Com uma folga nos compromissos acadêmicos (prova de Econometria transferida), aproveito para falar de assuntos mais antigos.
Foi publicado no site do Ministério da Fazenda um arquivo PDF que mostra um resumo das obras e medidas que formam o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o programa de planejamento econômico do segundo governo Lula.(baixar o arquivo em http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r130207-PAC.pdf). O arquivo é de autoria do próprio Ministério, e foi utilizado pelo ministro Guido Mantega na apresentação do plano no Congresso Nacional.
Em resumo, o PAC compreende 5 grandes áreas:
1- Investimento em Infra-Estrutura;
2- Estímulo ao Crédito e ao Financiamento;
3- Melhoria do Ambiente de Investimento;
4- Aperfeiçoamento do Sistema Tributário;
5- Medidas Fiscais de Longo Prazo.
O objetivo do plano é elevar a taxa de crescimento de longo prazo do PIB brasileiro para cerca de 5% ao ano, ao contrário dos 2,5% dos últimos anos, e sem aceleração inflacionária e nem endividamento do setor público.
As medidas incluídas em cada uma das grandes áreas do PAC, no entanto, não trazem novidades em relação aos programas de planejamento econômico já adotados no Brasil nas últimas décadas. Como investimentos em infra-estrutura, estão previstos novas obras e reformas nos sistemas de transporte e energético, além de obras para o acesso universal da população à energia elétrica e ao saneamento básico. O estímulo ao crédito inclui aumento de recursos disponíveis e diminuição da taxa de juros de longo prazo do BNDES para investimentos privados em áreas de interesse do governo federal. A melhoria do ambiente de investimento compreende basicamente algumas medidas sobre o marco regulatório nacional. Em relação às questões tributárias, o programa prevê uma grande variedade de medidas para desonerar atividades produtivas que envolvem criação de infra-estrutura e uso intensivo de mão-de-obra (como a construção civil). E, no que diz respeito às medidas fiscais de longo prazo, as medidas do plano prevêm maior vinculação de verbas e controle do crescimento das despesas públicas com custeio e Previdência Social para os próximos anos.
Dadas todas essas medidas, a dúvida que permanece e provoca os economistas brasileiros é: mas o PAC vai acelerar mesmo o crescimento econômico brasileiro? E no longo prazo? Para responder a essa dúvida, é necessário analisar as principais medidas adotadas em relação aos fundamentos da teoria econômica.
Em primeiro lugar, deve ficar claro para todos que a estimativa de recursos a serem usados no PAC está sendo superestimada pela equipe do Ministério da Fazenda. É muito comum que equipes econômicas procurem prever os impactos de suas políticas fiscais pelo efeito multiplicador que exercem na demanda agregada de suas economias. Mas a suposição do ministro Guido Mantega, de "o governo investe 200 bilhões e a iniciativa privada investe mais 200 bilhões", isto é, um efeito multiplicador imediato de 100% dos gastos públicos sobre os privados é ridícula. O efeito multiplicador original do aumento de gastos fiscais, proposto por John Maynard Keynes, prevê um efeito de ordem entre 0 e 1 (0 a 100%) sobre a demanda agregada final da economia, já que o aumento de renda na economia financia também um aumento da poupança. Contudo, a maior parte do efeito multiplicador da renda se dá sobre o consumo das famílias, e não sobre o investimento agregado, já que esta variável é influenciada também pela taxa de juros e pelo próprio clima dos negócios na economia, sendo que essa variável é subjetiva e substancialmente volátil. Após Keynes, autores como Milton Friedman reformaram a teoria sobre o impacto multiplicador do aumento de gastos públicos sobre a demanda agregada, discordando inclusive de seu efeito sobre o consumo (já que os consumidores pensam, ao programar seus gastos, em sua expectavtiva de renda permanente, e não meramente na renda atual). Portanto, independentemente da corrente teórica da equipe econômica do ministro Mantega, supor que o PAC acarretará em um efeito multiplicador de 100% sobre o nível de investimentos privados na economia brasileira não é razoável.
As obras de infra-estrutura seguem a retórica desenvolvimentista de eliminar os gargalos aos investimentos no setor produtivo nacional e de combater a inflação de custos. Sem entrar na antiga briga entre monetaristas e desenvolvimentistas, que discutiam se a inflação se deve a um excesso de moeda na economia, ou se é conseqüência de gargalos de infra-estrutura que impedem que a produção aumente com aumentos de demanda, afetando diretamente os preços, é inegável que a insuficiência da infra-estrutura de energia e transportes no Brasil contribui para as baixas taxas de crescimento. Ocorre que, sendo a economia brasileira dotada de instituições frágeis, custos de transação elevados e burocracia rígida, além de um passado recente de super-inflação e programas econômicos frustrados, é muito difícil que a iniciativa privada se disponha a realizar investimentos de alto custo, alto risco e longo prazo de maturação, como é o caso das obras de infra-estrutura de transportes e energéticas. E nesses setores, para o bem ou para o mal, a ação do Estado é indispensável.
Obras de saneamento básico e melhorias de habitação, por sua vez, tem um apelo moral e social muito forte, mas não tem relações diretas com o crescimento econômico.
Elevação do volume de crédito com redução de juros, como prevê o PAC, e melhorias no ambiente de investimento casam muito bem com a teoria keynesiana de investimento agregado (em que o investimento, na demanda agregada, é função da taxa de juros e do ânimo dos empresários). Mas deve-se lembrar que a teoria keynesiana é de CURTO PRAZO. Ou seja, deve fazer efeito durante um certo período de tempo. O investimento (e o conseqüente crescimento econômico) de médio prazo depende da dotação tecnológica da economia, e no longo prazo, depende da qualidade das instituições dessa economia. Contudo, produção tecnológica e avanços institucionais não estão sendo contempladas pelo PAC.
Falando em instituições, as medidas tributárias adotadas pelo plano são positivas no sentido de geração de empregos, pela desoneração de setores que empregam grande quantidade de mão-de-obra em suas atividades (micro e pequenas empresas e setor de construção civil). Porém, seu efeito sobre o agregado da economia é dúbio. As novas medidas se somam a milhares de outras normas tributárias aprovadas todos os anos no Brasil, que acabam por confundir a iniciativa privada e desestimular investimentos de risco mais elevado.
As medidas fiscais tomadas para os próximos anos tentam controlar o déficit público brasileiro com um controle de crescimento da gastos somado com um elevado crescimento econômico, o que elevaria a capacidade tributária do Estado e diluiria os seus compromissos financeiros em seu orçamento total. Porém, tais medidas já estão levando em conta que o PAC terá efeitos de longo prazo na economia brasileira, o que não é, nem de longe, um consenso entre os economistas. E além disso, a redução do superávit primário de 4,5 para 2,5%, proposto por Dilma Rousseff para financiar os investimentos do plano pode ser perigosa para a confiança dos investidores, caso a economia internacional passe por alguma turbulência nos próximos anos, além de desacelerar a queda no endividamento público como proporção do PIB.
Em resumo, pode-se notar que, se os investimentos do PAC forem bem administrados e executados, o programa pode ter efeitos positivos de curto prazo sobre a economia brasileira, pelo estímulo a investimentos e pela melhoria de infra-estrutura. Todavia, o plano peca por não levar em conta aspectos significativos e fundamentais para o crescimento econômico de médio e longo prazo para o país, o que envolveria estímulo a atividades de pesquisa e denenvolvimento de novas tecnologias, melhoria dos quadros de educação no país, redução dos custos de transação para os investimentos produtivos no país (o chamado "custo Brasil"), a simplificação do sistema tributário nacional em uma profunda (e, principalmente, definitiva) reforma, e melhoria dos quadros institucionais da economia nacional, como forma de tornar investimentos de longo prazo de maturação, como as obras de infra-estrutura, atraentes para a iniciativa privada, deixando o Estado mais livre para usar os seus recursos em benefício da população mais carente.
Além disso, é óbvio que, se por acaso o PAC tiver conseqüências inflacionárias, o plano será imediatamente abortado, e o Banco Central responderá com aumentos da taxa de juros. Pois, sendo a inflação extremamente desfavorável para as pessoas de baixa renda, que não podem investir em ativos reais para se protejer, o governo federal certamente preferiria manter a sua base de sustentação eleitoral do que insistir nos experimentos de sua equipe econômica.
Por último, parece haver uma excessiva centralização de competências públicas no que diz respeito ás obras de infra-estrutura do PAC. Como diz a teoria do federalismo fiscal, os gastos e investimentos públicos podem ter a sua eficiência elevada se executadas por governos locais, e não apenas do governo federal, principalmente porque esses governos estão mais próximos de seus cidadãos eleitores, e tem maior volume de informações sobre as necessidades econômicas de suas regiões, diminuindo assim os custos dos investimentos.
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