Esse post é inspirado em um que o Thomas escreveu em seu blog de crônicas faz algum tempo. Passei muitas horas pré-sono nesses últimos meses catando memórias nas profundezas da minha mente para escrever o presente texto. Por via das dúvidas, vou abreviar o nome de todas as crianças citadas, já que muitas delas mudaram bruscamente de comportamento ao despertar da adolescência, e perdi o contato com elas - voluntariamente ou não. Em relação aos professores, os nomes seguem corretos, como uma forma de homenagem de um ex-aluno 20 anos depois.Freqüentei o jardim-de-infância nos anos de 1989 e 1990 no Colégio Anchieta, em Porto Alegre. O Anchieta era (e ainda é) um dos colégios da elite da cidade, como já devo ter me referido em outros posts nostálgicos. Contudo, para crianças de cinco a seis anos de idade, isso não chega a influenciar seus comportamentos. O prédio das crianças dentro do coégio fica bem na esquina da avenida Nilo Peçanha com a Tomás Gonzaga, era fechado, e consistia em uma grande bloco de um andar e dois pátios - um com brinquedos e outro com um campo de futebol.
Me lembro claramente dos três professores que tive nessa época. A professora de quase todas as atividades escolares nos dois anos - basicamente desenho e introdução às letras - se chamava Gianinni, já que o seu pai tocava guitarra (me lembro claramente dela contando essa história). Era uma professora bastante paciente com as crianças, ainda que, nos momentos mais críticos da natural algazarra característica de coletivos infantis dessa idade, mandasse os alunos mais bagunceiros para passar uns minutos com os bebês do maternal. Era uma solução eficiente, já que as crianças de 5,6 anos tinham pavor de ser chamados de bebês (eu próprio não tolerava que chamassem o bloco do jardim-de-infância de "prédio dos pequenos"; preferia que chamassem de "prédio dos 'médios'"). O professor de educação física se chamava Celso, e dava aulas para várias turmas até a quarta série do Ensino Fundamental. Ensinava, em síntese, as crianças a participar de brincadeiras de grupo, obedecendo as regras. Por fim, a professora de música se chamava Zênia (ou "Tia Zênia", para os alunos), que deixava as crianças brincar com os instrumentos, ensinava a cantar, estalar as línguas de maneiras que eu já não consigo fazer mais e dançar canções folclóricas gaúchas.
Um dos meus melhores amigos da época era o M1. Tal como eu, ele já tinha chegado no primeiro ano do jardim sabendo as letras e ler palavras soltas. Tal como me ensinaram os textos do Eric Hanushek quase 20 anos depois, isso aconteceu sobretudo porque tanto ele como eu éramos os filhos mais velhos de nossa geração nas famílias. Por isso, éramos companheiros de jogos um pouco mais complexos do que a média para idade, tais como alguns jogos de memória em que cada par consiste em uma figura e seu substantivo escrito.
Outro amigo meu era o M2, que compartilhava comigo seu gosto por aviões e seu sonho de se tornar piloto quando adulto. Também me lembro que ele morria de medo de abelhas, marimbondos e zangões, a ponto de gritar como se atuasse em filmes de terror à simples visão de um desses animais. Contudo, por ser fisicamente menor do que qualquer outra criança da turma, e ser um pouco mais "lento" do que o resto, algumas vezes ele era esnobado pelos outros alunos, sobretudo pelo M1.
Eu também gostava, na época, de colecionar figurinhas adesivas dos jogadores de futebol do Campeonato Brasileiro (inclusive, ainda tenho um álbum completo desses na casa dos meus pais, em Porto Alegre), e meus companheiros nesse hobby eram os inseparáveis FE e B. Ambos tinham um outro hobby, aliás, que era o de vandalizar os trabalhos expostos pelas crianças menores. Eles eram os mais bagunceiros da turma, e os maiores freqüentadores da sala do maternal, conseqüentemente. Outra história que me lembro dessa dupla foi quando eles chamaram uma boa quantidade de colegas para mexer em um formigueiro que ficava embaixo de uma grande pedra, em um canto do pátio atrás das moitas que são vistas na foto acima. Todas as crianças ajudaram a escavar debaixo da pedra, que pôde ser removida e o formigueiro foi assim exposto. As formigas eram aquelas grandes e pretas de jardim, que não mordem. Todavia, para o pânico geral da criançada, saiu do meio do formigueiro um enorme escorpião de cor branca-esverdeada, que fez todos correrem para junto da professora.
Outra divertida história dessa dupla implacável foi quando eles quiseram brincar de fazer esculturas de argila usando o barro formado pela água da chuva, para o desespero das professoras e das faxineiras da escola.
Na época, eu praticava um esporte radical. Esse esporte era simples: uma criança rodava o brinquedo "
gira-gira" até que girasse bem rápido, e todas as demais crianças pulavam em cima dele tentando se agarrar nos bancos e sentar com o troço em movimento. Quem não fosse ágil o suficiente, "picava" nos bancos de madeira e era arremessado para longe. Pessoalmente, quebrei quatro dentes assim, as pontas dos quatro caninos. A turminha da pesada que praticava esse esporte consistia, pelo que eu me lembre, no GH - o maior e mais forte guri da turma, que costumava girar o brinquedo - o GE - que permaneceu como um dos meus melhores amigos no colégio até o primeiro ano do Ensino Médio - e os gêmeos FR. e L.
Aliás, o GH, ainda que muito maior que qualquer outra criança da turma, nunca foi um
bully; era bem bonachão. Todavia, em uma brincadeira mais perigosa de luta, me lembro que ele mandou eu e o M1 juntos para a enfermaria da escola com galos na cabeça. Por outro lado, ele era um dos poucos guris que brincava de "casinha" com as gurias, no papel de "pai". Mesmo assim, o seu tamanho físico era suficiente para que não perdesse respeito perante os demais homens da turma (naquela fase da vida acontecia a "guerra dos sexos" nas turmas de amigos - meninos e meninas se misturavam pouco).
Um colega mais "violento" que tinha era o T. Ele costumava convocar os guris da turma para fazer brincadeiras "sem-noção", tais como cavar buracos ao final da rampa do escorregador, cravar pedaços de pau no fundo e tapar com areia peneirada. Depois do "trabalho", ríamos até não poder mais com a primeira criança que descesse o escorregador e mergulhasse em uma piscina de areia fofa, não conseguindo sair sem a ajuda da professora. Ele era muito próximo do FE. e do B., inclusive em relação a punições perante a professora.
Até aqui só falei dos meus amigos na época, mas as coisas não eram tão simples assim. Havia rivalidade com as crianças das outras duas turmas que dividiam os pátios conosco. Ambas as turmas eram mais hierarquizadas, isto é, tinham "panelinhas" de crianças com seus líderes. Em uma dessas turmas, a panelinha era bastante extensa, e o líder se chamava S. Eles eram os "donos da bola", dominavam o campo de futebol e não davam trégua a quem ficasse no seu caminho (eles nunca brigavam fisicamente, pelo que eu me lembre, apenas usavam a pressão da força em números). Por isso, eram odiados por toda a minha turma, sobretudo por mim e pelo M1. A outra turma tinha uma panelinha menor, e era liderada por uma
menina-mano (que não eram raras no meu colégio durante toda o período de infância até o início da adolescência, ali pela sexta série) chamada FO. Eu me lembro que ela brincava e se comportava como um menino, e, apesar da baixa estatura, tinha uma força física avatajada, capaz de superar qualquer guri que se metesse com ela. Exatamente por esse motivo, a possibilidade de apanhar de uma guria, fazia com que os homens da minha turma nutrissem um sentimento misto de rancor e medo dela.
De um modo geral, foi um tempo muito agradável da vida. As crianças têm as suas travessuras e maldades, mas nada nunca rompeu a fronteira do que é esperado para a idade. Não me lembro de ter presenciado nenhuma agressão física no colégio nessa fase, apenas brincadeiras de luta que podiam terminar em acidentes. Além disso, a panelinha do S. não confrontava as outras crianças por diversão, apenas tomavam os brinquedos que queriam usar e o campo de futebol quando queriam jogar. E a FO nunca começava as confusões, apenas se defendia quando alguém a provocava. As "avacalhações" entre as crianças não chegavam a ser cruéis (mesmo quando se tratava dos planos do T., a crueldade estava mais na concepção das travessuras do que no seu resultado final), apenas adivinhações bobas do tipo:
- "Diz quatro."
- "Quatro."
- "Olha o teu retrato!" (e mostra a imagem de algum animal)
Acredito que o nível de comportamento geral dos alunos do colégio passa a ser negativo no despertar da puberdade e no início da adolescência, ali pela quarta série. Nessa fase da vida, os alunos passam a rejeitar sua condição de infância e a competir por popularidade, respeito e, no caso dos meninos rio-grandenses, a necessidade de demonstrar virilidade. A partir daí é que a sociabilidade no colégio começa a ficar estressante para muita gente.