Mais uma "palhinha" da minha monografia. É um trecho do capítulo 3.1.1., que trata da transição do modelo de políticas regionais realizadas no Brasil com a chegada do governo JK (em que a estratégia de planejamento econômico superou os gastos assistenciais realizados até então), e a participação do economista Celso Furtado, em termos teóricos e efetivos, nesse processo.
3.1.1. Primórdios do Planejamento Regional no Brasil
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A SUDENE, órgão máximo de planejamento e fomento ao desenvolvimento da região foi fundada em 1959, como um desdobramento do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), criado em 1958. O GTDN consistiu em um órgão federal de estudo da situação econômica – conjuntural e estrutural – da região Nordeste, sob a coordenação técnica de Celso Furtado, com o objetivo de realizar um diagnóstico da raiz dos problemas econômicos nordestinos e formular alternativas de política econômica para acelerar o desenvolvimento da região.
O diagnóstico apresentado pelo GTDN resumiu-se na aplicação do paradigma cepalino da dualidade sócio-econômica brasileira ao caso nordestino. Ou seja, a raiz dos problemas sócio-econômicos nordestinos não era a seca, como supunham as políticas regionais até então executadas, mas sim o próprio subdesenvolvimento das forças produtivas. Segundo o GTDN, as relações econômicas do Nordeste com o Centro-Sul tenderiam a perpetuar o subdesenvolvimento da região. Isso porque, sendo o nordeste uma região de economia agrário-exportadora, mantinha superávits comerciais com o exterior, sendo que as divisas obtidas desses superávits eram usadas para financiar as importações de bens de capital da região Sudeste, industrializada. Isso porque o Nordeste representava um mercado consumidor cativo dos bens industrializados produzidos na região Sudeste, uma vez que as importações de bens de consumo vindas do exterior estavam restringidas por políticas comerciais federais protecionistas. Ou seja, tal arranjo comercial fazia com que o Nordeste fosse uma permanente fonte de transferência de recursos e de divisas para os investimentos no Sudeste, inviabilizando assim qualquer tentativa de desenvolver uma estrutura econômica autônoma na região. O setor público, até então, vinha buscando contornar essa situação por meio de políticas assistencialistas, as quais eram irrelevantes em relação à mudança estrutural que a economia da região necessitava.
Furtado (1959) idealizou outro modelo econômico que apontaria a natureza do processo auto-reforçado do subdesenvolvimento nordestino, baseado no modelo de subdesenvolvimento de Lewis. Segundo Furtado, as regiões mais pobres de um país sempre apresentam níveis de produtividade inferiores do que a média nacional. Isso faz com que os salários sejam, em média, mais baixos nas regiões mais pobres, incentivando a migração da mão-de-obra para as regiões mais ricas, nas quais o nível dos salários é mais elevado. Contudo, a migração acaba fazendo com que, pela maior concorrência no mercado de trabalho, os salários nas regiões mais ricas cresça em ritmo inferior ao do crescimento da produtividade nessas mesmas regiões, em relação ao do resto do país. Por essa razão, as regiões mais ricas acabam atraindo capital produtivo das regiões mais pobres do país, perpetuando assim a dualidade na estrutura econômica nacional.
A solução para o subdesenvolvimento nordestino seria, de acordo com o GTDN, a transformação do sistema de economia de subsistência e de exportação, de baixa produtividade, para um modelo voltado ao atendimento do mercado interno, assim como o estímulo à industrialização da região, de modo a permitir o funcionamento de um sistema de desenvolvimento econômico auto-sustentado. As estratégias apontadas pelo GTDN como as mais apropriadas para atingir os objetivos definidos consistiam na concordância de que a industrialização seria o processo motor do desenvolvimento regional do Nordeste, no estímulo à modernização da atividade agrícola – tanto nas áreas úmidas como nas semi-áridas - , e na articulação da ação estatal federal direta na estrutura sócio-econômica da região. Por fim, os instrumentos recomendados pelo grupo (e posteriormente adotados pela SUDENE) para a ação do Estado nesse sentido envolveriam, basicamente, a concessão, por parte do governo federal, de incentivos fiscais para estimular investimentos nas regiões abrangidas pelo plano, ou seja, como um meio de atrair capitais das regiões mais ricas para as mais pobres do Brasil, revertendo assim o processo auto-reforçado de concentração de renda territorial no Brasil.
Contudo, o diagnóstico do GTDN, que definiu os objetivos e as estratégias adotadas pela SUDENE no período em questão, foi questionada por muitos autores, tanto no seu período de elaboração, como posteriormente. José Mendonça de Barros (1970), por exemplo, questiona o modelo cepalino de ralações econômicas inter-regionais em sociedades duais, afirmando que o mesmo não leva em conta fenômenos econômicos importantes, tais como a possibilidade de importação de alimentos do exterior como modo de baixar o custo de vida nas regiões, assim como ignora o impacto de políticas monetárias e cambiais no desenvolvimento regional e as possíveis migrações de mão-de-obra de fora para dentro das regiões periféricas. Por outro lado, Ben-Hur Haupenthal (1997) afirma que as estratégias de planejamento recomendadas pelo GTDN parecem tratar o Nordeste como uma economia isolada, isto é, ao contrário do que a abordagem cepalina propunha, o plano não levou em conta a questão da integração da economia nordestina com as das demais regiões brasileiras.
As diretrizes de ação da SUDENE em relação às políticas de desenvolvimento regional no Nordeste seguiram estritamente o que foi proposto pelo GTDN, isto é, foi baseada no estímulo à modernização econômica e ao investimento por meio de incentivos fiscais. Seus resultados ao final do governo JK (1961) mostraram um crescimento da produção de bens primários na região. Contudo, esse crescimento foi meramente extensivo, isto é, não observou-se ganhos de produtividade no setor produtivo, o que acabou comprometendo a expansão do mercado interno regional, o qual, segundo a estratégia da SUDENE, acabaria por incentivar a industrialização. Tal efeito se deu em virtude não apenas das modestas dotações orçamentárias que a SUDENE dispunha frente a objetivos tão ousados, mas também por problemas de caráter administrativo, e sobretudo, de caráter político, uma vez que o estímulo à produtividade agropecuária teria que, de algum modo, mexer na estrutura de propriedade agrária, o que não interessava às oligarquias nordestinas.
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