Os resultados das últimas eleições já são de conhecimento público, devido à ampla divulgação por parte dos meios de comunicação. No entanto, senti falta de um estudo mais aprofundado no que diz respeito à trajetória de longo prazo da dinâmica política municipalista brasileira. Assim, peguei dados em fontes da internet como o Terra.com e o TSE e tracei um gráfico indicando o número de prefeituras conquistadas pelos principais partidos políticos brasileiros, a partir das eleições de 1996 (não encontrei dados mais antigos). O resultado foi o seguinte:
A imprensa muito bem destacou a expansão do PMDB, a retração do PSDB e do DEM e a inflexão, com tendência à convergência assintótica, dos demais partidos da base aliada do governo (PT, PTB, PP). Contudo, em uma visão em um prazo mais longo, é possível tomar conclusões mais robustas. Em primeiro lugar, o crescimento do PMDB significou uma suavização da trajetória de queda que o partido mantinha desde 1996, mesmo se mantendo no topo do ranking de número de prefeituras. Em segundo lugar, a estabilização dos demais partidos aliados do governo federal revela uma tendência altista para o PT e o PR, e uma tendência de queda do PP, ao passo que o PTB mantém uma trajetória relativamente constante. Em relação ao PTB, sua estabilidade pode ser vista como negativa, já que o partido absorveu o PSD em 2003, sem que isso lhe acrescentasse novas prefeituras na eleição posterior.
Mas o fato que mais chama a atenção é a relação do desempenho nas eleições municipais com a posição de cada partido no governo federal. Como se pode ver, os partidos de oposição (PSDB, DEM, PPS) apresentaram os desempenhos mais negativos, sendo que os dois primeiros decaíram desde a primeira eleição sob o governo Lula (2004), enquanto que o último só perdeu espaço nessa última votação, em que já havia passado da posição de neutralidade para a oposição ao governo federal.
Para ter uma estimativa mais robusta sobre o impacto da participação no governo federal, tomei dados dos 14 partidos brasileiros com mais prefeituras, no que diz respeito à variação do número de eleitos em cada pleito como função da participação no governo federal e da sua posição ideológica. Escolhi apenas os partidos com mais de 40 prefeitos eleitos em 2008 porque sabe-se que os demais (a não ser os extremistas, que raramente elegem alguém) funcionam como siglas de aluguel, nascendo, crescendo, definhando e desaparecendo sem uma lógica econométrica aparente. As variáveis independentes são governo (participação no governo federal), com valor igual a um para os partidos da base aliada, e zero caso contrário; direita (ideologia direitista), com valor igual a um para os partidos identificados pelo eleitorado como de ideologia liberal (DEM, PSDB), conservadora (PP) ou religiosa (PR, PSC), e zero caso contrário; e esquerda (ideologia esquerdista), identificados pelo eleitorado como de ideologia social-democrata (PPS), trabalhista (PDT), socialista (PSB, PT, PMN), comunista (PC do B) ou ecologista (PV).
Adotei o método de regressão por dados em painel, que combina elementos de séries temporais com cross-section, isto é, as características de cada indivíduo (no caso, partido) ao longo do tempo, e estimei três modelos. O primeiro é o de mínimos quadrados ordinários empilhados, que considera cada partido em cada período como uma observação independente. O segundo é o de efeitos fixos, que controla as caracterísitcas individuais de cada partido pelas diferenças de sua média ao longo do tempo, mantendo um intercepto distinto para cada um. E o terceiro é o de efeitos aleatórios, que assume as características individuais como parâmetros a serem estimados mão-correlacionados com as outras variáveis independentes. O resultado encontra-se na tabela abaixo:
Devido à correlação entre os regressores e os efeitos fixos de cada partido, o teste de Hausman rejeitou a 5% o modelo de efeitos aleatórios. Como se pode ver, a participação do partido no governo federal contribui positivamente para o desempenho nas eleições municipais de maneira significativa nos três modelos.
Por outro lado, as questões ideológicas foram eliminadas do modelo de efeitos fixos, já que não mudaram ao longo do tempo estudado. Isto é, houve no período uma clara suavização dos discursos dos partidos de esquerda, assim como a transformação de um partido conservador (PFL) em um partido liberal (DEM), mas nada que indique uma mudança radical de posição ideológica. O que seria importante, nesse caso, seria a transformação do PSDB de um partido social-democrata em um partido liberal, mas isso ocorreu antes de 1996, e, portanto, não foi levado em conta neste estudo.
Por fim, foi percebida um crescimento dos partidos de esquerda nos governos municipais brasileiros, o que se manifestou no crescimento do PT, do PSB, do PC do B e até mesmo do PDT (que se supunha em processo de decomposição após o falecimento de seu líder histórico Leonel Brizola). Já o PPS perdeu muito espaço após se declarar de oposição ao governo federal. Parece que o eleitorado contrário ao governo Lula rejeita discursos esquerdistas, ainda que moderados. Portanto, espera-se que esse partido venha a perder importância no cenário político nacional, ao menos que mude radicalmente seu posicionamento, ou mesmo tente uma fusão com o PSDB, de ideologia mais próxima. O crescimento dos partidos de esquerda se manifestou, de acordo com que li em outras fontes, predominantemente nos municípios do interior dos estados, tradicionalmente governados por políticos conservadores. Por outro lado, isso foi acompanhado por uma relativa expansão do DEM sobre as regiões metropolitanas do país, especialmente na região Sudeste, tradicionais redutos da esquerda.
Os livros de 2024
Há 17 horas
Um comentário:
Martini,
Achei interessante essa tua idéia. Quanto à parte econométrica, não estou suficientemente seguro para discordar, mas quanto à parte "teórica", acho que existem alguns problemas, especialmente na tua classificação dos partidos dentro do contínuo ideológico. Me parece que esta parte - que é muito importante pois fundamenta a econometria da coisa toda - precisa ser melhor desenvolvida e fundamentada. Há outros pontos também que merecem alguns bons ajustes, mas tudo possível. O trabalho em si me parece bastante inspirador.
Dados mais completos podem ser encontrados aqui:
http://jaironicolau.iuperj.br/banco2004.html
Ali tem o número de prefeituras conquistadas por partido até eleições bem distantes.
Quem sabe a gente não dá uma trabalhada nessa tua idéia e fazemos alguma coisa em conjunto? Dá uma pensada!
Postar um comentário