No meu aniversário de 23+1 anos de vida, ganhei do pessoal da minha república estudantil um livro chamado "A Economia do Ócio", de Domenico de Masi, incluindo textos de
Paul Lafargue e
Bertrand Russell. Bastante apropriado para meu monótono quarto semestre de Mestrado, aliás.
Já li cerca de metade do livro, e um capítulo me chamou muito a atenção. O título é "A Cultura do Ócio", escrito por Russell em 1932, e
facilmente encontrado na Internet. Em resumo, o autor estabelece uma relação entre duas concepções para a importância do conhecimento (principalmente, da educação e do estudo) para as pessoas. De um lado, está o conhecimento utilitário, vigente desde meados do século XIX, com a segunda Revolução Industrial, baseado nas questões práticas e aplicadas, focando da qualificação profissional e técnica. De outro lado está o conhecimento como um fim em si mesmo, voltado unicamente para a satisfação da curiosidade humana e individual, predominante na Antiguidade Clássica e a partir do Renascimento.
Em relação ao conhecimento "utilitário", este é bastante conhecido entre a comunidade econômica. Relaciona-se diretamente ao que Gary Becker e Robert Lucas chamam de "capital humano", isto é, os investimentos que os indivíduos realizam na sua produtividade individual (ou familiar), ausentando-se do mercado de trabalho durante certo tempo para buscar qualificação. Assim, há uma redução de renda e bem-estar no curto prazo, em troca de maiores rendimentos no longo prazo. Explicitamente, esse modelo supõe que o ensino recebido é pró-trabalho, isto é, é qualificação profissional. Esse tipo de educação, de fato, melhora a qualidade da mão-de-obra, eleva a produtividade e permite que os indivíduos obtenham melhores salários. Por outro lado, uma população melhor qualificada está mais apta a trabalhar de acordo com inovações tecnológicas e organizações produtivas cientificamente modeladas, o que incentiva investimentos e acelera o crescimento econômico. Isso é empiricamente indubitável.
Por outro lado, como Russell expôs no seu livro, e como todos economistas já sabemos, o trabalho não é tudo na vida. A cultura do trabalho, para o autor, que vem crescendo sobre o mundo e as mentes das pessoas desde o Iluminismo (meados do século XVIII) não significa outra coisa além da submissão dos interesses, das ações e da própria felicidade dos indivíduos a objetivos coletivos. Em outras palavras, essa é uma cultura que impõe moralmente que a energia individual deve ser guiada para a contribuição econômica para a sociedade, e não para o bem-estar individual. Mas essa maneira de se ver o mundo é incompleta, e tende a criar massas de pessoas alienadas, neuróticas, rabugentas e, conclusivamente, infelizes. E isso que ele escreveu o livro em 1934, muito antes de inventarem o
spam na caixa de e-mail, aulas ministradas por
slides de Power Point e a lentidão da Internet.
Por isso, se os indivíduos têm curiosidade inata sobre o mundo e sobre si mesmos, não há porque criticar moralmente, ou mesmo impedir, que eles busquem educação para isso. Isso é o que Russell denominou de "educação para o lazer": a busca de conhecimento para a a formação de cultura, ou seja, para a felicidade imediata, incluindo assuntos como a linguística, as artes, a astronomia, a história, entre outras. Em termos econômicos, poderia se chamar de "bens humanos", em detrimento de "capital humano", ou mesmo de "capital do lazer". E além, de propiciar a busca da felicidade individual, a educação para o lazer tem virtudes coletivas, ou em termos econômicos, traz consigo externalidades positivas. Para Russell, pessoas instruídas aprendem a ter prazer na observação e admiração pelo mundo e pelas belas obras, e também na reflexão individual. Por outro lado, pessoas não-instruídas tendem a associar seu lazer a atividades auto-destrutivas e à violência em geral. Portanto, uma sociedade formada por indivíduos cultos tende a ser uma sociedade mais tolerante e menos violenta do que seria de outra forma. Citando o autor (RUSSELL, 1934):
"O mundo de hoje está cheio de grupos egocêntricos e radicais, incapazes de ver a vida humana como totalidade, e muito mais dispostos a destruir a civilização do que a ceder um milímetro em suas posições. Para esse tipo de estreiteza não há quantidade de instrução técnica que sirva de antídoto. Como se trata de uma questão de psicologia individual, o antídoto há de ser encontrado na história, na biologia, na astronomia e em todos os campos de estudo que, sem destruir o amor-próprio, permitem ao indivíduo ver a si mesmo numa perspectiva justa. O que se necessita não é de tal ou qual informação específica, mas do conhecimento que inspire uma concepção da finalidade da vida humana como um todo: arte e história, familiaridade com a vida das pessoas heróicas, além de um certo entendimento da posição estranhamente acidental e efêmera do homem no cosmos - tudo isso permeado do sentimento de orgulho daquilo que é distintivo do ser humano: o poder de ver e conhecer, de sentir com a magnanimidade e de pensar com entendimento. É da combinação do discernimento amplo com a emoção impessoal é que brota a sabedoria."
Enfim, o livro me deu uma coisa que há muito tempo vinha procurando. Há uma racionalidade econômica em estudar apenas pela curiosidade, como eu sempre fiz desde que iniciei minha vida acadêmica.