos, no entanto, são não-econômicos: Dilma representaria uma ameaça à democaracia e às liberdades individuais no Brasil.

O Leondardo Monastério postou uma planilha detonando a tese (dilmista) de que a redução da inflação no Brasil pós-Plano Real foi conseqüência da conjuntura internacional, e não da condução da política macroeconômica no país no governo FHC.

O blog O Indivíduo não postou nada sobre as eleições, mas postou um texto excelente sobre a religião e a busca da verdade, o que tem tudo a ver com os atuais rumos da campanha eleitoral.
A questão toda é piorada pelo fato de que nossos irracionais, ilógicos e em última análise injustificáveis (e por vezes inconstantes, incompreensíveis, contraditórios e por vezes mesmo insondáveis e inacessíveis) instintos, sentimentos e impulsos são apesar disso tudo insufocavelmente e sufocantemente REAIS. Podemos diante disso aceitar que nossas motivações são completamente arbitrárias e abrir mão da ilusão de que sequer faça sentido falar em agir apenas racionalmente (isso seria buscar… o quê?) … ou podemos construir uma fantasia totalmente irracional (religiosa ou não) sobre por que nossos queridos preconceitos e fantasias são na verdade maravilhosamente bem fundamentados… e então agir “racionalmente” dentro do paradigma dessa fantasia. Em qualquer caso, a lógica permanece o melhor guia em termos de estimar o que é real. A questão é que “o que é real” absolutamente não é a única coisa que importa, aliás longe disso. O mundo real é árido e vazio de significado, e profundamente insatisfatório como residência de nossa psique.


Mas quem melhor sintetizou os debates e as campanhas em uma frase foi o "Malvado" André Dahmer:
Meus porcos acharam a campanha eleitoral suja.

terça-feira, outubro 26, 2010

Os Dois Planos Reais - A Política Econômica no Governo FHC

Texto que escrevi em 2005, e foi esquecido numa pasta do meu computador.

O política econômica do primeiro governo FHC foi dominada pelo tema da manutenção da estabilidade macroeconômica conquistada com a implementação do Plano Real, ao final do governo de Itamar Franco. A estratégia de manter a estabilidade consistiu, em primeiro lugar, em manter uma taxa de câmbio valorizada, controlada pelas autoridades monetárias em um sistema de bandas - no qual é permitida a flutuação do câmbio dentro de um limite estipulado pelo Banco Central. Com o câmbio valorizado, abriu-se um estímulo às importações de bens, principalmente de consumo, o que, por aumentar a oferta interna de produtos, foi capaz de satisfazer o crescimento da demanda da população por esse tipo de bens, característico dos períodos de estabilização (como conseqüência do fim do imposto inflacionário, que restringe a renda disponível das pessoas). Assim, com o crescimento das importações, a expansão da demanda não exercia pressão contra os preços internos, tal como aconteceu durante o plano Cruzado. O câmbio era ajustado com minidesvalorizações decididas pelo Bacen.

A política monetária do período consistiu na manutenção de elevadas taxas de juros internas, para que o diferencial das taxas internacionais atraísse para o país investimentos estrangeiros em portfólio, de modo a compensar os déficits comerciais provocados pelo câmbio valorizado. Além disso, mantia-se um aperto creditício como uma outra forma de segurar a expansão da demanda interna, preservando assim a estabilidade de preços.

Contudo, o primeiro governo FHC apresentava dois graves desequilíbrios econômicos:

Desequilíbrio externo - os déficits na balança comercial, devido à manipulação do câmbio em níveis valorizados, exigiam que o país, para não perder reservas, atraísse fluxos de capitais estrangeiros. Esses capitais vinham, em parte, de investimentos diretos, estimulados pelas privatizações. Mas a maior parte desses montantes vinha de investimentos em portfólio, isto é, em capitais voláteis de curto prazo. Desse modo, a preservação da política econômica tornou-se vinculada às condições dos mercados financeiros internacionais e à credibilidade do país frente aos seus credores. Isso sem falar que os investimentos estrangeiros, de curto ou de longo prazos, provocarvam saídas de capitais do país pela conta de serviços, na forma de remessas de lucros e de juros, o que agravava a situação da conta corrente.

Desequilíbrio fiscal - a política de alta taxa de juros pressionava as despesas financeiras do governo, prejudicando dessa forma as suas contas. Mas, fundamentalmente, destacava-se o fenômeno "Efeito Tanzi-às-avessas", em que a estabilização da economia, por desindexar as receitas do governo e não permitir a desvalorização inflacionária de seus gastos orçados, acabava por prejudicar a situação fiscal do Estado brasileiro. Mesmo as políticas restritivas adotadas no período (como o PAI e as desvinculações de recursos) se mostraram insuficientes para equilibrar as contas públicas.

Ora, com déficit público constante e desequilíbrio externo crescente, foi natural que um plano econômico tão fundamentado na credibilidade perante os investidores internacionais (para atrair capitais externos) começasse a sofrer com o ceticismo por parte desses, o que passou a complicar a entrada de nocos capitais na economia brasileira. Assim, o Real passou a sofrer uma série de choques e ataques especulativos, provenientes de contágios das crises externas (1995, 1997 e 1998), manifestados pelo receio que os investidores internacionais tinham de uma súbita desvalorização da moeda brasileira. Como esses choques eram combatidos com elevações da taxa de juros (para segurar os capitais no país), a situação fiscal agravava-se cada vez mais.

Por isso, a desvalorização do Real em 1999, no início do segundo governo FHC, se tornou inevitável, dada a queima de reservas do país com os ataques especulativos. Ou seja, o choque econômico brasileiro apresentou dois componentes "clássicos" de crise - desequilíbrios externo e fiscal - e um componente comportamental dos intestidores internacionais, que tornaram a desvalorização do Real uma profecia auto-realizada . Isso porque, com a com a perda de credibilidade da política econômica em termos de risco percebido de desvalorização cambial, houve ataques especulativos contra as reservas nacionais. Como, com isso, o governo perdia recursos para intervir no câmbio, a desvalorização tornou-se inevitável.

Assim, em 1999, quando Armínio Fraga assumiu a presidência do Bacen, as novas diretrizes de política econômica consistiram em:

- Sistema de metas de inflação: o COPOM passou a definir metas de inflação a serem atingidas em cada ano e a taxa de juros passou a ser usada para fazer convergir a inflação real com a meta;

- Câmbio flutuante: agora, o câmbio é a variável para alcançar-se o equilíbrio das contas externas;

- Superávits primários: para contornar o desequilíbrio fiscal, o governo buscou traçar metas crescentes anuais para o seu resultado primário. Este ítem foi aprovado em acordo com o FMI, em troca de repasse de US$ 43 bilhões em empréstimos.

- Reformas institucionais, como a Previdência e a Lei de Responsabilidade Fiscal, conseguidas via novas alianças políticas.

É importante lembrar que o câmbio flutuante desvalorizado conseguiu equilibrar a conta corrente brasileira, o que tornou a economia nacional menos dependente de Investimentos Diretos Estrangeiros para se equilibrar e, conseqüentemente, "esfriou" o programa de privatizações.

sexta-feira, outubro 22, 2010

Semana Difícil

Durante a semana passada, não consegui postar nada. Fiquei doente desde sexta-feira, com muita febre e tosse. Ainda agora estou com uma forte dor de garganta que atrapalha a minha alimentação, e me "ajudou" a emagrecer 2 quilos. Felizmente, não era nada fora de uma gripe comum, mais duradura.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Memórias do Jardim-de-Infância

Esse post é inspirado em um que o Thomas escreveu em seu blog de crônicas faz algum tempo. Passei muitas horas pré-sono nesses últimos meses catando memórias nas profundezas da minha mente para escrever o presente texto. Por via das dúvidas, vou abreviar o nome de todas as crianças citadas, já que muitas delas mudaram bruscamente de comportamento ao despertar da adolescência, e perdi o contato com elas - voluntariamente ou não. Em relação aos professores, os nomes seguem corretos, como uma forma de homenagem de um ex-aluno 20 anos depois.

Freqüentei o jardim-de-infância nos anos de 1989 e 1990 no Colégio Anchieta, em Porto Alegre. O Anchieta era (e ainda é) um dos colégios da elite da cidade, como já devo ter me referido em outros posts nostálgicos. Contudo, para crianças de cinco a seis anos de idade, isso não chega a influenciar seus comportamentos. O prédio das crianças dentro do coégio fica bem na esquina da avenida Nilo Peçanha com a Tomás Gonzaga, era fechado, e consistia em uma grande bloco de um andar e dois pátios - um com brinquedos e outro com um campo de futebol.



Me lembro claramente dos três professores que tive nessa época. A professora de quase todas as atividades escolares nos dois anos - basicamente desenho e introdução às letras - se chamava Gianinni, já que o seu pai tocava guitarra (me lembro claramente dela contando essa história). Era uma professora bastante paciente com as crianças, ainda que, nos momentos mais críticos da natural algazarra característica de coletivos infantis dessa idade, mandasse os alunos mais bagunceiros para passar uns minutos com os bebês do maternal. Era uma solução eficiente, já que as crianças de 5,6 anos tinham pavor de ser chamados de bebês (eu próprio não tolerava que chamassem o bloco do jardim-de-infância de "prédio dos pequenos"; preferia que chamassem de "prédio dos 'médios'"). O professor de educação física se chamava Celso, e dava aulas para várias turmas até a quarta série do Ensino Fundamental. Ensinava, em síntese, as crianças a participar de brincadeiras de grupo, obedecendo as regras. Por fim, a professora de música se chamava Zênia (ou "Tia Zênia", para os alunos), que deixava as crianças brincar com os instrumentos, ensinava a cantar, estalar as línguas de maneiras que eu já não consigo fazer mais e dançar canções folclóricas gaúchas.

Um dos meus melhores amigos da época era o M1. Tal como eu, ele já tinha chegado no primeiro ano do jardim sabendo as letras e ler palavras soltas. Tal como me ensinaram os textos do Eric Hanushek quase 20 anos depois, isso aconteceu sobretudo porque tanto ele como eu éramos os filhos mais velhos de nossa geração nas famílias. Por isso, éramos companheiros de jogos um pouco mais complexos do que a média para idade, tais como alguns jogos de memória em que cada par consiste em uma figura e seu substantivo escrito.

Outro amigo meu era o M2, que compartilhava comigo seu gosto por aviões e seu sonho de se tornar piloto quando adulto. Também me lembro que ele morria de medo de abelhas, marimbondos e zangões, a ponto de gritar como se atuasse em filmes de terror à simples visão de um desses animais. Contudo, por ser fisicamente menor do que qualquer outra criança da turma, e ser um pouco mais "lento" do que o resto, algumas vezes ele era esnobado pelos outros alunos, sobretudo pelo M1.

Eu também gostava, na época, de colecionar figurinhas adesivas dos jogadores de futebol do Campeonato Brasileiro (inclusive, ainda tenho um álbum completo desses na casa dos meus pais, em Porto Alegre), e meus companheiros nesse hobby eram os inseparáveis FE e B. Ambos tinham um outro hobby, aliás, que era o de vandalizar os trabalhos expostos pelas crianças menores. Eles eram os mais bagunceiros da turma, e os maiores freqüentadores da sala do maternal, conseqüentemente. Outra história que me lembro dessa dupla foi quando eles chamaram uma boa quantidade de colegas para mexer em um formigueiro que ficava embaixo de uma grande pedra, em um canto do pátio atrás das moitas que são vistas na foto acima. Todas as crianças ajudaram a escavar debaixo da pedra, que pôde ser removida e o formigueiro foi assim exposto. As formigas eram aquelas grandes e pretas de jardim, que não mordem. Todavia, para o pânico geral da criançada, saiu do meio do formigueiro um enorme escorpião de cor branca-esverdeada, que fez todos correrem para junto da professora.

Outra divertida história dessa dupla implacável foi quando eles quiseram brincar de fazer esculturas de argila usando o barro formado pela água da chuva, para o desespero das professoras e das faxineiras da escola.

Na época, eu praticava um esporte radical. Esse esporte era simples: uma criança rodava o brinquedo "gira-gira" até que girasse bem rápido, e todas as demais crianças pulavam em cima dele tentando se agarrar nos bancos e sentar com o troço em movimento. Quem não fosse ágil o suficiente, "picava" nos bancos de madeira e era arremessado para longe. Pessoalmente, quebrei quatro dentes assim, as pontas dos quatro caninos. A turminha da pesada que praticava esse esporte consistia, pelo que eu me lembre, no GH - o maior e mais forte guri da turma, que costumava girar o brinquedo - o GE - que permaneceu como um dos meus melhores amigos no colégio até o primeiro ano do Ensino Médio - e os gêmeos FR. e L.

Aliás, o GH, ainda que muito maior que qualquer outra criança da turma, nunca foi um bully; era bem bonachão. Todavia, em uma brincadeira mais perigosa de luta, me lembro que ele mandou eu e o M1 juntos para a enfermaria da escola com galos na cabeça. Por outro lado, ele era um dos poucos guris que brincava de "casinha" com as gurias, no papel de "pai". Mesmo assim, o seu tamanho físico era suficiente para que não perdesse respeito perante os demais homens da turma (naquela fase da vida acontecia a "guerra dos sexos" nas turmas de amigos - meninos e meninas se misturavam pouco).

Um colega mais "violento" que tinha era o T. Ele costumava convocar os guris da turma para fazer brincadeiras "sem-noção", tais como cavar buracos ao final da rampa do escorregador, cravar pedaços de pau no fundo e tapar com areia peneirada. Depois do "trabalho", ríamos até não poder mais com a primeira criança que descesse o escorregador e mergulhasse em uma piscina de areia fofa, não conseguindo sair sem a ajuda da professora. Ele era muito próximo do FE. e do B., inclusive em relação a punições perante a professora.

Até aqui só falei dos meus amigos na época, mas as coisas não eram tão simples assim. Havia rivalidade com as crianças das outras duas turmas que dividiam os pátios conosco. Ambas as turmas eram mais hierarquizadas, isto é, tinham "panelinhas" de crianças com seus líderes. Em uma dessas turmas, a panelinha era bastante extensa, e o líder se chamava S. Eles eram os "donos da bola", dominavam o campo de futebol e não davam trégua a quem ficasse no seu caminho (eles nunca brigavam fisicamente, pelo que eu me lembre, apenas usavam a pressão da força em números). Por isso, eram odiados por toda a minha turma, sobretudo por mim e pelo M1. A outra turma tinha uma panelinha menor, e era liderada por uma menina-mano (que não eram raras no meu colégio durante toda o período de infância até o início da adolescência, ali pela sexta série) chamada FO. Eu me lembro que ela brincava e se comportava como um menino, e, apesar da baixa estatura, tinha uma força física avatajada, capaz de superar qualquer guri que se metesse com ela. Exatamente por esse motivo, a possibilidade de apanhar de uma guria, fazia com que os homens da minha turma nutrissem um sentimento misto de rancor e medo dela.

De um modo geral, foi um tempo muito agradável da vida. As crianças têm as suas travessuras e maldades, mas nada nunca rompeu a fronteira do que é esperado para a idade. Não me lembro de ter presenciado nenhuma agressão física no colégio nessa fase, apenas brincadeiras de luta que podiam terminar em acidentes. Além disso, a panelinha do S. não confrontava as outras crianças por diversão, apenas tomavam os brinquedos que queriam usar e o campo de futebol quando queriam jogar. E a FO nunca começava as confusões, apenas se defendia quando alguém a provocava. As "avacalhações" entre as crianças não chegavam a ser cruéis (mesmo quando se tratava dos planos do T., a crueldade estava mais na concepção das travessuras do que no seu resultado final), apenas adivinhações bobas do tipo:
- "Diz quatro."
- "Quatro."
- "Olha o teu retrato!" (e mostra a imagem de algum animal)

Acredito que o nível de comportamento geral dos alunos do colégio passa a ser negativo no despertar da puberdade e no início da adolescência, ali pela quarta série. Nessa fase da vida, os alunos passam a rejeitar sua condição de infância e a competir por popularidade, respeito e, no caso dos meninos rio-grandenses, a necessidade de demonstrar virilidade. A partir daí é que a sociabilidade no colégio começa a ficar estressante para muita gente.

Mea-Culpa

A propósito, minha conjuntura política para o Brasil pós-eleições, foi por água abaixo. Vou esperar até o segundo turno para pensar no que deu errado. Mas uma das causas é certa: confiei demais nos institutos de pesquisa.

Coisas Estranhas de Brasília 7

Na terça-feira, 12 de outubro, Brasília recebeu estudantes de arquitetura de toda a AMérica Latina para a realização de um evento. Isso, somado ao efeito do feriadão e os festejos do dia das crianças, resultou em uma grande massa de visitantes e turistas em toda a capital federal. Contudo, em uma atitude inexplicável, tanto o Museu Nacional como a Catedral do Niemeyer ficaram o feriado todo FECHADOS. Os visitantes se dirigiam em massa para as portas de ambos os monumentos, só para ver as placas de "Fechado devido ao feriado", bater umas fotos das fachadas e irem embora.

Espero que esse excelente exemplo de administração pública seja amplamente debatido nos debates da campanha para governador.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Segunda Publicação

Hoje, recebi a notícia do que o meu trabalho "Um Ensaio sobre os Aspectos Teóricos e Metodológicos da Economia da Pobreza" foi aceito para publicação na Revista Economia Ensaios.

Escrevi o paper no segundo semestre de 2008, a partir de resenhas de papers que fiz durante as disciplinas do mestrado (sobretudo as cadeiras de Desigualdade e Pobreza e Educação, Mercado de Trabalho e Bem-Estar). O texto final foi o capítulo 2 da minha dissertação de mestrado, no início de 2009, e convertido em um texto para discussão do Cedeplar-UFMG.

Considero uma boa leitura para quem quer se introduzir nas discussões sobre como a pobreza deve ser e é abordada na ciência econômica, e como deve ser mensurada.

sábado, outubro 02, 2010

Hoje Choveu em Brasília

Nunca tinha notado tanto como é agradável o aroma do vento úmido pela chuva.

Pena que eu tinha deixado a janela aberta durante a noite, e amanheci com o chão do quarto coberto de poças d'água.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Coisas Estranhas de Brasília 6

* Em 2007, no dia mais quente que passei em Belo Horizonte, me lembro de ter comentado aqui no blog sobre um enxame de cupins que tomou conta da cidade. Pois bem, na última segunda-feira, nessa semana que é a mais quente que passei em Brasília até agora, tivemos um enxame daquelas mosquinhas que vivem ao redor de frutas. Na manhã seguinte, elas morreram misteriosamente, e todo o chão do nosso apartamento ficou coberto por centenas de pequenos cadáveres.

* Na terça-feira, aconteceu uma tempestade de areia sobre a Esplanada dos Ministérios. Ali pelas 16 horas, o céu ficou vermelho (coisa de filme, mesmo) e um vento muito forte começou a sobrar, arrastando barro seco de cor avermelhada, folhas secas e cinzas de queimadas. O fenômeno era desconhecido até mesmo para os naturais de Brasília. Teve gente que achou que era o fim do mundo.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Breve Panorama Político para o Brasil Pós-Eleições

A uma semana das eleições gerais no país, o cenário político que se configurará a partir do ano que vem já está praticamente decidido. Primeiro, Dilma Rousseff será eleira presidente, muito provavelmente no primeiro turno. Segundo, os políticos dos partidos da base do governo (PT, PMDB, PDT, PSB, PR, entre outros) deverão obter a maioria no Congresso, em ambas as câmaras, e devem levar a maioria dos governos estaduais.

Apesar dos escândalos de corrupção que estão estourando às vésperas do pleito, a maior parte do eleitorado ficará com os candidatos do governo. A meu ver, isso se deve à conjuntura macroeconômica vigente, isto é, a taxa de desemprego excepcionalmente baixa e o nível de consumo das famílias aquecido. Isso ocorre porque no Brasil a única fonte de rendimentos para a maior parte das famílias é o trabalho, de modo que a sua percepção de bem-estar esteja vinculada ao ciclo econômico. Além disso, outras variáveis que sejam significativas para as eleições no Brasil (para a classe baixa, o acesso às transferências públicas de renda; para as classes média e alta, a probabilidade de novos concursos públicos) claramente beneficiam os candidatos do atual governo federal. As questões referentes à ética na gestão pública e ao planejamento do crescimento no longo prazo - por investimentos sobretudo no capital humano e no marco regulatório - que são vantajosas à oposição, não seduzem o público. Isso se deve certamente ao baixo nível educacional do eleitorado brasileiro (sobretudo em termos de qualidade), e à conseqüente vulnerabilidade dessas pessoas ao ciclo macroeconômico (tal como demonstrei na minha dissertação de mestrado), elas tendem a preferir o curto prazo em detrimento ao futuro.

No ano que vem, a aliança partidária que sustenta o atual governo federal se sairá fortalecida. Com a maioria no poder Legislativo, o governo poderá implementar reformas estruturais (como a reforma política, a tributária e a trabalhista). Todavia, tal maioria poderá aumentar o risco do governo tomar medidas consideradas autoritárias, de maior regulação estatal sobre a vida das pessoas. Esse risco pode ser contrabalanceado de acordo com o comportamento dos partidos de centro e de direita que integrarem o governo (PMDB, PR, PTB e PP), assim como pelos políticos de esquerda com viés mais libertário.

Ou seja, no ano que vem, a esquerda brasileira se sairá fortalecida. Mas não considero isso como um golpe mortal contra a oposição de centro-direita. Desde o início do atual ciclo de crescimento econômico no Brasil, noto que há uma crescente corrente ideológica de classe média que defende valores como o empreendedorismo, as liberdades individuais, a redução dos impostos e a redução do controle estatal sobre as decisões dos indivíduos. E essa linha de pensamento cresce sensivelmente com cada escândalo de corrupção que estoura no governo federal. Por isso, com o crescimento da classe média no período recente, acredito em um fortalecimento do liberalismo político, a ponto de achar que qualquer desaceleração ou recessão macroeconômica provoque uma virada política na eleição de 2014. O provável crescimento dos liberais pode ser limitado, e talvez até inibido, por dois fatores. Primeiro, novamente a baixa qualidade da educação no Brasil, que pode restringir o surgimento de consciência política na nova classe média que surgiu nessa década. Segundo, o descompromisso político da classe média brasileira. De acordo com conversas que tenho com liberais, e até mesmo lendo blogs de liberais, percebo que eles, em geral, têm aversão à política real do país, muitas vezes preferindo anular ou justificar o voto a assumir compromisso com algum candidato ou partido. Eles parecem preferir ser uma "bolha de pureza ideológica" a encarar as dificuldades do mundo real e correr o risco de descobrirem estar errados em alguns pontos, algo como um PSOL de direita. Quem ganha com isso, é claro, é a esquerda.

Essa classe média liberal brasileira, quando têm preferências políticas, tendem a ser simpatizantes do PSDB. Por isso, acredito que esse partido pode se fortalecer para a eleição de 2014 se adotar uma plataforma de eleição alinhada com um centro-liberalismo. Além disso, o partido pode se fortalecer com a incorporação de outras siglas menores mais simpáticas a essa ideologia, como o PPS, o PSL e talvez até o PV. Já o DEM, que tentou atrair a classe média na oposição ao governo Lula, acabou escorraçado pela opinião pública devido exatamente aos escândalos de corrupção a que o partido passou, sobretudo no Distrito Federal, o que deve reduzir permanentemente o seu poder no cenário político nacional. Talvez, uma forma desse partido se fortalecer é assumir posições mais conservadoras, procurar fusões com partidos cristãos como o PTC, o PSC ou o PSDC, e mudar o nome para Partido Democrata Cristão (PDC). Vejo um amplo mercado para essas idéias na política brasileira contemporânea, sobretudo nas classes mais baixas da sociedade e no interior do país. Mas não sei se o eleitorado agüenta um partido com tantas refundações e renomeações.

Fiz toda essa análise assumindo a hipótese de que Dilma governará em todo o seu mandato. Mas, e se ela não sobreviver a um escândalo de corrupção ou a uma crise provocada por déficit na balança de pagamentos? Será que a esquerda apoiaria um governo liderado pelo Michel Temer? Isso provocaria um terremoto na articulação política nacional.

sexta-feira, setembro 24, 2010

quinta-feira, setembro 23, 2010

Breve Panorama Macroeconômico para o Brasil Pós-Eleições

Analisando alguns indicadores macroeconômicos, a trajetória da economia brasileira no futuro próximo independenderá de quem for eleito presidente. Acredito que a primeira medida de qualquer um que ocupe o governo será a contenção fiscal e monetária.

Explicando melhor, diante da crise financeira de 2008, o governo brasileiro dez uma política fiscal bastante agressiva - e correta a meu ver dadas as circunstâncias. Só que, aparentemente, os impactos dessa crise foram superestimados para o país, de modo que o resultado da política foi um superaquecimento da demanda doméstica e um over-gasto público, elevando a dívida bruta do governo. Além disso, optou-se por não fazer o ajuste fiscal no ano eleitoral, certamente para não prejudicar a Dilma e os candidatos aliados nas eleições subnacionais. Para não deixar a inflação ficar acima da meta, já que se acelerou no início desse ano, o Banco Central deu uma breve elevada nos juros.

Porém, o resultado de todos esses fatores - política fiscal expansionista, aquecimento da demanda efetiva - potencializados pela grande expansão do crédito, é o crescimento da demanda por importações. E como os mercados consumidores das nossas exportações ainda estão em crise (EUA e Europa, já que a China continua comprando minério de ferro da Vale), vejo um déficit eminente do balanço de pagamentos do Brasil para o ano que vem. A solução mais fácil para qualquer candidato é a restrição da demanda efetiva interna, com aumento dos juros, restrição ao crédito ao consumidor e corte de gastos públicos. Essas políticas elevarão o desemprego e reduzirão o consumo das famílias (as únicas variáveis que considero realmente importantes para explicar a popularidade de um governo no Brasil). Com um governo de menor popularidade, o espaço para uma "Venezuelização do Brasil", tal como é temido pelos blogueiros tucanos e libertários, enfrentará maiores resistências por parte da sociedade.

Por outro lado, há o risco da Dilma mandar o Meirelles embora, colocar algum economista alternativo no Banco Central e manter as atuais políticas expansionistas. Para isso, ela poderia combater o problema na balança de pagamentos por meio de controle quantitativos às importações, o que seria a pior escolha possível de ser tomada. Mas acho isso pouco provável devido a dois fatores: primeiro, a mudança dos rumos da política monetária causaria pânico (mas não igual a 2003) nos mercados financeiros, causando fuga de capitais e deteriorando ainda mais o balanço de pagamentos; segundo, a política de fechamento do país às importações teria um impacto negativo sobre o consumo das famílias ainda pior do que a restrição de crédito, causaria concentração de renda, e seriam muito difíceis de serem eliminados em um posterior período de crescimento, já que criariam grupos de interesse político.

terça-feira, setembro 14, 2010

Educação e Desemprego no Brasil - Breve Comentário

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou nesses últimos dias a pesquisa "Olhares sobre Educação 2010". Dentre os resultados obttidos, a partir de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) está a constatação contra-intuitiva de que a taxa de desemprego é maior para os trabalhadores com segundo grau completo (6,1%) do que para quem não chegou a esse nível (4,7%). O estudo apontou três fatores que justificam esses dados:

- A discriminação de gênero, de modo que a taxa de desemprego das mulheres mais escolarizadas puxa a média total da população para cima;
- A estrutura econômica brasileira, mais intensiva em mão-de-obra pouco qualificada;
- A maior proporção de trabalhadores com ensino médio completo na força de trabalho brasileira.

Eu ainda não tive acesso ao estudo, e não sei como os dados foram tratados. Mas acho que quaisquer conclusões a partir desses resultados tal como foram noticiados pela mídia devem ser tomadas com muita cautela. Na teoria econômica do mercado de trabalho, aprendemos que o desemprego não é um fenômeno uniforme, isto é, existem muitos fatores e motivações que fazem com que um trabalhador fique desempregado. Por exemplo, são relevantes o ciclo econômico (para o desemprego cíclico), a estação do ano (desemprego sazonal), as características do mercado de trabalho (desemprego friccional) e as características e incentivos dos próprios trabalhadores (desemprego estrutural e desemprego voluntário, ou inatividade). Por isso, os mercados de trabalho para trabalhadores com ensino médio e sem ensino médio são diferentes, e a maior taxa de desemprego de um grupo não é causada pela menor taxa referente ao outro.

Minha hipótese, tomada a partir da mera leitura da notícia a respeito do estudo, é a seguinte: ainda que menor, a taxa de desemprego dos trabalhadores sem ensino médio é predominantemente estrutural, e a taxa de desemprego dos mais qualificados é predominantemente friccional. Explicando melhor, acredito que os trabalhadores com mais educação estão procurando empregos com mais cautela, gastando mais tempo até decidirem ocupar alguma vaga disponível com salário e benefícios compatíveis com seus objetivos. Já os menos qualificados tendem a procurar por um longo tempo e aceitar a primeira oportunidade que surge, já que apresentam características de pouca empregabilidade. Nesse caso, o bem-estar dos desempregados com mais educação ainda é superior aos com menos educação.

Para testar essa hipótese, gostaria de ter acesso aos seguintes dados:
- Os trabalhadores desempregados com ensino médio completo apresentam fontes de renda alternativas a do trabalho em nível superior aos sem esse nível de educação? A resposta que espero é SIM.
- A proporção de trabalhadores desempregados com ensino médio completo cobertos por seguro-desemprego é maior do que a proporção de desempregados sem esse nível de ensino? A resposta que espero é SIM.
- Os trabalhadores de menor educação estão procurando emprego a mais tempo do que os com ensino médio completo. A resposta que espero é SIM.

A análise desses indicadores que levantei podem rechaçar minha hipótese, e estou plenamente consciente disso. Mas eu só espero que os economistas que não dão a importância que o capital humano merece para o crescimento de longo prazo e o bem-estar social no Brasil não usem esse estudo para despejar preconceitos pela mídia e pela academia.

Anpec: Ainda Não

Não foi dessa vez que consegui aprovar um artigo no encontro nacional da Anpec. O trabalho feito a partir da análise empírica da minha dissertação foi recusado, de acordo com a lista de trabalhos aprovados publicada ontem. É o terceiro "toco" seguido que tomo dos pareceristas do congresso. Mas, dessa vez, acho que meu erro foi ter mandado o trabalho para a área de Bem-Estar Social, e não para a área de Desenvolvimento Econômico.

Ano que vem, posso tentar de novo, para essa outra área (se o artigo não for aceito em uma revista). Caso contrário, vou colocar o invicto artigo sobre o Imre Lakatos de volta à ação.

Desejo parabéns a todos os que tiveram seus trabalhos aprovados!

domingo, setembro 12, 2010

Coisas Estranhas de Brasília 5

Sem comentários sobre as escadas do setor de embarque do aeroporto daqui da capital federal. Ou é mais uma brilhante idéia pós-moderna de algum Niemeyer da vida, ou houve desvio de verba.

sábado, setembro 11, 2010

quinta-feira, setembro 09, 2010

Artigo do Lakatos Circulando

Nessa última semana, fiquei sabendo que aquele artigo que fiz sobre o Imre Lakatos e a aplicação de suas idéias na ciência econômica está circulando bastante pela Internet.

Primeiro, vi que ele está fazendo parte da bibliografia básica do curso de Metodologia Econômica para a graduação em Economia na Universidade Federal de Santa Catarina.

Depois, o Vítor escreveu um post bem aprofundado sobre a metodologia da economia mainstream no blog dele. Não só citou o meu artigo, como também tentou corrigir o trabalho clássico do Weintraub, identificando aquilo que considera como núcleo irredutível de hipóteses estruturantes da teoria econômica. Em breve, vou comentar aqui o que achei.

terça-feira, setembro 07, 2010

Porto Alegre, Três Anos e Meio Depois

Em julho passado, passei uma semana de férias em Porto Alegre com minha família. Morei lá durante 22 anos de minha vida, de 1984 até janeiro de 2007, quando saí de casa para fazer mestrado na UFMG. Hoje, quase quatro anos depois, notei como a cidade mudou. Praticamente, me sinto um turista na minha cidade natal.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi o aumento exponencial do número de carros nas ruas da capital gaúcha. Em conseqüência, o trânsito está belorizontino (mas ainda não deve estar paulistano), e procurar lugar para estacionar em supermercados e shoppings, assim como nas próprias calçadas fora da região central (dentro, sempre foi difícil), é um desafio para a paciência. A propriedade de carros está cada vez mais popular, de modo que os lugares mais movimentados fora da hora do rush são em frente às obras de prédios nos bairros Mont Serrat e Bela Vista. É isso mesmo: os trabalhadores da construção civil estão indo de carro para o trabalho. Muito provavelmente, isso se deve à falta de infra-estrutura de transporte público nos bairros da zona leste da cidade - onde se concentram boa parte dos bairros mais populares - e nas cidades periféricas de Viamão, Alvorada, Gravataí e Cachoeirinha. O metrô local, o Trensurb, serve como ligação do centro de Porto Alegre a algumas cidades ao norte, deixando a maior parte da população de trabalhadores descoberta.

Além disso, o tamanho dos carros aumentou. Agora, 1.0 é (mesmo) carro de operário da construção civil. Nos bairros de maior renda per capita, localizados ao redor do Centro, há uma grande frota de caminhonetões, que, pelo tamanho, ajudam a piorar o trânsito a o acesso a vagas de estacionamento. Por isso, o apelido do Rio Grande do Sul de "Texas Brasileiro" parece que deixou de valer apenas para as preferências políticas e está agora incluindo as preferências automotivas de sua população.

A cidade se verticalizou. A Bela Vista é um grande canteiro de obras. A Terceira Perimetral continua seu caminho de se tornar uma miniatura da Faria Lima (avenida de São Paulo). Sei que isso é uma conseqüência natural do crescimento econômico dos últimos anos e da expansão do crédito imobiliário às famílias. Contudo, isso está fazendo com que em Porto Alegre a noite chega mais cedo. Além disso, algumas partes da cidade, particularmente no bairro Três Figueiras perderam sua identidade bucólica. Por fim, algumas construções recentes me parecem muito feias, como é o caso daquele prédio branco que fizeram em cima da antiga sede do Yázigi na Nilo Peçanha (onde estudei inglês de 1993 até 1999).



O policiamento na cidade melhorou bastante, sobretudo no Centro. Agora, é possível tirar fotos na Praça da Alfândega (que está sendo reformada) com tranqüilidade, pela presença de brigadianos.





Destaco também que me sinto velho caminhando pela cidade. Isto é, não me identifico mais com os jovens portoalegrenses. No meu tempo de colégio e de graduação, havia uma distinção clara entre duas facções entre os adolescentes e jovens adultos na cidade: os "playboys surfistas", predominantes nos colégios particulares mais caros e habitantes do shopping Iguatemi, das casas noturnas do bairro Moinhos de Vento e da avenida Goethe; e os "rockeiros alternativos", muito comuns em vários cursos da UFRGS (todos menos Medicina, Direito, Administração e Relações Internacionais) e habitantes dos bares da Cidade Baixa, das casas de shows na Avenida Independência e do Shopping Total. Ambas facções eram rivais, ainda que choques de violência não eram muito comuns. Pelo que eu me lembre, até o nome da banda "Engenheiros do Hawaii" era uma provocção dos rockeiros contra os surfistas.

Hoje, caminhando pelos mesmos lugares que freqüentava até 2006, não vi indivíduos dessas tribos. O que vi são aqueles mesmos estilos que aparecem nos programas da MTV, e que são comuns na vida noturna da Rua Augusta, em São Paulo: "manos" fãs de hip-hop, emos e alguns tipos espalhafatosos coloridos de sexo indefinido. Quando saía de casa com alguma camiseta dos Ramones ou do AC/DC, me sentia meio "tiozão". Talvez, muito provavelmente, esteja ocorrendo uma convergência cultural do Rio Grande do Sul em relação à região Sudeste do país, iniciando-se pelas camadas mais jovens da população.

sábado, setembro 04, 2010

Sobre Um Comentário que Recebi

Pelas estatísticas do blog, vi que alguns dos meus posts mais acessados pelo público são aqueles mapas das favelas de Porto Alegre a partir do Google Earth, que fiz no chuvoso verão de 2008, quando morava em Belo Horizonte. Esses dias recebi um comentário muito legal de uma ex-moradora da Vila Safira.

Boa noite sr. Ricardo Martini. Eu te escrevo porque morei toda minha infancia na vila safira, estudei até o 4º ano de primaria na escola Maris e Barros, depois pasei a estudar no bairro do Bom Fim. Bom o que eu tenho para te contar, é que comecei notar a melhora da qualidade de vida na vila Safira, na época do Sarnei, depois com Fernando Henrique; no começo com Sarnei já podiamos beber leite todos os dias, com os tiques de leite que nos davam, graças a Deus em alguns armazéns nos deixavam trocar por banana tbém, a verdade é que éramos muito pobres e careciamos de muita educaçao de todos os tipos. Eu consegui sair adiante com todas as oportunidades que via. Hoje sou enfermeira, mestra em gerontologia. Resumindo, a populaçao evoluciono bastante, pelo menos o complexo de inferoridade já se nota um poco menos. Para melhorar mais, na minha opiniao, tem que melhorar o ensino nas escolas pública, preparar melhor os alunos para o vestibular; muitos alunos terminam o 2º grau e nao tem conhecimentos básicos para competir com os alunos que estudaram em colégios particulares. Eu fiz minha carreira em universidades privadas, trabalhando muito e com muito sacrificio. Saudaçoes.


Prezada comentarista, agradeço muito as informações, e parabéns pela tua vida de superação. Espero receber novos depoimentos dessa população tão excluída, que vive nas regiões "invisíveis" da capital dos Pampas.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Blogosfera News

A última semana foi bem movimentada na blogosfera econômica e política. Aqui vou dar alguns highlights:

- O Alexandre Schwartzman continua sua guerra intelectual com o professor Oreiro a respeito da redução da proporção de bens industrializados na pauta de exportações do Brasil no período recente. Por um lado, o Oreiro critica a valorização cambial, que estimula a importação de bens idustrializados em detrimento da produção doméstica. Por outro lado, o Schwartzman defende que a redução dessa proporção se deu devido à contração dos seus mercados importadores (Estados Unidos e Europa) graças à atual crise, ao passo que os mercados importadores de commodities (principalmente a China) continuam em expansão.

- O Adolfo Sachsida novamente entra em um ponto polêmico e defende a equiparação da contribuição previdenciária entre homens e mulheres. E os melhores contra-argumentos já estão nos comentários do seu post.

- O blog do Diego Rodrigues ressuscitou com um ótimo post comparando as idéias econômicas do programa da Marina Silva com as do Serra de da Dilma.

- O blog Na Prática a Teoria É Outra apresentou uma série de textos sobre a história do PSDB e pensamentos sobre a atual crise do partido. Não concordo com vários dos argumentos levantados, mas a discussão é interessante.

- O Thomas Kang apresentou alguns dados que vão de encontro à hipótese de Prebisch-Singer. Isto é, os países periféricos ganaharam termos de intercâmbio ao longo do século XX. O Thomas argumenta que esse fato não deve ser comemorado, pois pode levar ao aprofundamento das vantagens comparativas desses países em bens primários, inibindo o progresso tecnológico, que está mais associado aos bens industrializados. Nesse ponto, eu discordo parcialmente. A evolução recente das cadeias produtivas agroindustriais já tornou possível o progresso tecnológico associado ao setor agrícola, como inclusive é o caso da economia brasileira contemporânea. No entanto, a especialização da pauta de exportações em commodities me parece associada à concentração de renda, já que as fontes desses bens são insumos mais escassos do que os dos setores de indústria e serviços.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Coisas Estranhas de Brasília 3

Hoje, quando íamos almoçar na Vila Planalto, vi pela primeira vez diante de mim uma queimada. Uma nuvem de fumaça branca cobria parte de um campo aberto à margem da Via N Dois Leste, com alguns focos de incêndio isolados, e muitas cinzas no chão. Alguns bombeiros tentavam conter as chamas usando mangueiras.

Perguntei para o chefe do meu grupo de trabalho se aquilo seria perigoso para os prédios da cidade e para a população. Despreocupadamente, ele me contou que não, e que desde o mês passado, ele vê pelo menos duas queimadas no caminho de casa.

terça-feira, agosto 24, 2010

Primeira Publicação a Caminho

O site da Revista Análise Econômica (UFRGS) anunciou os artigos que serão publicados na edição de setembro de 2010. A minha estimação da lei de Thirlwall com dados em painel para América Latina e Caribe está confirmada.

Nessa edição, haverá mais dois trabalhos sobre o mesmo tema, ainda que com abordagens distintas. Um deles é de autoria da Veridiana, orientanda do Gilberto Tadeu Lima na USP, que tive a oportunidade de conhecer no primeiro encontro da AKB, em 2008.

Além desses trabalhos, a revista também contará com a presença dos professores da UFRGS Fernando Ferrari Filho, analisando os impactos macroeconômicos do regime de metas de inflação, e Maria Heloisa Lenz, com um estudo sobre a história econômica da argentina.

O Duilio, colega blogueiro, vem com um trabalho sobre economia política aplicado à situação fiscal do Rio Grande do Sul contemporâneo. Esse é um tema que me interessa muito, e estou ansioso para ter a oportunidade de ler o paper.

E o pessoal do Cedeplar-UFMG dá as caras em dois artigos. A Ana Tereza e o Marco Crocco publicam um estudo na área de moeda e território. O Pedro, atualmente cursando doutorado em Cambridge (UK), junto com os professores Mauro e Flávia Chein, publica um trabalho aplicado sobre métodos de análise regional.

terça-feira, agosto 17, 2010

Avenida Paulista

A Avenida Paulista é o coração financeiro do Brasil, mas para encontrar uma agência do Banco do Brasil por lá é preciso bater perna.

III Encontro da AKB em São Paulo

Na semana passad, estive em São Paulo, onde participei do III encontro da Associação Keynesiana Brasileira. O congresso foi realizado na EESP/FGV, próximo à avenida Paulista, o coração financeiro do Brasil.

A faculdade de economia da FGV tem uma infra-estrutura que eu nunca tinha visto em uma universidade brasileira, tem a aparência de uma grande empresa. As salas são impecavelmente limpas, com cadeiras estofadas, mesas individuais para os alunos, projetor de Power Point e ar condicionado funcionando. Muito diferente de qualquer outra faculdade de economia que eu já tenha visto no Brasil (quem chega mais perto é a PUC-RS, em que fiz o exame da Anpec em 2006, e a UFMG). E o mais surpreendente é que cada sala de aula lá é patrocinada por alguma empresa de grande porte. Tipo assim: "Sala 2003 - Banco Itaú", e nessa sala teria uma pintura que faz propaganda para o Itaú cobrindo duas paredes inteiras. Isso pode parecer desconfortável para quem estudou a vida toda em universidade pública, mas para as instituições privadas, é uma maneira criativa de arrecadar fundos.

No primeiro dia do encontro, houve um mini-curso sobre os ciclos financeiros minskyanos, ministrado pelos norte-americanos Steven Fazzari e Thomas Palley, que, por sinal, eram os únicos estrangeiros do encontro, fora os latino-americanos.

Nos demais dias, ocorreram as apresentações dos trabalhos. Aproveitei para ver as seções em que tinham trabalhos sobre a Lei de Thirlwall (apenas um paper sobre isso, para meu espanto) e sobre a macroeconomia do bem-estar social, tema da minha dissertação de mestrado.

Sobre a lei de Thirlwall, a Daniela Carbinato (UFRJ) apresentou uma estimação da relação entre a estrutura da pauta de exportações e a restrição externa ao crescimento econômico brasileiro para o período 1962-2006. Para isso, ela desagregou em 10 grupos a proporção e a quantidade de ítens exportados e importados pelo país. O trabalho ainda está em processo de elaboração, mas me chamou a atenção de que o II PND elevou a taxa de crescimento potencial do produto brasileiro para cerca de 8,5% anuais em plena década de 80. Questionei esse cálculo, e me avisaram de que o modelo da autora não incluía o papel dos fluxos financeiros para a restrição ao crescimento.

Na minha seção, em que apresentei a parte teórica da minha dissertação de mestrado, a Roberta Guimarães (UFRJ) fez um estudo empírico que também procurou cruzar micro-dados com dados de desemprego e de desocupação para analisar o comportamento de problemas sociais. Ela empilhou PNADs de 1992 a 2005, com dados agregados por regiões metropolitanas, para procurar os determinantes da taxa de homicídos por 100.000 habitantes para os homens jovens brasileiros. Usando técnicas econométricas para painel, ela verificou que as variáveis mais significativas são exatamente a proporção de desempregados e de ociosos em cada metrópole ao longo do tempo. O papel do mercado de trabalho foi superior inclusive ao da renda (já que a violência cresceu junto com o PIB brasileiro no período), ao da desigualdade e da favelização. Acho que, com algumas correções e observações, esse artigo dará uma boa publicação.

De resto, fui acompanhar os trabalhos dos meus amigos do Cedeplar/UFMG, como o Luís, o Fabrício, o Marco Flávio, o Raimundo, a Vanessa e a Ana Tereza. Também conheci um leitor do blog, que faz mestrado na Unicamp e estuda economia industrial.

De um modo geral, vi que os trabalhos estavam bastante diversificados (ao contrário do primeiro encontro, em 2008), a preocupação com a fundamentação teórica e empírica era evidente na maior parte dos artigos, isto é, se aproximavam de programas de pesquisa no sentido lakatosiano do termo. Noto que, um ano afastado da Universidade, já não tenho muito ânimo para acompanhar papers que buscam destrinchar algum determinado conceito da Teoria Geral e suas interpretações e desinterpretações pelos macroeconomistas posteriores. Além disso, argumentos de que a baixar a taxa de juros e desvalorizar o câmbio são políticas para o crescimento de longo prazo sem riscos inflacionários não me convencem. Continuo acreditando que o Brasil tem problemas estruturais - sociais e econômicos - mais importantes do que esses. Por outro lado, vi que muitos dos presentes no encontro, incluindo o Nakano e o Bresser-Pereira nas sessões especiais, defendem a reforma fiscal que substitua gastos correntes por investimentos pelo setor público brasileiro, e a adoção de mecanismos de controles de capitais para evitar contágios de bolhas financeiras externas na economia doméstica. Nesses casos, concordo com os argumentos, mas ainda quero saber como fazer isso com eficácia. Por fim, vi que muitos dos participantes apontam o déficit público como a causa das altas taxas de juros praticadas pelo Banco Central. Até mesmo o professor Nakano defendeu o congelamento dos gastos correntes do governo federal para que a taxa Selic possa ser reduzida sem pressão sobre os preços. Ou seja, felizmente o argumento da "vontade política para conduzir a política monetária" parece ter perdido espaço na heterodoxia brasileira.

Em resumo, a AKB reuniu, em geral, jovens pesquisadores (ao contrário da SEP) dispostos a defender suas teses utilizando métodos lógicos e empíricos para isso, deixando a retórica da boa vontade de lado, e, principalmente, capazes de aceitar críticas e sugestões aos seus trabalhos. Posso não concordar com muitas das hipóteses levantadas nos trabalhos que assisti, mas sei que renderão bons frutos aos seus pesquisadores.

terça-feira, agosto 10, 2010

Off Até Segunda-Feira

Esta semana estarei fora. Viajo para São Paulo hoje à noite para apresentar o artigo teórico da minha dissertação no encontro da AKB. Na sexta a tarde, embarco para Belo Horizonte aproveitar o fim-de-semana bem acompanhado.

Uma Imagem sobre a Propensão ao RIsco

Em caso de enchente, procure um lugar seguro.


Clique para ampliar.

terça-feira, agosto 03, 2010

Vídeo do IPC-IG/UNDP

O pessoal do departamento de comunicação fez um vídeo muito legal sobre a instituição em que trabalhamos:



Pago um cafezinho para quem me encontrar nesse vídeo. Dica: estou 5 anos mais velho e 10 quilos mais gordo do que a foto na coluna à direita no blog.

segunda-feira, agosto 02, 2010

A Distribuição de Renda No Brasil segundo a PNAD 2007 (2)

Nesse post, vou comentar sobre a distribuição dos decis de renda domiciliar per capita brasileiros de acordo com as regiões do país em que vivem. Os dados da PNAD 2007 revelam os seguintes gráfico e tabela:



A tabela mostra a proporção da população de cada região que se encontra em cada um dos decis de renda, calculados tal como no post passado, de modo que as colunas somam 100%. Eu preferi calcular esse indicador por esse critério ao invés de fazer a conta inversa - qual porcentagem de cada decil brasileiro reside em cada região - como modo de controlar o efeito do tamanho populacional das regiões nordeste e sudeste em relação às demais. Além disso, resolvi separar o Distrito Federal do resto da região Centro-Oeste, pela diversidade da estrutura econômica (funcionalismo público versus agronegócio).

O gráfico revela quatro distintos padrões na distribuição regional de renda no Brasil. Primeiro, as regiões mais pobres - Nordeste e Norte - apresentam a maior parte das suas populações no primeiro e segundo decis, e linearmente cada vez menos a partir do terceiro. A desiguladade é explicitamente maior no Nordeste, que tem uma distribuição quase que hiperbólica, do que no Norte. Segundo, a região Centro-Oeste (sem o Distrito Federal) apresenta a distribuição populacional mais homogênea entre os decis no país. Esse resultado não deixa de ser surpreendente, já que há um discurso quase que universal de que o setor agrícola, particularmente referente ao agronegócio, seria a principal causa da concentração de renda no Brasil, pela concentração da propriedade fundiária. Terceiro, as regiões Sul e Sudeste apresentam distribuição de renda semelhante, com a maior parte da população entre o sexto e o nono decis, ainda que a região Sul tenha menos pobres. Quarto, por fim, chama a atenção a distribuição de renda do Distrito Federal: nada menos do que 27,5% de sua população está entre os 10% mais ricos do país.

Agora temos uma boa idéia do que gera concentração de renda no Brasil.

De Volta à Ativa

Admito que blog esteve abandonado nas últimas semanas. Na semana do dia 19, estive de férias com minha família em Porto Alegre (chuva, chuva, chuva). Na semana passada, de volta à Brasília, estive trabalhando full-time para concluir os cálculos dos indicadores sociais da Bolívia, que será o segundo country report da nossa pesquisa.

O relatório da Guatemala, após mais de seis meses de luta, já está concluído (com quase 250 páginas!) e foi entregue para os revisores.

Agora, estou de volta a ativa no blog. Pretendo continuar apresentando os dados da PNAD 2007 sobre os decis de distribuição de renda no país, e uma crônica sobre o que mudou em Porto Alegre desde que saí da casa dos meus pais, em 2007.

quarta-feira, julho 14, 2010

O Desafio Brasileiro - Gustavo Franco

A aceleração do processo de globalização acirrou os fluxos financeiros internacionais durante os anos noventa, e isso provocou mudanças estruturais nas condições macroeconômicas dos países emergentes, e o Brasil não foi exceção. Mas qual foi o principal efeito da abertura financeira, que acompanhou os movimentos da abertura econômica e comercial, sobre as condições de definição de política macroeconômica no Brasil?

Segundo Gustavo Franco, o resultado esperado é a tendência à chamada “lei do preço único” na economia, isto é, a arbitragem realizada pelos agentes econômicos acabaria por levar à convergência dos preços dos ativos financeiros domésticos em todas as economias abertas, e os diferenciais internacionais de juros (a remuneração dos ativos financeiros) tenderiam a se tornar proporcionais apenas aos diferenciais de inflação esperada para cada economia e aos riscos associados ao investimento em ativos de cada país.

Esse fator – a convergência internacional das taxas de juros – afeta a capacidade dos governos nacionais em realizar políticas econômicas ativas e independentes. Dessa maneira, as economias abertas colocam-se em um trilema de políticas macroeconômicas, o que significa que as autoridades nacionais só podem controlar duas das seguintes possibilidades de políticas:
- garantir a livre mobilidade de capitais;
- controlar a taxa de câmbio;
- exercer política monetária ativa.

Ou seja, os governos dos países emergentes, como o Brasil, passaram a ter a partir da década de noventa muito menos espaço para realizar políticas expansionistas e irresponsáveis (o “velho keynesianismo”, nas palavras do autor) do que, por exemplo, na década de de oitenta. Por isso, Franco exalta a necessidade de que países emergentes implantem medidas institucionais para garantir a responsabilidade macroeconômica, de modo a evitar a fragilização econômica e possíveis ataques especulativos contra suas reservas em moeda estrangeira.

A questão do trilema de políticas de macroeconômicas esteve presente nas duas fases do plano Real, no Brasil. Durante o primeiro governo FHC, o Brasil optou, dentro do trilema, pela livre mobilidade de capitais e o controle cambial pelo sistema de bandas. A política monetária havia se tornado subordinada à política cambial. Já no segundo governo FHC, após o ataque especulativo contra o Real em 1999 e com Armínio Fraga à presidência do Banco Central, a política econômica foi alterada, com a preservação da livre mobilidade de capitais e a conquista de se exercer uma política monetária ativa pelo sistema de metas de inflação. Por outro lado, deixou-se a taxa de câmbio flutuar a partir desse período.