Uma das coisas que mais marcou o final da minha infância (ou início da adolescência) foi a popularidade dos livros-jogos individuais de RPG da série "Aventuras Fantásticas", publicados pelos autores britânicos Steve Jackson e Ian Livingstone. Durante os anos de 1994 e 1995, os livros viraram uma verdadeira febre entre os jovens, e seus cerca de 30 volumes tornaram-se ítens de coleção. O jogo, basicamente, consistia no uso de uma planilha de dados do jogador (o leitor), dois dados, e uma numeração dos parágrafos do livro. O leitor começa a ler no primeiro parágrafo, e de acordo com uma série de escolhas e decisões que tomava ao longo da leitura, era encaminhado para parágrafos seguintes, podendo fazer com que a história se desenrolasse de diversas maneiras distintas.
O livro "As Guerras de Trolltooth", de Steve Jackson, é um romance (nada de RPG), inspirado nas histórias apresentadas nos livros-jogos. Tudo se passa em um fantasioso mundo de Titan, mais especificamente, no continente de Allansia. O lugar é um ambiente medieval, habitado por uma infinidade de raças humanóides alinhadas com o bem (homens, anões, elfos) ou com o mal (orcs, goblins, trolls, ogros, mortos-vivos), que controlam cidades-estado isoladas, e em permanente estado de guerra entre elas. Nesse mundo, a magia está presente, e os maiores feiticeiros conquistam muito status e poder político. Em resumo, é uma cópia descarada da "Terra Média", o mundo da trilogia "O Senhor dos Anéis", inspirada nas lendas anglo-germânicas arcaicas.
A história que se passa no livro é simples. Uma disputa sobre a posse de ervas com propriedades mágicas (chamadas de Cunnelwort) opõe dois dos mais diabólicos feiticeiros de Allansia: Balthus Dire, senhor-da-guerra suserano de uma infinidade de tribos de humanóides e monstros "do mal", e Zharradan Marr, necromante com poderes sobre seres morto-vivos e criaturas espirituais. Preocupado com o desfecho da iminente guerra, o rei do reino "do bem" de Salamonis envia um guerreiro merceneário chamado Chadda Darkmane para garantir que os dois lados percam, de modo que não haja a possibilidade de surgir um império "do mal" nas proximidades do seu reino. Darkmane se torna o herói da história, e forma uma Sociedade do Anel, quer dizer, um grupo de aventureiros incluindo o elfo-anão Chervah, a feiticeira Lissamina e o mercenário Jamut Mantrapper, para assassinar os dois feiticeiros.
A narrativa ocorre por duas frentes. O autor alterna capítulos descrevendo as estratégias de guerra entre os dois exércitos, e o seu desenvolvimento e impacto sobre a vida dos humanos residentes na região de disputa, com capítulos em que Darkmane viaja por diversas regiões de Allansia para conseguir ajuda para traçar um plano eficiente de eliminar seus dois alvos. No entanto, achei tudo muito monótono, a não ser pelos três últimos capítulos, em que o plano de ação finalmente é executado. A descrição das guerras mágicas e monstruosas tem certa dose de criatividade (aborda as questões puramente estratégicas de maneira mais profunda do que no Senhor dos Anéis), mas exclui a possibilidade de qualquer leitor que não esteja familiarizado com as características das criaturas presentes, isto é, que não seja um jogador de RPG ou leitor do Senhor dos Anéis, entender o que se passa. Por outro lado, a jornada de Chadda Darkmane e seu grupo pelos feudos de Allansia me parece totalmente aleatória, a não ser pelos últimos capítulos do livro, quando se torna interessante. O autor pareceu mais interessado em descrever lugares e criaturas grotescas, presentes nos seus livros-jogos, do que com uma trama coerente. Por fim, existem demasiados personagens e enredos paralelos à guerra e à jornada de Darkmane, cujo desfecho não é claro ao longo do livro. Isso toma o espaço dos temas principais, o que atrapalha a compreensão da história, principalmente porque o livro de um formato de pocket book e tem menos de 300 páginas.
Em suma, sinto que já estou meio velho para esse tipo de leitura. Mas valeu a pena ter adquirido no Beco dos Livros, no Centro de Porto Alegre, só para matar as saudades da infância. E ler alguma coisa que fuja do ciclo economia-pobreza-educação-econometria-metodologia só me faz bem.
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Há uma hora
2 comentários:
Estava procurando algo a respeito do mundo de Titan e me veio à cabeça esse que foi o 1º livro que li da série Aventuras Fantásticas e dessa forma achei seu blog. Gostei tanto desse livro que comprei até a continuação (seria mais uma segunda aventura) chamado "Demonstealer" ;também já tive em minhas mãos vários livros jogos da mesma série e até o livro-mestre "Titan". RPG também é cultura.
Assim como o amigo Anônimo, também achei o seu blog por meio da busca do Google ;li e reli os citados livros (As Gerras..., Demonstealer e outros livros-jogos da dupla Jackson-Livingstone e foram pra mim uma introdução bastante significativa no mundo do RPG. Hoje os tenho - quase todos - em formato .pdf. Gostaria muito, um dia, que meus filhos tivessem o mesmo prazer que eu tive de conhecer essa riqueza que é o mundo do RPG.
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