segunda-feira, janeiro 30, 2006

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - J. K. Rowling

"O próprio Voldemort criou seu pior inimigo, como fazem os tiranos de todo o mundo! Você tem idéia do medo que os tiranos sentem do povo que eles oprimem? Todos eles percebem que, um dia, entre suas muitas vítimas, com certeza haverá uma que se rebelará e revidará!" (ROWLING, pg. 400);

Bom, após passar um bom tempo em cima da literatura clássica, especialmente sobre os contos de ficção do século XIX, já era hora de publicar uma crítica referente a um livro recente.

A saga de Harry Potter, como todos já devem estar fartos de saber, é uma sensação mundial no mundo da literatura de ficção, com milhões de exemplares vendidos de cada volume. O sucesso da série já faz com que alguns críticos já torçam o nariz para ela, afirmando que se trata de "literatura comercial" (do mesmo modo que se critica as músicas e os filmes do momento). O problema é definir o que é literatura comercial; ao contrário da música e do cinema (mais precisamente, os filmes que passam na televisão), a literatura não está ao acesso das grandes massas, e cada vez menos pessoas, mesmo das classes sociais mais altas, se dedica à leitura como um hobby.

Entre as razões que tornam Harry Potter um fenômeno mundial de vendas, destaco, em primeiro lugar, uma técnica de narrativa aplicada pela autora, que se aproxima, no meu entender, dos seriados de televisão (não faça cara feia, vou explicar...). A autora expõe na série uma grande quantidade de personagens diferentes, cada um com sua própria personalidade e seus objetivos de vida, o que cria dentro do universo do livro diversas histórias paralelas, estimulando a curiosidade do leitor. Além disso, os capítulos dos livros se emendam, isto é, algumas das dúvidas que se levantam no final de um capítulo são resolvidas no capítulo seguinte, o que torna cada livro "grudante", difícil de parar de ler. Por fim, destaco o fato de os personagens irem evoluindo ao longo dos livros da série à mesma medida que os seus leitores crescem (a autora escreve um livro por ano, e cada livro descreve um ano de vida dos personagens), o que afeta não apenas as características físicas dos personagens, mas também as psicológicas, de modo que os leitores facilmente se identifiquem com eles.

O Enigma do Príncipe é o sexto livro da série; Harry Potter e seus amigos são adolescentes de 16/17 anos, enfrentando problemas bastante específicos a sua idade: alterações bruscas de humor, brigas, excesso de auto-confiança, dúvidas sentimentais, primeiros sofrimentos de amor e, é claro, a volatilidade dos namoros e das "ficadas" entre os personagens. Ou seja, a autora aproxima tenuemente a fantasia "clássica" presente desde os primeiros livros da série aos problemas atuais dos seus leitores.

Todavia, a narrativa da autora deixa de lado boa parte da alegria e da fantasia presentes nos primeiros livros da série: os ambientes, principalmente Hogwarts (a escola dos bruxos), tornam-se sombrios, misteriosos, passando para o leitor o clima de ansiedade (devido a guerra dos bruxos da Ordem da Fênix contra os Comensais da Morte, que vinham provocando muitas vítimas fatais) que aflige todos os personagens do livro, o tempo inteiro. Além disso, a história já começa misteriosa, com a apresentação de um novo Ministro da Magia, o diretor de Hogwarts busca convencer um antigo professor da escola a voltar a dar aulas, Harry Potter recebe um livro desse antigo professor com feitiços estranhos, assinados por um tal de "Príncipe Mestiço". Talvez a sutil mudança no estilo descritivo faça parte de uma estratégia da autora de voltar o livro para o público adolescente, que são os seus leitores originais de seis anos atrás.

Ok, repeti várias vezes que o livro parece voltado para um público jovem e específico. Mas, para quem já superou esse público (como eu), o enredo continua sendo extremamente interessante! O lado "adolescente" da trama (brigas entre amigos, confusões amorosas) tem destaque paralelo à trama, e a resolução dos mistérios é capaz de proporcionar muitas horas de diversão a leitores de todas as idades.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Review - Century Child (Nightwish)

Esse disco eu consegui em dezembro de 2002, após trocar um vale-CD (presente de Natal, para variar) na Banana Records. Na verdade, eu conhecia pouquíssimas músicas do Nightwish quando comprei o CD, o escolhi bem mais devido à falta de opções na loja (queima de estoques no Natal), e ao fato de que já curtia metal melódico na época. Além disso, me chamava a atenção do fato de o grupo ter uma soprano profissional nos vocais (sempre me interessei pelo experimentalismo entre rock pesado e música clássica).

Em relação ao Nightwish, eu só sabia que era uma banda de metal-melódico-gótico-sinfônico finlandesa (putz!!!), bastante elogiada pelos meus amigos metaleiros da época, e com clipes (toscos p/ caramba) exibidos no saudoso Fúria MTV. O que, de cara, me chamou a atenção no disco foi a versão metal de "The Phantom of The Ghost" (O Fantasma da Ópera), bastante semelhante à versão original, mas com guitarras distorcidas arrebentando na base.

O disco em si representa um meio-termo em relação ao seu peso, nem tão metal pesado como o Oceanborn e o Wishmaster, e nem tão leve como Angels Fall First. Conta com as massacrantes, em termos de peso e velocidade, "End of All Hope" e "Slaying the Dreamer" e pura melodia de "Ever Dream" (essa, ainda com excelentes riffs de guitarra), "Feel For You", "Forever Yours" e "Ocean Soul" (absolutamente macabra! O clima sobrio é contagiante). Mas os pontos mais fortes do disco são as faixas que conseguem mesclar o peso do metal com a melodia da música clássica e o clima sombrio do gótico: são os casos de "Bless the Child" (orquestrada), "Dead to The World" (com um brutal solo de teclado) e, é claro "The Phantom of the Opera". Mas a melhor faixa do disco, na minha opinião, é a última, "Beauty of The Beast", a qual é uma música em três atos: um gótico melódico (Long Lost Love), um metal orquestrado pesado (One More Night to Live) e um poema recitado (Christabel). Onze minutos de música, ao todo, nessa faixa.

O melhor do Nightwish é conseguir fazer um gothic metal sem recorrer ao teatralismo trash em suas apresentações, e nem com cultos mórbidos-satânicos explícitos. Apenas o som: orquestra, guitarras pesadas, bateria marcante, voz soprano de Tarja Turunen (soprano formada na Universidade de Helsinque) e um clima melancólico e sombrio nas melodias. Não é preciso ser gótico (e eu jamais seria...) para curtir o som do Nightwish: basta ter interesse por metal melódico e ter bom gosto.

sábado, janeiro 21, 2006

Histórias de Crime e Mistério - Edgar Allan Poe

"Questiono a eficiência, logo o valor, do raciocínio que é cultivado de qualquer forma particular que não seja a lógica abstrata. Questiono em especial o raciocínio originado pelo estudo matemático. A matemática é a ciência da forma e da quantidade; o raciocínio matemático é simplesmente a lógica aplicada à observação da forma e da quantidade. O grande erro reside na suposição de que mesmo as verdades do que é chamado de álgebra pura são verdades abstratas ou gerais. E esse erro é tão óbvio que fico espantado com sua aceitação universal. Os aximoas matemáticos não são axiomas de verdade geral. O que é uma verdade de relação é muitas vezes grosseiramente falso quanto à moral, por exemplo. Nessa última ciência, é muito comumente não-verdadeiro que a soma das partes deja igual ao todo." (POE, A Carta Roubada).

Além dos contos de terror, a outra grande contribuição de Edgar Allan Poe à literatura moderna internacional foi a criação do gênero "romance policial", isto é, o desenrolar de investigação de crimes como tema de histórias. É verdade que histórias de crimes já eram conhecidas na França desde o século XVIII, de acordo com a publicação de biografias de ex-bandidos famosos. Porém, foi Poe quem criou um personagem investigador (o nobre francês Auguste Dupin), de talento mental sobre-natural, capaz de solucionar um mistério apenas com a sua observação de fatos e dados.

É nos contos de Auguste Dupin que Poe revela seu lado "realista", mais do que o romantismo byroniano tradicional. Dupin, o personagem, mais do que ajudar a polícia parisiense na solução de casos misteriosos, ele chega a transformar a investigação policial em uma verdadeira ciência, quase exata, estabelecendo o seu objeto e o seu método (o método dedutivo, de primeiro observar a realidade para depois tomar conclusões). A liguagem dessas narrativas, contudo, acaba se tornando complicada demais para leitores leigos; cada parágrafo exige mais de uma leitura, e simples comentários realizados nos diálogos dos personagens podem fazer toda a diferença no desenrolar da história. Além disso, a ação dos personagens é mínima: o que vale é a observação de Dupin, seu raciocínio, sua metodologia e suas conclusões. Por isso, mesmo sendo considerado o primeiro detetive da literatura, certamente Auguste Dupin é menos famoso do que Sherlock Holmes, de Conan Doyle, e de Poirot, de Agatha Christie.

Os três primeiros contos do livro são dedicados aos casos de Dupin. Os Crimes da Rua Morgue, certamente o conto mais famoso envolvendo o personagem, é o de leitura mais fácil, envolvendo muita ação. O Mistério de Marie Rogêt, baseado em uma história real, é o mais complicado de ler, dada não só a liguagem complexa, mas o próprio estilo narrativo: a história consiste basicamente dos comentários de Auguste Dupin contra os jornais parisienses que cobriam o caso, os quais apresentavam comportamento altamente tendencioso, e acabavam influenciado as investigações policiais para fora da verdadeira solução do caso. A Carta Roubada, por sua vez, é onde Dupin explicita toda a sua metodologia de análise aos leitores, explicando a importância do raciocínio dedutivo e do pensamento abstrato para se explicar a realidade.

Os demais contos da obra retomam o gênero de terror psicológico, já descrito em post passado. Na verdade, acima do caráter psicológico do clima de suspense estabelecido pelo autor, encontra-se um forte componente patológico. Isto é, mais importante do que as características físicas ou intelectuais dos personagens envolvidos nos contos, são as suas condições de saúde, as suas doenças, e como elas determinam o caráter de cada um. Assim, em O Coração Denunciador, Poe descreve um assassinato. Todavia, não dá nenhuma caractérística da vítima, como seu nome, profissão, etc, apenas que é um homem velho e com catarata em um olho. Tal catarata, como se descobre, é a razão do seu assassinato. Já em Berenice, Poe estabelece uma conflitante relação entre um homem monomaníaco (com idéias fixas compulsivas) e sua prima/noiva chamada Berenice, que além de aparentemente anêmica, possui crises de epilepsia.

A análise patológica dos personagens tornou-se comum na literatura naturalista, da segunda metade do século XIX, como na obra de Aluísio de Azevedo, romancista brasileiro. Todavia, Poe sempre se mostrou um homem além do seu tempo.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

O Triste Futuro da Política Brasileira

A crise política em que o atual governo federal se meteu nesse último ano certamente terá repercussões sobre a sociedade brasileira no longo prazo. E digo isso não do ponto de vista institucional, se os partidos e os candidatos associados ao presente governo terão algum futuro, mas sim na própria mentalidade do eleitorado, isto é, da própria sociedade brasileira, sobretudo sobre a população mais jovem.

É verdade que, com a crise, o eleitor brasileiro ficou mais cético - ou "menos otário", como disse o Arnaldo Jabor (ótimo orador, apesar de ser um dos piores escritores brasileiros da atualidade) - em relação às promessas e à aparente ética de determinados partidos e políticos identificados com a esquerda. Porém, ao mesmo tempo, a esperança, o entusiasmo do povo com a democracia e as suas atividades e instituições está sendo perversamente abalada.

Explicando melhor, em um contexto histórico sobre a política brasileira: depois de 20 anos de regime militar, que, apesar de não ter sido tão violento se comparado com os governos dos demais países latino-americanos, usou e abusou da censura e da manipulação eleitoral, sem contar políticas sociais concentradoras de renda e obras públicas faraônicas, certamente superfaturadas, o eleitorado brasileiro sempre buscou opções à esquerda, que simbolizassem uma oposição a tal regime. As forças de oposição contra o regime militar brasileiro eram compostas sobretudo por jovens, que são os pais e mães dos jovens de hoje.

Com a redemocratização, o PMDB, filhote direto do MDB, a principal força legal de oposição ao regime militar, tomou conta da cena política nacional, tornando-se o maior partido político brasileiro e ocupando a presidência da república, com Tancredo Neves. Contudo, com a morte prematura deste, o país foi (des)governado por José Sarney, responsável pelas políticas econômicas desastrosas que até hoje refletem na confiança internacional sobre as autoridades econômicas desastrosas. Após Sarney (que, infelizmente, continua no governo até hoje), o país sofreu o acidente político Fernando Collor de Mello, que não merece ser comentado em uma análise de longo prazo.

Após o período Collor/Itamar Franco, o governo federal passou para as mãos do PSDB, uma dissidência de esquerda do PMDB, que se formou logo após o fracasso do governo Sarney. FHC, Presidente da República apoiado pelo PSDB, era líder de movimento estudatil durante o regime militar, sempre exercendo feroz oposição a aquele governo. Nos seus oito anos de governo, FHC teve importantes méritos, principalmente em relação às reformas institucionais, às políticas sociais e à estabilidade macroeconômica do país. Contudo, o crescimento econômico e do emprego no período foi muito baixo, e apesar de nunca ter chegado a atingir diretamente o presidente, e nem as figuras mais importantes de seu governo, as denúncias de corrupção foram freqüentes (principalmente em relação ao escândalo na SUDAM, protagonizado pelo Presidente do Senado, apoiado por FHC, Jader Barbalho).

2002, nova eleição, e nova guinada à esquerda: o PT, oposição mais feroz a todos os governos desde a sua fundação, assume o governo federal. Para conseguir se firmar no governo, o PT teve que abandonar algumas bandeiras históricas absolutamente defasadas, como a ideologia socialista contrária à iniciativa privada e a ruptura internacional com as grandes potências (que possuem os maiores mercados consumidores do mundo). Salvo poucas pessoas, a mudança de rumos do PT foi amplamente aceita pela sociedade brasileira. Ou seja, a tendência esquerdista verificada pelo eleitorado brasileiro desde a redemocratização não significa que a sociedade busca o comunismo como sistema econômico/social, com a abolição da propriedade privada e tudo mais. O que o brasileiro quer é simples: transparência política, estabilidade de preços e geração de empregos.

Com a atual crise política que afundou o PT, principalmente o seu Campo Majoritário (que eu mesmo, confesso, era simpatizante), é esperada uma nova decepção da sociedade brasileira com seus representantes. Contudo, agora não existem novas opções para o governo federal. Qualquer que seja o resultado das eleições desse ano, é certo que pelo menos um dos partidos que governaram recentemente o Brasil - PT, PSDB, PMDB, PFL - deverá compor o novo governo. Contudo, tais partidos (talvez um pouco menos o PSDB) já estão com sua credibilidade abalada perante o eleitorado, retirando parte de seu entusiasmo com a política nacional.

Para os mais jovens, sobretudo, que não precisaram lutar contra o regime militar para assegurar os seus direitos políticos democráticos, o descompromisso com a política é mais evidente. Com o colapso do PT, a posição política da juventude começa a se polarizar de um modo preocupante. De um lado, os ditos "de esquerda", membros de partidecos comunistóides como PSOL, PSTU e PCO, entre outros, compondo misteriosos grupos políticos denominados por siglas, facções dentro de seus próprios partidos, aparelham todas as instituições de representação ao seu alcance (principalmente de representação estudantil), buscando atender os seus próprios objetivos de poder, isto é, aqueles que deveriam estar sendo representados - a sociedade jovem de hoje - que se danem. De outro lado, os ditos "de direita", reclamam de tudo o que pareça "petista", incluindo a opinião de seus pais e professores, idolatram "intelectuais" como Olavo de Carvalho, ignoram a importância da democracia (alguns chegam até mesmo a defender a volta do regime militar, como se algum país desenvolvido de hoje fosse governado por um) e bradam idéias metidas a reacionárias, do tipo "política social é coisa pra vagabundo", "pobre é tudo ladrão", "pena de morte = mais transplantes", etc. Porém, por trás da aparente "revolta" direitosa contra o atual sistema político, há uma verdadeira apatia, um desinteresse pelos problemas na sociedade brasileira, em favor unicamente de seus interesses pessoais (uma ideologia política de individualismo exarcebado). Felizmente, graças exatamente a esse individualismo exarbebado, tais jovens são incapazes de compôr grupos políticos para conquistar poder.

Ou seja, se a situação política brasileira é triste hoje, o que será no futuro, quando esses grupos descritos acima ocuparem a maioria do eleitorado brasileiro?

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O Escaravelho de Ouro e Outras Histórias - Edgar Allan Poe

No entanto, assim como acredito que minha alma está viva, acredito também que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos, primárias e indivisíveis que dão a direção do caráter do Ser Humano. (POE, "O Gato Negro")

Edgar Allan Poe, escritor norte-americano, é considerado o maior escritor de terror da história da literatura mundial, e não sem razão. Influenciou profundamente autores do porte de Arthur Conan Doyle!

Poe viveu de 1809 até 1849, vitimado provavelmente por uma overdose de ópio, tendo, cronologicamente, pertencido à segunda geração romântica, ou geração byroniana. Desse modo, o culto ao sinistro, ao sombrio e à morte é um dos aspectos mais fortes encontrados na obra do autor, que se consagrou por narrar na forma de contos (apesar de ter algumas poesias igualmente famosas).

Sua narrativa é sempre em primeira pessoa, com destaque especial às descrições, explicitadas como impressões do personagem principal aos acontecimentos e ao ambiente de cada história. As descrições detalhadas podem tornar o vocabulário dos textos um quento complexo, quando comparado com outros contistas de mesmo estilo, porém, são o essencial de cada enredo. Isto é, o que torna realmente assustadoras algumas das histórias de Poe não são as ações dos personagens, mas sim o próprio ambiente que os envolve (como é o caso de "A Queda da Casa de Usher"). Em outros contos, como "Conversa com uma Múmia", o terror dá espaço a um senso de humor sarcástico, quebrando o aspecto mórbido de sua obra.

Contudo, mesmo caracterizado como um romântico byroniano (minha colocação pessoal, não sei nem mesmo se a história da literatura internacional pode ser organizada da mesma forma que a literatura brasileira), Poe adianta o racionalismo (mais próprio do Real-Naturalismo) em suas histórias fantásticas: por exemplo, mais impressionante do que a caça ao tesouro em "O Escaravelho de Ouro" é a metodologia científica que o personagem Legrand estabelece para solucionar o mistério e desvendar o mapa cifrado do tesouro. Já em "Manuscrito Encontrado em uma Garrafa", o autor desenvolve uma narrativa a partir da teoria, popular em sua época, de que os oceanos desaguam em buracos subterrâneos nos pólos, chamados pelos geógrafos da época de "Golfos Polares". A fantasia da história de Poe não é maior do que a dessa teoria absurda!!!

"O Barril de Amontillado", famoso conto contido no livro, descreve um plano de assassinato de um nobre italiano por outro, com destaque para a descrição dos ambientes (uma peculiar adega-cemitério subterrâneo) e ao método curioso de execução do plano. Já "O Gato Negro" e "A Máscara da Morte Escalarte" são terror em estado puro, recomendável apenas a quem tem nervos de aço (não é exagero, a ansiedade que tais contos despertam nos leitores é impressionante).

Por fim, um ponto interessante na obra de Poe é o fato de que todos os personagens principais, narradores das histórias, são pessoas de personalidade bastante semelhante: são sempre pessoas intelectualizadas, com profundo interesse sobre psicologia e filosofia (até mesmo o bêbado assassino de O Gato Negro), e que buscam explicações racionais para todos os atos que executam e fenômenos que presenciam. Ou seja, Poe, na década de 1830, já parecia estar adiantando o espírito do homem vitoriano.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

O Vale do Medo - Sir Arthur Conan Doyle

Eu realmente nunca tinha ouvido falar nesse livro, até encontrá-lo em um sebo (Beco dos Livros) no centro de Porto Alegre.

O estilo segue os exemplos das demais obras de Conan Doyle envolvendo seu principal personagem - Sherlock Holmes: o detetive faz papel secundário, porém decisivo, no enredo, o Dr. Watson narra as aventuras do seu ponto de vista particular, apresentando suas surpresas e impressões dos fatos e ambientes, e, mais importante do que a investigação em si, a principal história do livro são as circunstâncias em que o crime foi realizado.

Todavia, o livro se aproxima mais de "Um Estudo em Vermelho", principalmente por causa da "quebra" no ritmo do enredo, em que no meio da história há uma outra história, envolvendo ambientes e personagens totalmente (ou aparentemente) diferentes da história inicial. E, é claro, não faltam conspirações internacionais de grupos religiosos. Só que, ao contrário de "Um Estudo em Vermelho", em que os mórmons eram os vilões, agora Conan Doyle ataca a maçonaria. Porém, os atos criminosos realizados por essa ordem são bastante identificados com os indivíduos que os cometem: não vi nenhuma ataque à maçonaria como instituição.

A história principal se segue assim: um gentleman irlandês, de passado misterioso, é assassinado em seu casarão no interior da Inglaterra em circustâncias misteriosas. A polícia local resolve contatar Sherlock Holmes para a investigação. A princípio, todas as provas parecem indicar um crime passional, mas, com todo o seu poder dedutivo, o detetive esclarece o mistério, que envolve o passado da vítima, organizações secretas internacionais e o seu mais mortal inimigo, o professor Moriarty. A história secundária contada no meio do livro se refere exatamente ao passado da vítima nos Estados Unidos, e como a mesma se envolveu com a organização maçônica criminosa.

Dispensável qualquer comentário a respeito da qualidade do livro: proporciona horas de diversão para qualquer leitor.

domingo, janeiro 08, 2006

Review - Heaven and Hell (Black Sabbath)

Esse provavelmente é o melhor disco de toda a minha coleção. É o primeiro disco do Sabbath pós-Ozzy, contando agora com Ronnie James Dio nos vocais. O disco foi gravado em 1980, mesmo ano em que o Ozzy Osbourne lançou o seu primeiro disco de carreira solo (The Blizzard of Ozz, com o fenomenal guitarrista Randy Rhoads), o que dá uma idéia da pressão que o grupo sofreu para mostrar ao público que sobreviveria sem o tradicional vocalista.

Comprei esse disco no final de abril (ou início de maio) de 2002, e confesso que não me custou nada. Explico: nessa época eu tinha acabado de voltar de um intercâmbio em Toronto (Canadá), e, faltando 1 mês para iniciar as aulas na UFRGS, aproveitei para fazer uma faxina nas minhas coisas. Em relação aos meus discos, tinha separado uma coletânea dos Replicantes (punk-lixo, infelizmente muito popular na cena alternativa de Porto Alegre) e um dos Sex Pistols (banda que eu até respeito, mas o disco estava muito mal gravad0) para vender na Porto Alegre CDs, loja de discos usados tradicional da cidade. Recebi 5 pila por cada um e, imediatamente, comprei o Heaven and Hell na Multisom (10 pila) logo na frente. Isso que eu só tinha ouvido o disco uma vez e conhecia o riff da música-título de bandas cover.

Mas, mesmo com a circustância curiosa em que fiz essa aquisição, considero esse, como já disse, o melhor de todos que eu tenho. Nele, o Black Sabbath consegue fazer uma fusão entre os riffs macabros de Tony Iommi com o metal melódico, com pitadas de glam rock, do Ronnie Dio, e soa como se eles sempre tivessem tocado juntos, com total harmonia entre as partes da banda.

O disco começa com a demolidora "Neon Knights", uma das músicas mais rápidas do Sabbath, contando com todo o poder melódico da voz de Dio (eu nunca ouvi o Ozzy cantando essa música, mesmo após o seu retorno à banda, para ser mais exato). Prossegue com o dedilhado acústico em ré menor de "Children of the Sea", uma música progressiva de bela melodia. "Lady Evil" vem como um rock and roll básico. "Heaven and Hell", a faixa-título do álbum, conta com um dos riffs mais pesados de Tony Iommi, e com uma forte energia, principalmente mais para o final da música. O rock and roll volta com "Wishing Well", com destaque para a poesia da letra. "Die Young" é um metal melódico muito rápido, e com solos fulminantes de Iommi. Em "Walk Away", o guitarrista de novo exibe a sua criatividade com riffs pesados. Já "Lonely Is the Word", que encerra o CD é uma música mais lenta, meio deprê, que eu admito não gostar muito.

Indico esse disco para todos os que curtem um bom rock pesado, e, principalmente, para aqueles que gostam de apreciar a técnica musical de Tony Iommi com uma guitarra com muita distorção.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

O Mágico de Oz - L. Frank Baum

Me disseram que esse livro era, algo do tipo profético, cheio de simbologias e de metáforas. E, um grande parceiro meu da faculdade (Economia - UFRGS), o Fred, já apresentou uma monografia do tipo "O Mágico de Oz como uma Crítica à Política Monetária Norte-Americana". Por isso, muito feliz eu fui ler o livro, ansioso por encontrar ensinamentos ocultos no enredo.

Li o livro e... Putz! Não vi profecia nenhuma, tampouco simbologias e metáforas. Ou eu não tenho QI suficiente para entender o verdadeiro significado da história, ou isso é apenas uma história infantil, supervalorizada pelos seus aspectos psicodélicos. Muitas vezes o autor recorre à técnica da repetição, onde vários personagens realizam as mesmas ações, muito comum em histórias para fazer crianças dormir (sim, o livro me fez dormir algumas vezes, apesar dos meus 21 anos). Outro ponto interessante é a quase ausência de descrições profundas dos cenários e personagens (há apenas caracterizações visuais, como as cores, o tamanho, etc.), o que torna o enredo muito rápido, como uma história narrada oralmente. E ainda, muitos dos capítulos são desnecessários para se compreender a história, sendo verdadeira "enchessão de lingüíça".

Se há alguma metáfora compreensível na história, são as discussões entre os três personagens secundários da obra (o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Medroso), sobre o que é mais importante para viver a vida e alcançar a felicidade: um cérebro (simboliza a inteligência e a racionalidade), um coração (simboliza os sentimentos e alguma coisa como o altruísmo) ou a coragem. Durante o enredo, os três personagens acabam descobrindo que esses valores não são um objetivo em si, e no decorrer de suas jornadas vão os adquirindo pela experiência.

De resto, o livro é pura psicodelia, com casas voando, homens-martelo com pescoço de borracha e cabeça chata, bruxas boas, bruxas más, animais falantes, e por aí vai.

E não sei onde que o Fred andava com a cabeça para var algima coisa nesse livro a ver com a política monetária norte-americana!

terça-feira, janeiro 03, 2006

Os Ditadores Mais Perversos da História - Shelley Klein

Resumidamente, essa obra pode ser descrita com um único adjetivo: sensacionalista.

Quando decidi ler este livro, esperava encontrar alguma teoria de ciência política e de sociologia que pudesse explicar como indivíduos de comportamento psicótico podem ter condições de chegar ao poder, de executar seus planos e de manter a sua autoridade perante seus povos. Contudo, o livro consiste apenas em relatos históricos apaixonados e descrições minusciosas sobre os métodos de tortura e de execução de diversos ditadores.

Segundo o livro, os ditadores mais perversos da história seriam:
- Herodes (Judéia)
- Gengis Khan (Mongólia)
- Chaka Zulu (sul da África)
- Stalin (URSS)
- Hitler (Alemanha)
- Mao Tsé-tung (China)
- Somoza (Nicarágua)
- Papa Doc (Haiti)
- Kim Il-Sung (Coréia do Norte)
- Pinochet (Chile)
- Nicolae Ceausescu (Romênia)
- Pol Pot (Camboja)
- Idi Amin (Uganda)
- Saddam Hussein (Iraque)
- Robert Mugabe (Zimbábue)

Contudo, o autor estabelece poucas relações entre a ideologia e o contexto histórico envolvendo esses regimes. Aliás, há uma clara confusão, por parte de Shelley Klein, na própria definição do tema de sua obra. Se o autor quisesse dissertar sobre os piores ditadores da história, teria que escolher uma amostra bem diferente da apresentada, incluido indivíduos, por exemplo, o Imperador Tibério (Roma), Átila o Huno, Montezuma (Asteca), alguns papas envolvidos com a Inquisição, etc. Já se o livro fosse se referir aos ditadores do século XX, como parece ser o caso, dada a amostra, Herodes, Gengis Khan e Chaka Zulu ficariam de fora, e o autor deveria se referir com destaque para as ideologias que moveram as forças políticas totalitárias nesse século.

Sabe-se que as três ideologias que deram base às ditaduras mais ferozes do mundo no século XX foram o comunismo (mais identificado com o bolchevismo de Lênin do que com o verdadeiro socialismo científico de Marx), o nazi-fascismo e o fundamentalismo religioso. Sobre as características específicas dessas ideologias, os cientistas políticos não conseguem chegar a nenhuma conclusão definitiva, dadas as suas semelhanças e diferenças. Contudo, elas parecem convergir para uma filosofia do tipo:
- O "bem" existe, é universal e pode ser atingido pela sociedade.
- O "bem" universal está no coletivo, contrário à individualidade de cada membro da sociedade.
- O "bem" universal está representado pelo Estado, sua ideologia e seus membros.
- Quem se opuser ao Estado, se opõem ao "bem". Como o "bem" é universal, quem se opõe não pode estar defendendo outra forma de bem. Portanto, é "mau".
- Quem é "mau", é uma ameaça para o conjunto da sociedade. Portanto, deve ser punido, ou melhor ainda, eliminado.
- O Estado tem, nesse sentido, a autoridade para se impôr sobre os indivíduos de modo a proclamar o "bem" e punir o "mau".

Em síntese, essa foi a minha conclusão ao ler este livro. Como o autor não colocou a sua opinião própria, é provável que a minha idéia seja, equivocada, absurda ou anti-científica. Contudo, foi o que eu aprendi até o momento. Melhor continuar estudando.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O Animal Spirit e a Recessão

O maior acontecimento nos últimos dias em relação à economia brasileira se refere à divulgação da retração de cerca de 1,5% no PIB nacional no último trimestre de 2005. Em primeira observação, pode-se facilmente acusar a política econômica do governo Lula como responsável pela queda, principalmente pelos desempenhos da política monetária (juros altos), fiscal (aumento do superávit primário) e cambial (câmbio valorizado, pró-importações). Contudo, em uma análise mais aprofundada, podemos ver que não é bem assim.

Em primeiro lugar, a taxa de juros brasileira, mesmo continuando a mais alta do mundo em termos reais, esteve em queda no último trimestre do ano passado, indicando assim uma expectativa de crescimento do crédito e da atividade econômica. O superávit primário encontra-se estável, não podendo se associar a atual recessão à política fiscal atual. E, apesar do câmbio valorizado, o Brasil continua batendo récordes de volumes exportados. Por isso, devemos buscar nos fundamentos da economia, principalmente na macroeconomia, outros fatores que possam justificar essa queda na atividade econômica brasileira.

Ora, como dizia nosso mestre John Maynard Keynes, fundador da macroeconomia, o nível de investimentos de uma economia (componente mais volátil no curto prazo na equação de demanda agregada) não pode ser entendido meramente como uma função linear da taxa de juros dessa economia. Os empresários decidem investir de acordo com suas expectativas de lucro, as quais são fundamentalmente psicológicas e voláteis, determinadas pelo "clima" da economia. Por isso, Keynes denomina as expectativas de lucros que levam os empresários a investir como "Animal Spirit" (estado de ânimo) dos mesmos.

Mas, no caso da economia brasileira, o que poderia ter derrubado o animal spirit geral no último trimestre desse ano, em que, além das taxas de juros em queda tivemos pressão sazonal da demanda por bens de consumo (por causa do Natal e do reveillon)? Será que não seria uma reação do setor produtivo nacional ao crescente descrédito do atual governo perante a sociedade, graças a confusão política decorrente das denúncias de corrupção e das operações de "abafa", de absolvições de envolvidos e de acordos escusos entre governo e oposição?

Minha análise pode parecer pessimista, mas quando o Ministro da Fazenda Antônio Palocci garante que a crise política não tem como afetar a economia brasileira, graças aos seus fundamentos fortes, ele parece estar se referindo ao lado monetário da economia. Porque o lado REAL da economia já está sofrendo os efeitos da perda de credibilidade do governo.