Nesses últimos anos, uma das minhas maiores curiosidades intelectuais era sobre como a história é ensinada e compreendida nos países desenvolvidos. Aqui, na América Latina, a história é fundamentada por teorias coletivistas, como o marxismo, o estruturalismo e algumas teorias derivadas das concepções católicas de sociedade. Em resumo, nessa concepção, a ação individual é quase sempre inferior à ação social: os indivíduos são restritos pelas forças sociais do meio em que vivem, restrições essas que podem se manifestar por toda uma série de coerções ao comportamento individual. Portanto, o objeto das ciências sociais é sempre o meio social, sendo o indivíduo como um ser a parte posto em segundo plano. Mais especificamente, estuda-se como que minorias sociais utilizam essas instituições para dominar as maiorias. Nos países anglo-saxônicos, por outro lado, as ciências sociais têm a ação individual como fundamento de análise, particularmente, no caso da Economia, no caso das decisões racionais (racional choice) tomadas pelas pessoas. As instituições e os mecanismos de coerção social não são negligenciadas, mas são vistas como decorrentes das decisões dos indivíduos e daquilo que as determinam (interesses, valores, crenças). Acredito que os pressupostos de ambas correntes de pensamento são influenciadas pela própria história de cada região.
Portanto, achava que livros de história escritos por autores dessas duas linhas de pensamento fossem totalmente distintos. Contudo, não foi o que pareceu nesse livro. A linha de pensamento do autor, um australiano conservador, segundo a Wikipedia, é muito semelhante ao que vemos no Brasil. É claro, não há, nesse livro, um explícito posicionamento ideológico e de juízos de valor por parte do autor tal como vemos no ensino de história nas escolas (e cursinhos pré-vestibular) brasileiras. O autor não classifica os movimentos políticos e os grandes protagonistas da história como "bons" ou "maus" de acordo com suas ideologias, convicções ou finalidades. As pessoas incluídas em sua narrativa são vistas como competentes ou incompetentes em suas profissões, como a política ou a carreira militar, independentemente de suas idéias pessoais. Os únicos fatores vistos por Blainey como intrinsecamente bons são o crescimento econômico e o progresso tecnológico. Talvez o tom de "centrismo" presente em todo o livro esteja relacionado aos interesses da editora, que, por ter ganhos crescentes de escala (como acontece com boa parte do mercado de bens culturais), maximiza seus lucros vendendo ao maior número de leitores possível, de modo que é interessante para ela restringir comentários polêmicos de suas obras para não ofender e espantar algum potencial consumidor.
De resto, o livro é muito leve. Não há uma densa análise de causas e conseqüências de todos os fatos históricos, mas sim uma simples narrativa, que ora alterna entre o cotidiano da vida da média das pessoas de uma determinada sociedade (mas não entendida como uma estrutura de classes sociais antagônicas), ora descreve batalhas importantes, e ora alterna para descrever a biografia dos principais nomes do século XX (como Churchill, Roosevelt, Stalin, Hitler, Mussolini, etc.). Aprendi várias hipóteses muito interessantes sobre relações de causalidade entre fatos, ao longo do século:
* No início do século, havia um clima de otimismo na civilização ocidental em relação ao seu futuro, incluindo questões referentes a tecnologia, conflitos internacionais e desenvolvimento sócio-econômico. Esse clima foi duramente abalado pelas duas guerras mundiais e pela crise de 1929 e, desde então, os movimentos intelectuais ocidentais são fundamentados pelo ceticismo em relação as suas tradições e culturas.
* O resultado da Primeira Guerra Mundial foi conseqüência da produtividade industrial dos países envolvidos. Os aliados dos Estados Unidos ganharam a guerra, porque esse país era o mais produtivo. Mas, se os Estados Unidos tivessem mantido neutralidade, a Alemanha teria vencido a França e a Inglaterra, já que é mais produtiva.
* O Estado hebraico na Palestina começou a ser formado em novembro de 1917, enquanto a região era colônia britânica, como um agradecimento do governo desse país aos judeus russos aos seus esforços na Primeira Guerra, e uma proteção a perseguições por parte da Revolução Bolchevique.
* As metrópoles só tinham a enriquecer com o comércio com suas colônias, já que importavam bens primários e exportavam bens industrializados, de maior valor agregado. Certo? Errado! A maioria das colônias fora implantada com interesse puramente de estratégia militar, com pouca produtividade econômica, e o colonialismo teve o efeito de enfraquecer economicamente (já que implicava em custos burocráticos e de defesa) e militarmente (por espalhar as tropas dos países pelo globo) as maiores potências européias, França e Inglaterra, em relação aos emergentes Estados Unidos e Alemanha.
* A reforma agrária instituída por Stalin na União Soviética, por abolir o lucro do agricultor, desincentivou a eficiência da produção. Resultado: 10 milhões de mortos de fome, só no início da década de 1930.
* O pai de Mussolini era socialista. Sua mãe era católica devota, conservadora e tradicionalista. O fascismo foi uma mistura dessas duas ideologias (!).
* O resultado da Segunda Guerra Mundial foi decidido por duas decisões equivocadas. Primeiro, de Hitler exterminar os judeus e demais grupos capturados, ao invés de explorar sua mão-de-obra qualificada em trabalhos forçados. Segundo, do Japão bombardear Pearl Harbor, ao invés de invadir a União Soviética pelo leste.
* Israel venceu a guerra de 1948 contra seus vizinhos árabes com o apoio dos.. países comunistas europeus! O alinhamento com os Estados Unidos, assim como o alinhamento do Egito com a União Soviética só ocorreria mais tarde.
* A revolução cubana teve, em seu início, uma ideologia nacionalista. Porém, após o confisco de propriedades norte-americanas no país, e a conseqüente e lógica retaliação, Cuba acabou se tornando dependente da União Soviética, e teve que adequar o seu regime político para isso.
* Em 1967, o governo egípcio estatizou o canal de Suez, até então o principal acesso do petróleo árabe ao Ocidente. Isso incentivou mudanças tecnológocicas no setor de transporte marítimo de óleo: os navios tornaram-se maiores, para agüentar a rota marítima alternativa (pelo Cabo da Boa Esperança, na África). Quando o canal foi reaberto, 8 anos depois, os navios eram tão grandes que não passavam por ele, e sua importância para a economia mundial foi muito abalada.
* A revolução comportamental dos jovens de 1968 foi provocada principalmente pelo progresso econômico. O crescimento da renda das famílias no período pós-guerra permitiu que os filhos mais velhos mantivessem parte de seus rendimentos para consumo pessoal, além de contribuir com o sustento familiar, e isso revolucionou o mercado de entretenimento.
Gostaria de ver essas hipóteses testadas em papers. Outra hora eu procuro.
quarta-feira, fevereiro 04, 2009
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2 comentários:
Interessante..estou começando a me interessar por história agora só, 10 anos depois de terminar o terceirão.
Comecei por este livro. Até então estou achando muito bom.
Saberia me indicar um livro neste nível imparcial também, mas sobre história do Brasil no século xx?? Não quero perder tempo com doutrinação marxista.
Obrigado
Carlos,
Acho que livros de história não-marxista do Brasil são muito raros. Eu só conheço os livros de economia brasileira contemporânea.
Abs
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