O que dizer de um dos maiores clássicos da história do rock? É simplesmente uma obra-prima da técnica musical.
Vamos contextualizar historicamente: o ano é 1970. O mundo vive a euforia do paz e amor, a ideologia hippie, globalmente difundida por astros como os Beatles, Simon & Garfunkel e Janis Joplin. Porém, em uma cinzenta e fria cidade industrial do interior da Inglaterra - Birmingham - quatro jovens muito pobres, sem ter muito o que curtir na vida, também resolvem fazer o seu som. Só que, ao invés de tocar o alegre rock'n'roll e o suingado rythm'n'blues, que eram os ritmos mais populares na época, os quatro rapazes preferem expressar os seus sentimentos no ritmo triste do blues, com infuência marcante dos riffs de guitarra pesados, à la Jimmy Hendrix. "O Black Sabbath veio para acabar com essa porcaria de paz, amor e felicidade", disse uma vez John "Ozzy" Osbourne, vocalista da banda.
São raros os compostitores (e artistas em geral) que conseguem fazer da sua própria criatividade um novo estilo de expressão. E o Black Sabbath, com o mix entre blues, rock'n'roll e guitarra pesada que se consagraria nos discos posteriores, muito mais do que ter fundado pessoalmente o Heavy Metal como estilo musical, tornaram-se os ícones de um novo estilo de vida, uma espécie de resistência melancólica à euforia dos anos 60 e 70.
O primeiro disco do Black Sabbath, com o mesmo nome da banda, foi gravado em 1970, e conta com grandes destaques dentro do universo não apenas do rock pesado, mas de toda a música popular contemporânea internacional. O disco começa com sons de chuva e sinos, entrando em seguida um riff lento e pesado, clássico pela sua simplicidade (mizão, mi um oitavo acima e slide entre lá sustenido e lá). A música, em seguida, torna-se mais lenta e com ritmo abafado, enquanto Ozzy Osbourne canta descrevendo, de maneira sombria e melancólica, um ritual satânico. Essa é a música Black Sabbath, inspirada em um filme de terror, que deu nome à banda e ao disco.
A segunda faixa é The Wizard, um blues quase alegre, comparando com as demais faixas do disco. A frase de gaita de boca tocada por Ozzy Osbourne tornou-se famosa, assim como os solos de Tony Iommi. Nessa faixa é bastante notável a criatividade rítmica do baterista Bill Ward, fazendo batidas não-convencionais para o rock e o blues da época, o que se tornou uma das marcas registradas da banda.
O disco prossegue com Behind the Wall of the Sleep, um blues com melodia psicodélica, e que conta a história de uma flor cujas "pétalas tem um estranho poder", provavelmente inspirada na heroína. A música tem uma base de guitarra bastante agradável de se ouvir e de se tocar, e ainda conta, no final da faixa, com um solo de baixo de Geezer Butler.
A quarta música é N.I.B., um rockzão com um riff de guitarra muito pesado (a distorção usada pelo guitarrista Tony Iommi, de equipamento muito antigo, dá um chiado bastante característico à musica). A letra não é nada menos que uma declaração de amor de Lúcifer a uma mulher. O rock'n'roll continua com Evil Woman, a música mais simples do disco.
Mas o grande destque do álbum são a sexta e a sétima faixas (Sleeping Village e The Warning), que são emendadas uma na outra. Sleeping Village começa com um dedilhado acústico, e com quatro versos cantados tristemente por Ozzy Osbourne. Os demais três minutos de música são puras demonstrações de técnicas de guitarra por Tony Iommi. A última frase de guitarra da música já emenda em The Warning, que é um blues de bela melodia, e com a letra mais sentimentalmente profunda do disco. Essa faixa, diga-se de passagem, tem nada menos que onze minutos de música, sendo que três de versos cantados, e oito minutos da pura criatividade De Tony Iommi e Bill Ward, demonstrando sua perícia em riffs de guitarra pesados, solos com grande harmonia, e influências do blues, do rock'n'roll de da música country, ao passo que o baterista parece sempre inventar novos ritmos e batidas. Tudo isso pode parecer normal, se não fosse o fato de que os integrantes da banda tinham em torno de vinte anos quando compuseram isto! E ainda, como Tony Iommi havia perdido as pontas dos dedos em um acidente, toca usando próteses de metal, o que dá uma sonoridade toda especial aos seus trabalhos. É de uma perícia e uma criatividade musical indescritível, nunca igualada no rock internacional posterior (mesmo os guitarristas com formação de música clássica, como Yngwie Malmsteen não possuem o mesmo feeling sentimental de Tony Iommi, e nem a sua personalidade).
A última faixa é Wicked World, a mais rápida do disco, e que conta com um vocal estranho do Ozzy, muito mais agudo que o natural.
Depois desse disco, o Black Sabbath continuou misturando blues com rock e guitarras sujas, mas cada vez mais se orientando em direção a um estilo próprio, pesado, melodioso e com batidas alternativas, que foi denominado Heavy Metal pela crítica, em homenagem às antigas cantigas de guerra do exército britânico. No final dos anos 70, o heavy metal recebeu influência do punk rock, e tornou-se rápido (estilo Iron Maiden e Judas Priest) como conhecemos hoje em dia, ao passo que no início dos anos 80 fundiu-se com o glam rock, e tornou-se bem mais comercial e alegre (exemplo clássico é a carreira solo de Ozzy Osbourne). Em reação ao glam rock, surgiu nos Estados Unidos o trash metal, liderados pelo Metallica, bem mais pesadão, que vigorou até cair no ostracismo do final dos anos 80. Na década de 90, quem dominou (e ainda domina) é o metal melódico europeu, com um mix de rock pesado e música clássica, ao passo de que nos Estados Unidos predomina o new metal, influenciado pelo rap.
Ou seja, quase quarenta anos se passaram e o heavy metal mudou muito. Mas nada que se compare à criatividade dos quatro rapazes pobres e desempregados de Birmingham que queriam montar uma banda de blues para cantar suas tristezas.
OBS. Eu comprei esse disco em Janeiro de 2003, por 10 reais em uma liquidação na Multisom de Torres. Baita sorte.
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