Já faz algum tempo que eu tenho curiosidade em saber como os filósofos da atualidade explicam as questões fundamentais do seu ramo do conhecimento. Quem somos nós? Para onde vamos? O que sabemos? Eu gostaria muito de sabar se os filósofos atuais tinham idéias novas e pouco conhecidas pelo público que não é da área, se eles ainda estão muito ligados aos mestres do passado, ou se eles estavam imersos na pós-modernidade de negação da identidade objetiva e da verdade. Nesse sentido, esse pequeno livro do Nicholas Fearn respondeu muitas das minhas dúvidas: sim, existem muitos filósofos contemporâneos com novas respostas para as antigas questões.
O livro é dividido em 13 capítulos, agrupados em 3 sessões, “Quem Sou?”, que aborda a questaão da identidade pessoal, “Que Sei”, que aborda questões epistemológicas, e que “Que Devo Fazer?”, que aborda questões éticas, morais e sobre a vida após a morte. O autor utilizou, como método de pesquisa, entrevistas com os maiores filósofos vivos, a maioria norte-americanos, sobre o ponto de vista deles sobre os problemas filosóficos fundamentais. Esses filósofos seguem, em geral, a linha da filosofia analítica, predominante no mundo anglo-saxônico e escandinavo, segundo a qual a filosofia é vista como um ramo de conhecimento complementar à ciência. Isto é, o conhecimento científico é tido como válido e verdadeiro, e cabe à filosofia especular sobre as implicações ainda não demonstráveis e testáveis do que a ciência já provou. Por isso, muitas das “novas idéias” estão intrínsecamente ligadas à mecânica quântica, para explicações metafísicas, e à biologia evolucionista darwiniana, para explicar aspectos da natureza humana. Posso listar um breve resumo das idéias presentes no livro.
- A noção de que os indivíduos humanos têm uma identidade singular é decorrente do pensamento religioso ocidental. Não há nenhuma evidência de que isso ocorra. Pelo contrário, a existência de uma doença como o mal de Alzeihmer, em que as pessoas perdem suas faculdades mentais e sua racionalidade antes de perder sua vida é um forte argumento contra a existência de uma alma imortal no interior de cada ser humano. Por isso, a identidade individual é melhor explicada como um mero somatório de processos biológicos dinâmicos.
- Os seres humanos tomam decisões restritas por uma série de circunstâncias. O autor obviamente não fala na “restrição orçamentária”, já que o livro não é de economia, mas sim em restrições políticas, sociais, legais, cognitivas e biológicas. Por isso, a questão do livre-arbítrio é relativa: as pessoas são livres para agir dadas essas circustâncias, que acabam determinando as decisões das mesmas. Todavia, não há nenhuma forma de controle total exógeno sobre a racionalidade humana.
- Existe a verdade. Ela está na natureza das coisas. Contudo, não é certo se os seres humanos são capazes de alcançá-la, já que nossas capacidades cognitivas são limitadas e determinadas pela seleção natural darwiniana. Isto é, as habilidades dos nossos cinco sentidos decorrem de um processo evolucionário de adaptação ao ambiente em que vivemos, e não necessariamente são capazes de capturar toda a verdade universal, já que isso seria um desperdício de energia. Por outro lado, nada impede que seres de uma civilização extraterrestre sejam capazes de se comunicar com os mortos, por exemplo, se isso fosse necessário para que eles se adaptassem melhor ao seu ambiente.
- O conhecimento de cada indivíduo decorre de suas crenças, já que a verdade muitas vezes é inalcançável. Porém, essas crenças são criadas pelas ações e observações de cada um em relação ao mundo objetivo, e não de processos intrínsecos de revelações. A existência das linguagens é uma forte evidência a favor da objetividade das crenças.
- A necessidade humana de conhecimento filosófico pode ser explicado pela biologia evolucionária. Para uma melhora adaptação psicológica ao nosso meio, necessitamos de conhecimento que transceda aquilo que conseguimos observar, e que explique nosso papel no mundo.
- A filosofia pós-moderna da Europa Continental é falha por considerar os conceitos de verdade e de razão como conseqüência de intenções políticas, e não o contrário. Assim, como as intenções políticas são tidas como exógenas, não explicadas racionalmente, abre-se espaço para teorias totalitárias, místicas e românticas sobre a realidade. Por outro lado, o desapego à verdade e à razão tende a transformar os textos pós-modernos em coletivos de prolixidade vazia. Eu, pessoalmente, já suspeitava dessa idéia desde a disciplina de Introdução às Ciências Sociais, no primeiro semestre da graduação.
- Não há nenhuma evidência de que exista algo como uma ética universal à humanidade. Cada sociedade tem o seu código de conduta moral, que pode ou não ser expresso formalmente, em termos totais ou parciais, em leis. Nossas ações podem seguir ou se desviar do que achamos ético de acordo com as circunstâncias, isto é, do que ganhamos em transgredir a moral e da possibilidade de sermos descobertos e punidos. A moral religiosa, de que há um Deus que tudo vê e que determina o que é certo e errado, é fundamentalmente autoritária e coercitiva. Atualmente, há um processo social de abandono ao compromisso com a moral, laica e religiosa, isto é, as pessoas cada vez mais se preocupam apenas em seguir as regras formais de conduta.
- Também não há nenhuma evidência de que exista vida após a morte. A necessidade dela para explicar a finalidade da nossa vida terrena não é um argumento válido, pois então teríamos que descobrir qual seria a finalidade da vida após a morte. Na verdade, a possibilidade de entendermos a finalidade do “tudo” é limitada por não conseguimos delimitar o que é esse “tudo”. Ao contrário, o conhecimento humano progride mais na medida em que a realidade pode ser dividida em partes cada vez menores. Por outro lado, a crença na vida após a morte decorre do medo humano da não-existência, o que é conseqüência de uma estratégia racional evolutiva de auto-preservação.
Eu sei que tudo é muito polêmico, e os filósofos da tradição da Europa Continental, como a grande parte dos pensadores sociais brasileiros, têm seus argumentos de defesa e de contra-ataque. Além disso, afirmar que determinados fatores metafísicos não existem simplesmente porque não há evidências da ciência empírica ao seu favor parece refletir uma visão muito estreita de mundo. E ainda, a tentativa de fundamentar todos os aspectos da natureza humana de acordo com o evolucionismo darwiniano também tende a ficar demasiadamente ad-hoc, já que essa teoria foi construída para explicar a dinâmica das espécies em prazos muito longos, e não fenômenos sociais com poucos séculos ou mesmo décadas de existência. Mas o livro é leitura recomendada pelo seu papel desalienador, de fazer pensar.
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