quarta-feira, janeiro 27, 2010

O Símbolo Perdido - Dan Brown

O Símbolo Perdido é o mais novo livro de Dan Brown, autor do best-seller O Código Da Vinci. O livro é a terceira aventura de Robert Langdon, professor de simbologia em Harvard, envolvendo mistérios, misticismo, seitas secretas, códigos para serem resolvidos, perseguições policiais, vilões megalomaníacos psicóticos, e todo o mesmo esquema de sempre. Agora, comparando-se com o Código da Vinci, a luta entre o Protetorado de Sião e a Opus-Dei se transforma em uma luta entre a Maçonaria e o Satanismo, os quadros de Leonardo da Vinci se transformam nas pirâmides maçônicas, Paris e Londres e transformam em Washington, e o antagonista monge extremista albino se transforma em um antagonista fisioculturista, fã de tatuagens e de sacrifícios aos demônios.

A princípio, essas semelhanças estruturais com o Código da Vinci não são um problema para o presente romance, e até mesmo são esperados, dado o sucesso de vendas do anterior. Isto é, era previsível que o autor mantivesse a fórmula de seu sucesso. Contudo, nesse livro a repetição da fórmula foi longe de mais, é praticamente o mesmo enredo do anterior, com menos viagens e menos assassinatos. E ainda, os próprios mistérios descritos, e revelados, no decorrer do enredo são muito mais fracos, previsíveis e superficiais do que no anterior. Os segredos são tão mal fundamentados que não sinto nenhum rancor de revelá-los todos para os leitores do blog. A palavra mágica da Maçonaria é a Bíblia. O símbolo perdido é a letra O com um pontinho no meio, que é o símbolo do deus egípcio Amon Rá. O poder mágico que a maçonaria, e também o antagonista satânico, conhecem é uma espécie de cera que o cérebro humano produz quando entra em um processo de grande concentração, e que possui grandes propriedades terapêuticas. A pirâmide sagrada da maçonaria não é uma construção habitacional, mas sim um objeto de pedra de 30 centímetros de altura, e que revela seus segredos mediante procedimentos totalmente infantis, tal como pelo aquecimento, ou pela raspagem de uma camada de cera em seu fundo. O "plano macabro" do antagonista, que é descrito pelos demais personagens como uma grande ameaça à humanidade, é a revelação pela internet de um vídeo que mostra influentes políticos norte-americanos bebendo vinho em um crânio humano, durante um ritual maçônico. Ou seja, nada que realmente impressione, ou mesmo desperte curiosidade, tal como o mistério do Santo Graal do livro anterior.

Contudo, o maior problema do livro, e que é muito comum em outros romances do gênero, e também em filmes, é a conturbada relação entre o personagem principal (Robert Langdon) e o antagonista (o satânico Mal'Ach) no que se refere à condução do enredo. Em O Símbolo Perdido, é Mal'Ach quem toma as principais decisões, que vão afetar a ação dos demais personagens, e quem elabora e divulga os mistérios que serão resolvidas pelo professor Langdon. Além disso, sua história é melhor descrita - é quase um livro dentro do livro, mas com enredo muito mais interessante - do que a de qualquer outro personagem, ainda que sua "identidade secreta" é facilmente previsível desde logo o início da história. Por esses motivos, é fácil desenvolver uma empatia pelo antagonista, isto é, esperar que seus planos dêem certo no final das contas, dado todo o esforço do personagem em atingir seus objetivos. Pessoalmente, eu achei que se Mal'Ach enfim conseguisse obter a "palavra mágica" para se transformar em um demônio, o livro teria mais graça. Contudo, esse personagem cometeu dois erros muito toscos, que poderiam ser melhor pensados pelo autor. Em primeiro lugar, a idéia de destruir a ordem política mundial pela divulgação de políticos bebendo vinho em crânios me parece implausível. Se isso ocorresse, haveria um choque inicial na opinião público, mas logo todos esqueceriam e voltariam a viver suas vidas como se nada tivesse acontecido. Um vídeo desses não poderia ter impacto maior do que o de políticos escondendo dinheiro em suas meias, por exemplo. Em segundo lugar, quando teve a chance de matar o personagem principal (Langdon), Mal'Ach escolheu o bizarro método de trancá-lo em uma câmara de privação sensorial e esperar que ele morresse de fome, facilitando muito o trabalho da polícia no resgate que, inclusive, já tinha o seu endereço. Por que será que os super-vilões tem tanto preconceito com o eficiente tiro na testa, afinal?

segunda-feira, janeiro 25, 2010

sexta-feira, janeiro 22, 2010

Por Quê a Maioria dos Professores são de Esquerda?

Segundo essa reportagem do New York Times, com base em diversos estudos empíricos, a predominância de socialistas, social-democratas e liberal-democratas nos meios acadêmicos se explica por dois motivos: auto-seleção e organização institucional do seu mercado de trabalho.

A auto-seleção ocorre porque a carreira acadêmica é preferida por indivíduos com ideologia política já alinhada com a esquerda e a centro-esquerda. Isso ocorre devido a fenômenos culturais e sociológicos. Do mesmo modo que carreiras como a pedagogia e a enfermagem são culturalmente associada às mulheres, ao passo que a engenharia civil é associada aos homens, carreiras como as humanidades, a academia, as artes e o serviço social são associadas à esquerda política, ao passo que outras, como o serviço militar e a agronomia são associadas à direita.

Em relação à organização institucional do mercado de trabalho dos professores, dois fatores favorecem os profissionais politicamente alinhados à esquerda. Em primeiro lugar, o sistema de contratação e de relações sociais no trabalho. Como os professores de um centro têm grande poder decisório sobre a contratação de novos colegas, e que suas atividades profissionais envolvem muito contato pessoal, é natural que haja favorecimento na contratação de pessoas com ideologia e visão de mundo semelhante à média da instituição, de modo a minimizar possíveis conflitos de caráter pessoal. Em segundo lugar, os baixos salários oferecidos frente à grande exigência de qualificação acaba por fazer com que predominantemente candidatos idealistas, isto é, que trabalham mais por gosto pessoal do que pela remuneração, se apresentem aos processos de contratação nas instituições de ensino.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

O Que É Punk - Antonio Bivar (2)

Em 1973, com o choque do petróleo, houve uma crise econômica mundial, resultando no surgimento de uma grande massa de jovens trabalhadores desempregados nos grandes centros urbanos industriais. Esses jovens, empobrecidos com a crise, não se sentiam representados pela música popular predominante da época, isto é, o rock progressivo e o glam rock, e eram jovens demais para se apegar aos ídolos hippies da década anterior. Além disso, no próprio meio musical, os estilos do momento estavam sendo questionados pela onda minimal, liderado pela Patti Smith e pelo grupo New York Dolls. O estilo minimal era literal: pregava o retorno ao básico, a música mínima em termos de tempo de duração e de sofisticação.

Quem se deu conta da nova situação foi o micro-empresário britânico Malcolm McLaren, que tomou conhecimento da cena minimal em uma viagem a Nova York em 1973. Segundo Bivar (pg. 42-43),

... Malcolm McLaren volta a Londres consciente de algumas coisas relevantes: a) que músicas com mais de dois minutos de duração e letras que falassem dos problemas sociais urbanos tinham um futuro; b) que valia a pena praticar a política situacionista, de confrontos e controvérsias, assim como produzir eventos e gestos que polarizassem atitudes; c) que, resumindo, ele estava muito avançado para Nova Iorque, e que Londres continuava sendo o celeiro ideal para laboratórios artísticos de vanguarda.


Ou seja, havia mercado para o surgimento de bnadas de rock que refletissem a situação dos jovens diretamente afetados pela crise mundial de 1973, com músicas simples e agressivas, já que poucos ainda tinham dinheiro para investir em equipamentos musicais sofisticados e até mesmo em aulas de música. Assim, McLaren contrata quatro amigos para fundar o lendário grupo Sex Pistols, dando início ao movimento punk.

Daí até o final do livro, Bivar faz relatos sobre as histórias específicas das principais bandas punk, especialmente dos Sex Pistols. O livro perde seu caráter histórico e se torna uma publicação destinada especificamente para os fãs dessas bandas, o que é de interesse secundário para mim. Por fim, ao descrever como o movimento punk chegou ao Brasil, o autor dá a entender que foi de maneira muito semelhante a que ocorreu lá fora, mudando a cidade e a crise em vigor. Saem Londres e o primeiro choque do petróleo de 1973, chegam São Paulo e o colapso do modelo de substituição de importações, no início da década de 80. De resto, a descrição do surgimento do movimento permanece muito semelhante nos dois casos: são massas de jovens trabalhadores urbanos desempregados que, revoltados e empobrecidos pela situação, adotam um padrão estético e cultural de confronto agressivo contra o que está estabelecido, e lutam (com certo sucesso) pela sua aceitação perante aos setores mais conservadores da sociedade, que os conideram meros arruaceiros marginalizados.

Uma crítica pessoal que posso fazer à análise histórica feita pelo autor (que foi meu maior interesse ao ler esse livro) é a sua total desconsideração da cena novaiorquina (principalmente dos grupos Ramones e do próprio New York Dolls), não apenas como a verdadeira originária do movimento punk, mas também como tendo qualquer importância nesse sentido. É de conhecimento público que Malcolm McLaren teve contato com ambas as bandas em sua viagem a Nova York em 1973. E, nessa época, os Ramones já eram tudo aquilo que o autor descreve dos primórdios do movimento punk: jovens pobres, revoltados com a sua situação e com a cena musical predominante no seu tempo, e que, graças a suas restrições orçamentárias, fazem músicas rápidas, simples e agressivas divulgando suas idéias. E os Ramones fizeram isso espontaneamente.

Acho que, pelo menos em parte, isso decorre de um preconceito que muitos intelectuais brasileiros tenham em relação aos Estado Unidos. Os nossos pensadores tendem a associar toda a cultura norte-americana a produção em massa de bens de consumo imediato, sem preocupações com a qualidade e a expressão, mesmo sem estudá-la seriamente. A contra-cultura e o progresso da liberdade de expressão, com a inclusão dos jovens e das classes sociais menos favorecidas, parecem relegadas como que de maneira mística, seguindo leis históricas inequívocas, à França revolucionária ou à Inglaterra operária.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

O Que É Punk - Antonio Bivar

Para quem quer se iniciar nos estudos sobre a compreensão da pós-modernidade, os livrinhos de bolso coleção Primeiros Passos dão uma boa ajuda. O livrinho "O Que É Punk", de Antonio Bivar faz uma breve revisão histórica sobre a evolução da contra-cultura ocidental do final da Segunda Guerra até a década de oitenta, com a eclosão do movimento punk. Além disso, o livro conta como esse movimento chegou ao Brasil, e faz relatos mais descritivos sobre a história das principais bandas punk nacionais e internacionais.

Segundo o autor, o início da contra-cultura tem origem nos anos imediatos após a guerra, no final dos anos quarenta, pela difusão da intelectualidade existencialista franciesa, liderada por Sartre e Camus. Essa corrente filosófica, influenciada diretamente pelo clima de desesperança do pós-guerra, era eminentemente pessimista, via a vida humana como um grande absurdo, e o futuro da humanidade condenado pelo desenvolvimento da tecnologia militar, capaz de provocar destruição a taxas crescentes. O existencialismo influenciou a vanguarda dos músicos de jazz da época, conhecidos como beatniks.

Os beatniks eram rebeldes em relação aos valores da sociedade em que viviam, mas ao contrário dos filósofos existencialistas, não eram fatalistas em relação ao futuro da humanidade. Eles acreditavam em uma contrapartida à rígida disciplina da tríade "educação-trabalho-família" apresentada em um ideal de vida simples e aventureiro, inspirado no misticismo oriental, no naturalismo e no padrão de vida das classes menos favorecidas do ocidente. Esses músicos foram fundamentais para difundir as idéias da contra-cultura de Paris para o mundo, mas tinham um padrão estético e artístico ainda demasiadamente elitista, isto é, eles eram membros da classe alta, que, apsear de críticos de sua cultura, dirigiam essas críticas para outros integrantes de classe alta.

A cultura popular que estava emergindo desde a década de cinqüenta, e que adotou os ideias de vida estabelecidos pelos beatniks foi a música do rock'n'roll, originado pela fusão dos ritmos negros e da música popular country. Antonio Bivar argumenta que isso aconteceu devido a uma mudança das relaçoes políticas internacionais, com a Inglaterra e os Estados Unidos tomando da França a vanguarda da cultura ocidental. COntudo, de acordo com alguns historiadores econômicos que eu já li, o fator mais importante para explicar essa transição cultural nos anos sessenta é o "efeito renda" sobre as famílias provocado pela expansão econômica do pós-guerra, chamada de "era dourada do capitalismo". Graças a esse efeito, a partir dessa época os jovens passaram a dispor de renda para seu consumo pessoal, e não mais apenas para contribuir com a subsistência familiar, expandindo o mercado para o bens de consumo que atendem suas preferências. E ainda, a classe média se expandiu muito nesse período, tornando-se a classe predominante na América do Norte e na Europa Ocidental, e suas preferências de consumo acabaram se tornando os padrões das suas sociedades. Assim, da incorporação do idealismo beatnik pelo rock'n'roll nasceu o movimento hippie, que é considerado pelo autor como o primeiro movimento contra-cultural genuinamente popular.

O movimento hippie teve seu apogeu na década de 60, mas a partir da década de 70 perdeu força. Segundo Bivar, parte da crise dos hippies na década de 70 se deu por causa da reação da sociedade conservadora, sobretudo agravada pelos próprios excessos cometidos por alguns jovens hippies. Além disso, a música característica desse movimento, o rock, evoluiu de uma forma negativa - para o autor - no início dessa década. As riquezas acumuladas pelos principais músicos da década de 60 tivaram um grande impacto nos seus egos. Assim, aAs melodias simples do rock`n`roll foram dando lugar para experimentalismos complexos, pela eclosão do rock progressivo, e ao culto à forma e à estética, pelo surgimento do chamado glam rock. Desse modo, o rock perdeu seu lado popular e adotou um espírito parnasiano de "arte pela arte", o que desagradou muitos dos antigos fãs. Segundo Bivar (pg. 28),

Pode ter sido engraçado para o rockeiro, durante algum tempo - e na falta de outra novidade - acompanhar pela imprensa a escalada social daqueles que até há pouco eram pobres como eles e faziam parte da mesma irmandade - e que diziam batalhar pelos mesmos ideais. Mas agora... milionários e com comportamento de playboys, enquanto que estes (os rockeiros pobres, em sua maioria) continuavam morando em quartos infectos e sem perspectivas - e quanto deles na fila de desemprego! Era o fim da picada, mesmo. Abandonados, traídos e, pior de tudo, fora de moda. Sim, porque quando se está na moda, mesmo que essa moda seja a pobreza, e mesmo a pessoa sendo contra modismos, existe qualquer coisa nesse estar na crista da onda que é, no mínimo, divertido estar lá. Mas quando tudo isso acaba e os mais epsertos saem ganhando (e a moda seguinte é o "retorno à elegância"), pra quem fica de fora e recebe o bye-bye dos vencedores, é tristíssimo.


(CONTINUA)

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Brasília News

Atendendo a alguns pedidos, volto a mandar notícias da atual fase da minha vida profissional-acadêmica. Passei as duas últimas semanas em Porto Alegre, aproveitando as férias de fim-de-ano com minha família. Consegui rever alguns amigos do tempo de graduação, alimentar os bichinhos do lago do Parcão com pão velho, alimentar a mim mesmo com "junk food" típica e tirar fotos das ruas da cidade, como sempre faço. Porto Alegre estava como o esperado para essa época do ano: quente e abafada na maior parte dos dias, talvez até mesmo mais do que a média histórica para o final de dezembro. Pior que o calor, era o mormaço, como todos dizem. O céu era quase sempre branco de vapor da água do Guaíba, acho que não fez cinco dias de sol nas últimas semanas. Além disso, a cidade estava meio vazia devido à migração sazonal para as praias, o que deixou a cidade mais silenciosa e tranqüila para descansar.

Cheguei em Brasília ontem à noite, e retornei ao trabalho no IPC-IG-UNDP hoje de manhã. No momento, estou trabalhando no projeto UNIFEM 1, que consiste, basicamente, em reproduzir o trabalho "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça", do IPEA, para outros países da América Latina. Atualmente, tenho trabalhado com a Guatemala. A pesquisa envolve muitas operações com micro-dados, isto é, meu serviço consiste basicamente em abrir bases de dados individuais e domiciliares cruas e calcular os indicadores econômicos e demográficos solicitados. Quaisquer dúvidas sobre os dados, tenho que consultar a documentação disponível na internet, os questionários aplicados à população, ou em último caso, contato direto com a Embaixada. O trabalho é muito extenso, são muitos indicadores para calcular, montar gráficos e analizar, mas até agora não envolveu nenhum método econométrico mais avançado. Esperamos que tudo seja concluído em um mês.

Assim que saírem os resultados finais, pretendo publicar aqui no blog. Em relação aos resultados parciais, posso adiantar que, comparando a situação brasileira com a dos indígenas guatemaltecos, conclui-se que em terra de cego, tal como a América Latina, quem tem olho é rei. Alguns dados deles são estarrecedores, mesmo para pessoas já acostumadas a lidar com indicadores de pobreza no caso brasileiro. Tipo assim, a taxa de analfabetismo das mulheres indígenas idosas ultrapassa os 90%.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil - Leandro Narloch

Desde os últimos semestres da minha graduação em economia, principalmente durante os estudos das disciplinas de Economia Brasileira Contemporânea, me despertou uma grande curiosidade em re-estudar a história do Brasil em um nível mais avançado do que o que achava que conhecia desde os tempos do colégio e do cursinho pré-vestibular. Na graduação em economia, aprendemos a estudar os problemas econômicos do Brasil, em toda sua história, sob um enfoque analítico, isto é, como os fenômenos econômicos ocorridos no Brasil (como o processo de substituição de importações e sua crise, a hiperinflação e o Plano Real) podem ser explicados de acordo com a lógica da teoria econômica, sobretudo com a macroeconomia e a economia internacional. Nos principais artigos e capítulos de livros abordados em aula, a análise de dados empíricos como forma de dar suporte a hipóteses levantadas pelos autores, assim como para refutar hipóteses alternativas, é muito valorizada.

Isso contrasta fundamentalmente com o que estudamos de história - e também de geografia política e econômica - no colégio e nos cursinhos pré-vestibular. Nesses casos, os fatos históricos são abordados de acordo com uma lógica marxista-gramsciana. Isto é, toda ação social é determinada pela luta de classes, por antagonismos dualísticos da estrutura sociais, tanto em nível micro como em nível macro, tais como burguesia versus proletariado, senhores feudais versus servos, países centrais versus países periféricos. A ação política seria determinada pelas intenções de interesse econômico, isto é, de fortalecimento ou questionamento das relações de dominação social. Já a ação econômica, que determiaria as ações sociais e políticas, é a infra-estrutura de cada sociedade, suas relações de produção e de distribuição de bens e riquezas. O conjunto de ações políticas, sociais e econômicas integraria um modo de produção, e o objetivo do conhecimento histórico seria exatamente a investigação das características, das contradições e das revoluções dos modos de produção adotados pela humanidade ao longo do tempo.

Nessa abordagem, as verificações empíricas das hipóteses levantadas são deixados de lado. Uma hipótese é dada como verdadeira se segue a lógica teórica apresentada. Se as evidências factuais irem de encontro às hipóteses, pior para essas evidências. Segundo a filosofia gramsciana, que orienta a maior parte do ensino de ciências sociais no Brasil, a busca pela verdade é um aspecto secundário da investigação científica, o foco é a transmissão de uma mensagem para o público. Essa mensagem consiste inveriavelmente em uma vontade de poder por parte do pesquisador, isso é, sua ideologia política e sua intenção de mudar a ordem social vigente. Por isso, essa corrente de ensino vem sendo acusada por intelectuais de outras matrizes metodológicas - e com razão - de instaurar uma situação de doutrinamento político dos alunos durante os estudos de ciências sociais, em favorecimento das idéias esquerdistas.

Por isso, tenho essa curiosidade (e sei que não sou o único) de conhecer o que as evidências empíricas contam sobre a verdadeira - ou pelo menos o que mais se aproxima disso - história do Brasil. E o livro de Leandro Narloch é uma razoável introdução a isso. O livro é muito breve e resumido, e utiliza métodos literários muito mais de cunho jornalístico do que histórico. Isso permite uma melhor fluidez da leitura, sobretudo para o público leigo, mas acaba pecando pela falta de detalhes importantes de certos fatos.

O autor consegue bater em muitos dos mitos que aprendemos sobre a história do Brasil nas escolas. Em primeiro lugar, é demonstrado de acordo com registros históricos de inscrições ao exército colonial português que a maior parte de seus contngentes, sobretudo nas patentes inferiores ao posto de capitão, era composta por indígenas. Inclusive a grande maioria dos bandeirantes, responsáveis pela escravização e morte de muitas tribos indígenas, era composta por outros índios. Além disso, de acordo com a correspondência real portuguesa, a relação entre Portugal e os reinos africanos era muito diferente do que imaginávamos. Ao invés da noção de que os africanos viviam em liberdade, paz e harmonia em seu continente até serem invadidos e escravizados pelos europeus, fica sugerido que a escravidão era praticada pelos reinos mais centralizados da África contra as tribos mais fracas. E, inclusive, o maior poder de barganha no tráfico internacional de escravos era dos reis africanos, responsáveis pela captura, e não dos comerciantes europeus, meros responsáveis pelo transporte até as Américas. Inclusive, Zumbi dos Palmares não era um precursor do socialismo no agreste alagoano, mas sim o fundador de uma sociedade eminentemente feudal e aristocrática, e tinha os seus próprios escravos em seu quilombo. Outro ponto de destaque, também recorrendo a fontes históricas primárias tais como a correspondência entre diplomatas, refere-se à Guerra do Paraguai. Segundo Narloch, a tese de que Brasil e Argentina foram levados à guerra contra o Paraguai para defender os interesses imperialistas britânicos contra a emergência de uma potência industrial nos trópicos é puro mito. O Paraguai de Solano López era um país rural, burocrático, com altíssima concentração de renda e politicamente autoritário, que invadiu seus vizinhos buscando expansão territorial. Ao ser derrotado, a própria figura do ditador Solano López caiu em desgraça frente ao seu povo, e boa parte dos autores revisionistas da década de 1970 foram financiados pelos atuais descendentes familiares do presidente.

Além desses pontos principais, Narloch utiliza outras fontes primárias para verificar que autores muitas vezes identificados como questionadores sociais (ou mesmo esquerdistas), tais como Machado de Assis, Gregório de Matos e Gilberto Freyre, tinham na verdade idologia moralista conservadora. E ainda, a construção de um "cultura nacional" brasileira (expressa em aspectos como o carnaval, a feijoada e o samba) distinta de regionalismos e influências internacionais é pura influência política fascistóide do regime do Estado Novo de Getúlio Vargas (1939-1945). Por fim, alguns heróis da nossa história são desmascarados: Santos Dumont não inventou o avião e muito menos o relógio de pulso (esse, um acessório de origem renascentista). A história de Aleijadinho, ainda que o escultor Antônio Francisco Lisboa tenha mesmo vivido e produzido esculturas em Minas Gerais, foi plagiada do "Corcunda de Notre Dame" de Vitor Hugo por parte de um deputado mineiro que visava a obtenção de um prêmio pela historiografia da cultura regional brasileira por parte do imperador Dom Pedro II. E Lampião, antes de ser um revolucionário socialista no sertão nordestino, era na verdade um mercenário.

Em seus últimos capítulos, o livro aborda as controvérsias envolvendo o Regime Militar brasileiro. Segundo o autor, o golpe militar de 1964 e o endurecimento da ditadura após 1968 foram conseqüência direta das tentativas da esquerda, tanto dos guerrilheiros revolucionários comunistas como de setores varguistas-nacionalistas do então PTB, de tomar o poder pela força. Nesse ponto, o autor acaba fazendo uma defesa muito rasteira desse regime, argumentando, agora sem recursos a fontes empíricas, que a ditadura foi necessária para se manter a ordem institucional no país e salvar o Brasil do comunismo. O conhecimento histórico que eu tenho, vindo de diversos outros estudos e aulas de professores universitários, me diz que, ainda que as ações políticas da esquerda revolucionária eram um significantes no Brasil na década de 1960, esses grupos estavam muito longe de tomar o poder no Brasil, já que eles eram pequenos, ainda que numerosos, descentralizados e na maioria das vezes rivais entre si. Além disso, concordando que o impacto da repressão política direta tenha sido inferior do que regimes similares na Argentina e no Chile, não considero que os vinte anos de regime militar no Brasil tenham sido terminantemente positivos, ou mesmo necessários, para o desenvolvimento social, político e econômico do país. O impacto de suas políticas econômicas foram fundamentais, e isso pode ser demonstrado empiricamente, para a grande concentração de renda no país, a criação de monopólios e oligopólios ineficientes na estrutura econômica brasileira (inclusive nos meios de imprensa "chapa-branca" do regime), e na concentração de atributos fiscais no governo federal, em detrimento dos governos regionais e locais.

Por isso, nesse último ponto, o livro, que se propunha a apontar as evidências empíricas que vão de encontro aos mitos históricos brasileiros, acaba se tornando politicamente viesado à direita, de maneira semelhante à história contada pelos militantes de esquerda (em sentido inverso). Isso restringe a aplicabilidade das suas informações para estudos acadêmicos sobre a história do Brasil, ainda que o autor reconheça que o objetivo fundamental de sua obra é fazer uma mera provocação intelectual. Ou seja, o livro deve ser lido como um "Manual de Curiosidades" sobre a história do Brasil, e não como uma coletânea de novas teses sobre a dinâmica social, política e econômica nacional.