quinta-feira, setembro 28, 2006

Ortodoxia X Heterodoxia

Desde a famosa discussão entre David Ricardo e Thomas Malthus sobre a tendência natural da economia de mercado ao equilíbrio, a ciência econômica se dividiu, ao longo de seu desenvolvimento, em incontáveis correntes e escolas de pensamento, cada qual seguindo determinados axiomas e metodologias de análise.

Geralmente, as novas escolas de pensamento econômico surgem como contraposição às idéias predominantes no seu período. Por exemplo, Malthus, ao defender que excessos de poupança agregada poderiam deixar uma economia de mercado fora de uma situação de equilíbrio de pleno-emprego, rompeu com a Lei de Say, incontestável pela Economia Política Clássica. Depois, a Escola Histórica Alemã bateu no pressuposto de que as leis econômicas são universais, defendendo que cada nação tem uma cultura econômica característica. Marx, por sua vez, atacou as bases morais do capitalismo, até então vistas como decorrência do direito natural do homem e da disposição natural das pessoas à troca. No início do século XX, Keynes, tal como Malthus, negou a tendência da economia de mercado ao equilíbrio, pelo que o autor denominou de princípio da demanda efetiva. Schumpeter, por sua vez, desconsiderou o desenvolvimento linear da economia capitalista, apresentando sua teoria dos ciclos. Por fim, a Éscola Austríaca negou a possibilidade de descrição quantitativa (matemática e estatística) dos fenômenos econômicos, pela complexidade da ação humana.

Nas últimas décadas, com o declínio da Escola Keynesiana, tornou-se comum nos meios acadêmicos denominar de "Ortodoxia" as correntes predominantes ao longo de todo o desenvolvimento da Ciência Econômica (Economia Política Clássica, Teoria Neoclássica, Síntese Neoclássica da Teoria Geral Keynesiana, Monetarismo e Novo-Classicismo), também conhecida como o "Mainstream" da Economia, defendida pelos grandes centros acadêmicos, e "Heterodoxia" as correntes de oposição, sendo as principais citadas no parágrafo anterior.

Atualmente, a dicotomia entre "Ortodoxos" e "Heterodoxos" dentro da Economia tende a deixar de ser um debate sobre axiomas e pressupostos sobre a análise empírica da disciplina, e se tornar um verdadeiro choque de visões de mundo. Expicando melhor, Ortodoxos e Heterodoxos não se preocupam tanto em discutir campos tradicionais de controvérsia na Economia, tais como o papel do Estado no desenvolvimento (liberalismo ou planejamento ativo), o comércio internacional (vantagens comparativas ou deterioração dos termos de intercâmbio) e a relação entre crescimento econômico e bem-estar social, a tampouco se apegam a determinadas correntes políticas (direita ou esquerda), mas sim tendem a criar um duelo de opiniões sobre a própria natureza da ciência econômica e seu papel na sociedade.

Por um lado, vemos economistas ditos "Ortodoxos", orgulhosos por se considerar na "fronteira da ciência", admirando engenheiros, menosprezando sociólogos, e de vez em quando largando pérolas do tipo "se eu pudesse voltar no tempo, teria estudado matemática, em vez de economia". Por trás desse compertamento, estão as características das próprias ciências naturais contemporâneas, marcadas pela frieza, pelo determinismo estrito (a não ser pela "Teoria do Caos", que não é muito conhecida) da realidade aos modelos já apresentados e descritos, e o caráter prático da atividade profissional, isto é, a idéia de que o economista deve ser preparado para FAZER, e não para ARGUMENTAR, sendo portanto, os campos de controvérsia da Ciência Econômica deixados de lado.

Por outro lado, os economistas ditos "Heterodoxos", seja lá de qual corrente, se preocupam mais em humanizar os grandes problemas econômicos, em deixar a formalização matemática em segundo plano, em defender a multidisciplinaridade entre as ciências sociais para uma melhor observação da vida e da sociedade humana. Dessa maneira, a economia deixa de ser uma ciência estritamente positiva para assumir um lado mais moral (tal como era nos seus primórdios, na Economia Política Clássica), e o profissionalismo prático dá lugar a um caráter mais intelectual para o economista. Todavia, algumas vezes vemos economistas de correntes heterodoxas criticando a ortodoxia sendo a crítica um objetivo em si mesmo, isto é, não com o objetivo de correção, mas com a intenção de desmerecer os adversários, o que é prejudicial não só à atividade profissional e científica, mas sim à própria convivência democrática nos centros acadêmicos de Economia. Ou então, outros Economistas elegem como seus "guias" ou "mestres" os principais expoentes e/ou fundadores de suas correntes heterodoxas, e considerá-los a verdade absoluta, impassíveis de críticas, o que acaba por corromper a própria noção de Ciência Econômica, tornando-se algo como uma religião.

Fazendo uma analogia, a atual disputa na Ciência Econômica se assemelha à disputa entre os Românticos e os Realistas na literatura mundial na metade do século XIX.

Não cabe a nenhum economista, individual ou coletivamente, independentemente de suas escolhas ideológicas e profissionais, julgar qual das correntes Ortodoxas e Heterodoxas detém a verdade científica absoluta, uma vez que esse próprio conceito é passível de controvérsias. Além disso, nada sabemos sobre o que será "ortodoxo" ou "heterodoxo" na economia daqui a vinte ou trinta anos. Mas é importante que seja assegurado a todos os profissionais da economia o direito a expressar aquilo que acredita, sem linchamentos morais, de modo a evitar que os debates intelectuais se tornem verdadeiros campos de batalha, como já vem acontecendo.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Debate acerca do Currículo do Curso de Economia da UFRGS

O presente texto se baseia em dois fatos empíricos:

FATO 1 - Praticamente 100% dos alunos do curso de Ciências Econômicas não concordam com o atual currículo do curso. Tal opinião é compartilhada tanto pelos alunos que, de uma maneira geral gostaram de ter cursado essa opção acadêmica (como é o caso deste autor), como por aqueles alunos que prefeririam ter escolhido outra coisa no vestibular (destes, é verdade, poucos chegam a se formar, mas sua opinião deve ser igualmente valorizada).

FATO 2 - Ao ser perguntado sobre qual seria a sua idéia de currículo ideal para o curso, cada aluno de Ciências Econômicas da UFRGS tem uma opinião muito particular; é muito difícil encontrar consensos. Alguns gostariam de mais matemática, para melhor competir com os engenheiros no mercado de trabalho; outros gostariam de mais Teoria Macro e Micro; outros prefeririam mais cadeiras de economia aplicada, voltadas para o mercado profissional.

Depois de muitos debates entre alunos de diversos círculos sociais dentro da comunidade acadêmica (bolsistas, membros do diretório estudantil, formandos, calouros, etc.), pude destacar algumas conclusões, isto é, pontos principais de divergência dos alunos em relação ao currículo atualmente vigente:

1- O currículo é demasiadamente rígido. Muitas cadeiras que são obrigatórias poderiam muito bem ser eletivas (tais como Economia Agrícola, Política e Planejamento Econômico), o que melhoraria inclusive a qualidade do ensino dessas aulas, já que apenas os alunos realmente interessados no conteúdo iriam se matricular.

2- As cadeiras introdutórias, dos 3 primeiros semestres, também podiam ser flexibilizadas. Antes de ter uma base quantitativa suficiente para enfrentar a teoria Microeconômica e a Contabilidade Social, os alunos deveriam ter opções de disciplinas para cursar no início do curso. Ser forçado a fazer Introdução a Administração, Instituições de Direito e Metodologia da Ciência, não dá para agüentar mais.

3- As sugestões dadas por diferentes alunos a respeito de melhorias no atual currículo do curso refletem, em primeiro lugar, os seus objetivos particulares no futuro profissional (isso não é uma crítica, é uma constatação). Quem quer fazer mestrado, geralmente acha melhor que o curso de economia se resumisse a uma cadeira de matemática, outra de estatística, outra de teoria micro e outra de teoria macro por semestre. Contudo, um currículo desses seria estupidamente acadêmico, sem qualquer viés profissionalizante, e desfavorável àqueles que não podem / não querem fazer pós-graduação imediatamente após o término do curso. Por outro lado, ter um curso de "Economia Empresarial", voltado apenas para o lado prático da economia deixaria os alunos longe do mundo acadêmico e das perspectivas de fazer mestrado, pois não haveria espaço para a carga teórica exigida pelo exame da ANPEC.

Portanto, a melhor solução encontrada para a compatibilização do currículo do curso de Ciências Econômicas da UFRGS com os interesses dos alunos seria a divisão do curso em ênfases. Nesse caso, fariam parte do currículo básico, comum para todas as ênfases escolhidas pelos estudantes, as cadeiras de base quantitativa (matemática, estatística e econometria), base teórica fundamental (introdução à economia, introdução à contabilidade e contabilidade social), Teoria Microeconômica, Teoria Macroeconômica, Economia Internacional e Economia Brasileira.

Em relação ao resto do curso, os alunos realizariam disciplinas eletivas, agrupadas em ênfases acadêmicas, de acordo com suas preferências profissionais. As três ênfases básicas que são propostas são Economia Empresarial (voltada ao setor privado, com destaque à Economia Industrial, Mercado de Capitais e Administração Financeira), Economia do Setor Público (incluindo cadeiras como Economia Política, Política e Planejamento Econômico, além de Direito Aplicado) e, para aqueles que pretendem realizar a prova da ANPEC e seguir vida acadêmica, uma ênfase em Teoria Econômica, que abrangeria conhecimentos teóricos mais avançados, e abrangendo diversas correntes de pensamento econômico, ortodoxas e heterodoxas.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Review - The Number of the Beast (Iron Maiden)

Para aliviar um pouco a minha cabeça dos estudos para a ANPEC, lá vou eu escrever mais um post intimista.

Esse foi o meu primeiro "grande" disco. Foi o primeiro clássico do rock pesado que eu comprei, lá em meados de março ou abril de 2000 (putz, como estou ficando velho!).

Nessa época eu tinha 15 anos, e já estava decicido que o rock'n'roll (pesado ou não) era o meu estilo musical de sangue, e procurava insistentemente a "banda ideal" (um visível caso de um adolescente procurando ídolos externos para se espelhar, mas isso é melhor deixar pra lá). Eu já ouvia Sepultura, Metallica (moderno) e Marilyn Manson, mas não estava satisfeito: precisava encontrar a banda que conseguisse associar o peso do heavy metal (guitarras distorcidas e ritmo forte) com melodias realmente musicais (ao contrário de Sepultura e Marilyn Manson, que eu progressivamente fui deixando de lado) e instrumentistas de técnica apurada.

Já tinha ouvido boas opiniões de amigos que tinham esse disco, e quando eu fui ouvir pela primeira vez (na Banana Records do Iguatemi, eu me lembro) ... só pensei: "É essa, A banda!". Comprei o disco imediatamente (era época em que o CD original e novo custava em torno de 20 reais, um preço acessível para o consumidor brasileiro, ao contrário dos 40 pila atuais, mas também é melhor deixar pra lá).

The Number of The Beast é o primeiro disco do Iron com o Bruce Dickinson nos vocais, e, muito provavelmente, é o melhor disco da história da banda. De cara, as minhas músicas favoritas foram Invaders e Run to The Hills, que por sinal, são as mais rápidas (também... eu era acostumado a curtir Sepultura...). Mais tarde, conforme meu gosto musical foi mudando, se aprimorando (ou não), passei a dar maior destaque para as músicas mais refinadas e complexas, como Children of The Damned, uma balada de refrão muito forte, e Hallowed be Thy Name, commais de 7 minutos de muitos solos e riffs de guitarra. Mas, na real, cada faixa tem o seu valor, a sua própria inspiração, o que faz do disco como um todo um grande ponto de destaque na história do heavy metal e do rock internacional.

Hoje em dia, minha índole rockeira já está bem abastecida com obras de bandas como AC-DC, Black Sabbath, Nightwish, Chuck Berry, Led Zeppellin, entre muitas outras. Mas cada vez que eu pego esse disco, e principalmente quando escuto os primeiros riffs de "Invaders", eu me lembro daquele adolescente recém-convertido ao mundo do rock, que tinha como principal meta de vida procurar a "banda ideal", os seus ídolos e, no final das contas, a definição de sua própria identidade pessoal e de sua personalidade, manifestada pelos seus gostos artísticos.

OBS. Pra quem agüentou ler até aqui, esse post foi só para eu me lembrar que em outras fases da minha vida as minhas preocupações e metas pessoais não se resumiam a encontrar pontos de tangência e pontos na prova da ANPEC. Agradeço a compreensão.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Uma Música

Abra o SoulSeek, o Kasaa, o Emule, ou qualquer programa desses.

Procure por Nightwish - Wanderlust. Baixe.

Aprecie.

domingo, setembro 03, 2006

Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX - Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

Ganhei este livro de presente da minha ex-chefe-orientadora, em ocasião da minha formatura na UFRGS. Foi muito bom lê-lo para lembrar que existe economia (e por que não dizer VIDA) fora dos estudos para a ANPEC.

Belluzzo é economista da Unicamp, obviamente heterodoxo roxo, apresentando tanto as qualidades como os defeitos da sua corrente ideológica. Como qualidades, pode ser destacada a sua capacidade de relacionar a economia com as demais ciências sociais (história, direito, sociologia, ciência política), ao invés de se fechar em um mundo próprio, inclusive com um idioma próprio (o "economês"), como muitos economistas - de qualquer orientação - fazem. Com isso, o autor consegue quebrar muitos postulados teóricos que nós, economistas, tomamos como dados sem nenhum questionamento.

Por exemplo, Belluzzo faz uma crítica muito relevante à "naturalização" do capitalismo, tal como é feita pelo mainstream da intelectualidade internacional contemporânea. Tal visão teórica aponta que as instituições vigentes na nossa sociedade atual são decorrentes da "natural disposição do homem à troca", sendo, portanto, ahistóricas (de onde vem o que Francis Fukuyama chama de "Fim da História"), apolíticas e quase "associais", já que parte do princípio de que toda a ação humana, em qualquer dimensão, decorre da livre e espontânea vontade individual buscando, por parte de cada um, o seu máximo bem-estar, sem qualquer influência ou determinismo exógeno. Belluzzo acredita que o capitalismo e suas instituições são frutos de um processo histórico iniciado há pouco mais de trezentos anos, sendo que o estado natural do ser humano seria algo como o "bom selvagem" de Rousseau e o cooperativismo social de Marx. Portanto, as instituições capitalistas podem e devem ser moldadas politicamente. Tenho que observar que nesse ponto eu discordo do autor. Particularmente, tenho uma visão mais pessimista sobre a natureza humana, e considero e o "estado natural" do homem é muito mais o estado de barbárie e de guerra de todos contra todos de Thomas Hobbes do que o "bom selvagem" de Rousseau.

Contudo, ao fazer a crítica à política econômica de FHC e de Lula, Belluzzo cai no mesmo erro de tantos outros autores de sua corrente de pensamento. Ao invés de apontar a falta de planejamento econômico efetivo de longo prazo como o maior limitante ao desenvolvimento do país, o autor prefere o abraçar o saudosismo sebastianista dos "Anos Dourados" de JK, do nacional-desenvolvimentismo e da política econômica da época (convivência com a inflação, juros reais negativos e déficit público crônico), sem lembrar que foi graças a essa mesma política que permitiu o crescimento econômico do Brasil na época, que o país tem toda a atual dificuldade para crescer expressivamente.