De vez em quando, em momentos de solidão reflexiva, me pergunto qual foi o fato decisivo em minha vida que me deu o entusiasmo de estudar economia. E estou me referindo a realmente estudar economia, como poucos fazem, ao invés de apenas seguir o curso fazendo o menor esforço possível para se formar o mais rápido possível. Na minha memória, me lembro de três episódios logo no início da minha graduação que me serviram de inspiração para procurar, no estudo da economia, respostas para minhas dúvidas sobre o mundo.
O primeiro momento ocorreu no remoto primeiro semestre de 2002, quando cursava Introdução á Economia, no meu primeiro período na UFRGS. Nesse semestre, tive as mesmas impressões que todos os calouros em universidades federais têm: os professores cobravam muito e explicavam pouco, a carga de leituras era intensa e complexa, os professores demonstravam pouco interesse se os alunos conseguiam acompanhar as aulas, era impossível tentar estudar toda a matéria do semestre na véspora da prova, e por aí vai. No caso da Introdução à Economia, a matéria me parecia vaga demais, todas as idéias eram simplificadas demais e as equações lineares repletas de letrinhas que abreviavam as variáveis econômicas me irritavam. Além disso, a professora era radical de esquerda, e deixava isso claro em todas as suas explicações, o que deixava os alunos com medo de fazer perguntas que pudessem contrariá-la (e irritá-la). Nessas aulas, muitas vezes pensei em mudar de curso. Talvez se estivesse estudando engenharia, aprenderia conhecimentos mais sólidos. Talvez se estivesse estudando história, aprenderia diretamente assuntos que mais me interessavam no momento.
Contudo, no final do semestre, a professora passou um trabalho sobre desenvolvimento econômico. A bibliografia incluiu alguns textos do Celso Furtado, incluindo um capítulo de seu famoso livro sobre desenvolvimento. Naquele momento, realmente me entusiasmei com a discussão, e parei de pensar em mudar de curso: enfim tinha encontrado aquilo que mais gostaria de estudar. Daí para frente em minha vida acadêmica, respostas para as duas perguntas que fiz a mim mesmo quando terminei meu trabalho naquele semestre: afinal, por que alguns países são mais ricos do que outros? E por que realmente o Brasil é subdesenvolvido? A abordagem keynesiana do Furtado dava muita ênfase no papel do investimento industrial para o crescimento econômico, e a partir dela, esbocei na cabeça um protótipo (que hoje considero muito bizarro, por sinal) de uma monografia de conclusão de curso: O Modelo de Desenvolvimento Econômico da Prússia Bismarckiana e suas Lições para o Mundo Contemporâneo. Poucos semestres mais tarde abandonei essa idéia.
O segundo momento aconteceu no segundo semestre da graduação, durante a disciplina de Introdução à Ciência Política. Ao longo dessa disciplina, tive acesso à leitura da obra "Desenvolvimento como Liberdade", de Amartya Sen. Esse livro, que ressalta a importância do fator humano para o desenvolvimento econômico, e não tanto o investimento em capital físico (como fez Celso Furtado), me fez corrigir a primeira pergunta que levantei no semestre (e no parágrafo) passado: afinal, por que as pessoas vivem melhor em algumas economias do que em outras? Ao final do semestre, guardei o livro de Sen com muito carinho, e o referi e citei na minha dissertação de mestrado.
O terceiro fato decisivo também ocorreu no segundo semestre da graduação, durante a disciplina de Formação Econômica do Brasil. Em uma aula, o professor dividiu a turma em grupos, e pediu que cada grupo formulasse um modelo de desenvolvimento para a economia brasileira contemporânea para ser apresentado à turma. O que se viu, no decorrer da aula, foi uma "
bullshittagem" generalizada digna de políticos em campanha eleitoral: defesa de proteção à indústria nacional, aumento de gastos públicos, barreiras às importações, aumento de gastos públicos, política monetária para manter os juros os mais baixos possíveis, aumento dos gastos públicos, pacto social para resolver a desigualdade de renda, aumento exponencial do salário mínimo (já falei em aumento de gastos públicos?), etc. E o professor fez questão de destruir todos os argumentos de todos os grupos utilizando a lógica econômica: protecionismo não concentra renda sobre os proprietários de capital? Política monetária expansionista não pode acelerar a inflação?
Ao final dessa aula, saí da sala com o rabo entre a pernas, após ver tudo aquilo que acreditava indo para o espaço. Ainda comentei com um colega de grupo, que hoje faz mestrado em economia na UFRGS, "E aí, o que aprendemos na aula de hoje?", e ele me respondeu "Que não sabemos nada de economia.". Foi aí que caiu a ficha. Para saber mais sobre os fenômenos do desenvolvimento sócio-econômico, e ir além do discurso politiqueiro tosco, era preciso conhecer profundamente a lógica da teoria econômica. Era hora de enfiar a cara nos livros de microeconomia e macroeconomia. E assim tudo começou...