Na semana passad, estive em São Paulo, onde participei do III encontro da Associação Keynesiana Brasileira. O congresso foi realizado na EESP/FGV, próximo à avenida Paulista, o coração financeiro do Brasil.
A faculdade de economia da FGV tem uma infra-estrutura que eu nunca tinha visto em uma universidade brasileira, tem a aparência de uma grande empresa. As salas são impecavelmente limpas, com cadeiras estofadas, mesas individuais para os alunos, projetor de Power Point e ar condicionado funcionando. Muito diferente de qualquer outra faculdade de economia que eu já tenha visto no Brasil (quem chega mais perto é a PUC-RS, em que fiz o exame da Anpec em 2006, e a UFMG). E o mais surpreendente é que cada sala de aula lá é patrocinada por alguma empresa de grande porte. Tipo assim: "Sala 2003 - Banco Itaú", e nessa sala teria uma pintura que faz propaganda para o Itaú cobrindo duas paredes inteiras. Isso pode parecer desconfortável para quem estudou a vida toda em universidade pública, mas para as instituições privadas, é uma maneira criativa de arrecadar fundos.
No primeiro dia do encontro, houve um mini-curso sobre os ciclos financeiros minskyanos, ministrado pelos norte-americanos Steven Fazzari e Thomas Palley, que, por sinal, eram os únicos estrangeiros do encontro, fora os latino-americanos.
Nos demais dias, ocorreram as apresentações dos trabalhos. Aproveitei para ver as seções em que tinham trabalhos sobre a Lei de Thirlwall (apenas um paper sobre isso, para meu espanto) e sobre a macroeconomia do bem-estar social, tema da minha dissertação de mestrado.
Sobre a lei de Thirlwall, a Daniela Carbinato (UFRJ) apresentou uma estimação da relação entre a estrutura da pauta de exportações e a restrição externa ao crescimento econômico brasileiro para o período 1962-2006. Para isso, ela desagregou em 10 grupos a proporção e a quantidade de ítens exportados e importados pelo país. O trabalho ainda está em processo de elaboração, mas me chamou a atenção de que o II PND elevou a taxa de crescimento potencial do produto brasileiro para cerca de 8,5% anuais em plena década de 80. Questionei esse cálculo, e me avisaram de que o modelo da autora não incluía o papel dos fluxos financeiros para a restrição ao crescimento.
Na minha seção, em que apresentei a parte teórica da minha dissertação de mestrado, a Roberta Guimarães (UFRJ) fez um estudo empírico que também procurou cruzar micro-dados com dados de desemprego e de desocupação para analisar o comportamento de problemas sociais. Ela empilhou PNADs de 1992 a 2005, com dados agregados por regiões metropolitanas, para procurar os determinantes da taxa de homicídos por 100.000 habitantes para os homens jovens brasileiros. Usando técnicas econométricas para painel, ela verificou que as variáveis mais significativas são exatamente a proporção de desempregados e de ociosos em cada metrópole ao longo do tempo. O papel do mercado de trabalho foi superior inclusive ao da renda (já que a violência cresceu junto com o PIB brasileiro no período), ao da desigualdade e da favelização. Acho que, com algumas correções e observações, esse artigo dará uma boa publicação.
De resto, fui acompanhar os trabalhos dos meus amigos do Cedeplar/UFMG, como o Luís, o Fabrício, o Marco Flávio, o Raimundo, a Vanessa e a Ana Tereza. Também conheci um leitor do blog, que faz mestrado na Unicamp e estuda economia industrial.
De um modo geral, vi que os trabalhos estavam bastante diversificados (ao contrário do primeiro encontro, em 2008), a preocupação com a fundamentação teórica e empírica era evidente na maior parte dos artigos, isto é, se aproximavam de programas de pesquisa no sentido lakatosiano do termo. Noto que, um ano afastado da Universidade, já não tenho muito ânimo para acompanhar papers que buscam destrinchar algum determinado conceito da Teoria Geral e suas interpretações e desinterpretações pelos macroeconomistas posteriores. Além disso, argumentos de que a baixar a taxa de juros e desvalorizar o câmbio são políticas para o crescimento de longo prazo sem riscos inflacionários não me convencem. Continuo acreditando que o Brasil tem problemas estruturais - sociais e econômicos - mais importantes do que esses. Por outro lado, vi que muitos dos presentes no encontro, incluindo o Nakano e o Bresser-Pereira nas sessões especiais, defendem a reforma fiscal que substitua gastos correntes por investimentos pelo setor público brasileiro, e a adoção de mecanismos de controles de capitais para evitar contágios de bolhas financeiras externas na economia doméstica. Nesses casos, concordo com os argumentos, mas ainda quero saber como fazer isso com eficácia. Por fim, vi que muitos dos participantes apontam o déficit público como a causa das altas taxas de juros praticadas pelo Banco Central. Até mesmo o professor Nakano defendeu o congelamento dos gastos correntes do governo federal para que a taxa Selic possa ser reduzida sem pressão sobre os preços. Ou seja, felizmente o argumento da "vontade política para conduzir a política monetária" parece ter perdido espaço na heterodoxia brasileira.
Em resumo, a AKB reuniu, em geral, jovens pesquisadores (ao contrário da SEP) dispostos a defender suas teses utilizando métodos lógicos e empíricos para isso, deixando a retórica da boa vontade de lado, e, principalmente, capazes de aceitar críticas e sugestões aos seus trabalhos. Posso não concordar com muitas das hipóteses levantadas nos trabalhos que assisti, mas sei que renderão bons frutos aos seus pesquisadores.
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