Após o colapso da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a transição dos países do leste europeu para o capitalismo, parecia que o pensamento dito "de esquerda" tradicional, pró-socialista, "vermelho", simplesmente sumiria dos meios acadêmicos e políticos em geral, sendo suplantado pelo pensamento liberal em termos mundiais (lembrando-se do "fim da história", pregado por Francis Fukuyama). Assim, o pensamento político mundial ficaria dividido entre uma direita clássica, defensora do liberalismo econômico, e uma nova esquerda, também liberal, mas mais em termos sociais do que econômicos, isto é, comprometida com o politicamente correto e com as liberdades e os direitos civis. Ambos os lados se alternariam nos governos de todos os países, sem comprometer as estruturas democráticas.
Porém, não foi isso o que aconteceu. Devido principalmente ao fraco desempenho econômico da Europa, América Latina, África e Oriente Médio a partir da década de 80, o pensamento de "extrema-esquerda", anti-capitalista, passou a ganhar cada vez mais força, não apenas nos círculos acadêmicos, mas principalmente pela militância popular. Chegou até mesmo a tomar o poder em países como a Venezuela de Hugo Chavez. Mas, que fique bem claro, completamente distinta do comunismo ortodoxo do século XX (a não ser pelo culto por parte dos militantes latino-americanos ao revolucionário pop-star Che Guvara).
O comunismo tal como se organizou na União Soviética, na China e no Leste Europeu, basicamente não se caracterizou apenas pelo totalitarismo político, como é corriqueiramente sabido, mas também pela absoluta racionalização do modo de vida da sociedade. Isto é, o socialismo científico buscava, pela ação do Estado central, o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico como objetivo de sua própria existência, abolindo-se qualquer pensamento religioso, metafísico ou espiritual que as culturas humanas naturalmente carregam a respeito de seu futuro e de seu destino (sua missão de vida, em termos mais simples). Assim, o planejamento econômico central era elaborado por complexos modelos matemáticos e matrizes de Leontief, e dirigidos com mão-de-ferro por burocratas de Estado com amplo conhecimento técnico. O mesmo ocorria para praticamente todas as áreas de atividade social presente no país, desde o esporte até a ciência.
Como todos já sabem, o socialismo científico caiu em função de suas próprias contradições. Ao invés de abolir as classes sociais e, com isso, tornar o poder do Estado desnecessário para garantir a ordem social, o comunismo dividiu a sociedade em novas classes sociais (sendo que os burocratas ligados ao governo eram, de longe, os mais privilegiados) e ampliou o poder do Estado em níveis monstruosos (literalmente o Estado Leviatã de Thomas Hobbes). Além disso, tornou-se óbvio que a sociedade e a economia não podem ser planejados com cálculos algébricos: cada indivíduo é um ser único, com seus próprios valores, e não mais um número em uma equação. Por isso, o nível de desenvolvimento humano e econômico nos países socialistas centrais é muito inferior do que os mesmos índices nos países capitalistas centrais.
A nova esquerda, surgida em meados da década de 1980, tem como pilares centrais de seu pensamento a utopia, o anarquismo (destruição da ordem social capitalista), a irracionalidade (no sentido de aproximar o pensamento político com sentimentos, não com teorias científicas). Tal pensamento, que eu chamo neocomunista, parece buscar, em síntese, o socialismo puro como foi concebido por Marx e Engels, isto é, a revolução e a luta de classes, sem pensar nas técnicas de planejamento público central exigido pelo regime comunista (alguém já viu algum militante do PSTU ou do PSOL carregando uma bandeira com um retrato de Leontief?). Ao invés da racionalização da sociedade (ou desencantamento do mundo), proposto pelo comunismo ortodoxo, o neocomunismo busca exatamente o oposto: a quebra das instituições, códigos morais e tradições sociais prevalecentes, sem apresentar nada definido em troca - apenas conceitos vagos como o "Bolivarianismo" de Hugo Chavez e o "Indianismo" de Evo Morales. Outro ponto importante do neocomunismo é, ao contrário de buscar construir uma sociedade ideal absoluta, como pregou Marx, dar maior valor às culturas locais, frente ao processo de unificação do comportamento social em todo o mundo.
Todavia, se o comunismo clássico fracassou devido a sua visão hiper-racionalista da sociedade, assim como por causa de seus paquidérmicos Estados nacionais, corruptos e ineficientes, o neocomunismo é frágil exatamente pelo oposto. Mesmo que não se possa comandar a organização da sociedade com cálculos matemáticos e matriciais, o caráter técnico é extremamente importante para uma melhor gestão de administração pública, assim como é o papel da educação para a população trabalhadora, capaz de elevar o potencial de produtividade laborial do país, assim como o de expandir a consciência de cidadania entre os membros da sociedade.
Já é hora de a esquerda internacional acordar de seus sonhos anárquicos-sentimentais para conceber uma nova idéia de organização política e institucional, capaz de aliar uma administração pública eficiente e transparente, capaz de garantir um padrão de vida mínimo para todos os cidadãos, assim como o desenvolvimento sócio-econômico de longo prazo, a uma visão de respeito à individualidade de cada membro da sociedade, no que diz respeito aos valores e às preferências de cada cidadão. Além disso, é preciso ter pleno respeito às instituições democráticas e à alternância de partidos no poder, de modo a se permitir diferentes propostas de políticas públicas, deixando que a população escolha a que mais lhe agrade via eleições.
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