Esse é o último livro do Júlio Verne que eu tinha para ler, depois de ter comprado vários na feira do livro de Porto Alegre por míseros R$2,50 cada!
Júlio Verne em sua melhor fase! Nesse livro o autor consegue, enfim, reunir o romance de aventura fantástica, com complexa fundamentação científica e mistéiros que envolvem o autor. Agora, o autor não se prende por demasiado nem nas explicações físicas e químicas dos acontecimentos (como no Rumo à Lua), e nem nas questões históricas e geográficas (como no Arquipélago em Chamas). Aqui, o que realmente importa é a AÇÃO, isto é, aquilo que os personagens fazem e constroem.
O enredo, resumidamente, inicia-se com a história de uma nobre milionária indiana (Begum) que morre e deixa 500 milhões (acho que de libras esterlinas ou de francos) para seus dois únicos herdeiros: o professor Sarracin, francês, e o professor Schultze, austro-alemão. Depois de cada um sacar suas fortunas, ambos resolvem aplicar o dinheiro em empreendimentos científicos, construindo cidades-estado na costa oeste dos Estados Unidos. Sarracin constrói a "Cidade da Frnaça", com planejamento urbanístico e sanitário que visa maximizar a qualidade de vida (e, em conseqüência, a produtividade do trabalho) de seus habitantes. Schultze, por sua vez, constrói a "Cidade do Aço", marcada pelo culto à obediência, na disciplina e na hierarquia, investindo pesadamente na indústria aramamentícia e exercendo controle totalitário sobre seus domínios. Naturalmente, as cidades vizinhas tornam-se logo rivais, e assim o livro conta a história de Marcelo Bruckmann, um jovem alsasciano (leste da França), que é mandado para trabalhar na Cidade do Aço servindo como espião da Cidade de França. Cabia a Marcelo se infiltrar nas organizações burocráticas dessa cidade para descobrir as armas secretas que o maligno Dr. Schultze estava desenvolvendo para destruir a cidade da França.
Mas lendo o livro com mais cuidado, o enredo descreve, em suma, o choque de modelos de desenvolvimento: o humanismo latino contra o militarismo germânico. Verne, infelizmente adotando estereótipos étnicos para fundamentar suas teorias políticas e institucionais (mesmo que isso fosse recorrente entre os autores do século XIX), discorre sobre as diferenças entre as formas de organização das duas cidades, com uma posição declarada pró-Cidade da França, apresentada como a "heroína", contra a "vilã" Cidade do Aço. Na verdade, Verne parece estar fazendo uma analogia à conjuntura política internacional de sua época. No final do século XIX, os dois principais impérios da Europa (a Alemanha do Segundo Reich e o Império Austro-Húngaro) se aliaram, junto com outros países, em um bloco chamado de Tríplice Aliança, e passaram a hostilizar os países vizinhos mais liberais (França e Inglaterra, que se aliaram à Rússia). Esse período, chamado de "Paz armada", em que os países se preparavam para uma guerra iminente, tendo como objetivo o controle político e militar da Europa, e, conseqüentemente de todas as colônias ná África e Ásia, mesmo faltando um estopim para o conflito, é a mesma situação em que as duas cidades-estado descritas no livro estavam envolvidas.
Para a sorte de Júlio Verne, e da humanidade como um todo, após duas Guerras Mundiais, ficou claro que o humanismo "latino" era superior social e institucionalmente ao militarismo "germânico". Contudo, após as guerras, os países germânicos absorveram muito melhor o modelo humanista-planejado de desenvolvimento, que se traduziram nas suas instituições sociais, políticas e econômicas de social-democracia, obtendo desse modo elevados padrões de qualidade de vida e IDH. Os países latinos, por sua vez, continuaram dominados por regimes autoritários (menos a França, a Costa Rica e outros poucos) até quase o último quarto do século XX.
Por último, é interessante ressaltar a importância que Júlio Verne dá à capacidade criativa individual de seus personagens como motor de todas as suas histórias. Ao contrário dos autores real-naturalistas, seus contemporâneos, que preferiam descrever seus personagens baseados nas suas relações com o meio social em que viviam (o "determinismo pelo meio" de Eça de Queirós e Aluísio de Azevedo), Verne descreve seus personagens principais como entes autônomos e totalmente dotados de livre-iniciativa. Assim, a toda a história do presente livro decorre dos investimentos pessoais de dois professores universitários europeus que subitamente descoriram-se milionários. Do mesmo modo, por exemplo, no livro "20.000 Léguas Submarinas", toda a história deve-se à ação de um milionário francês que, entediado de sua sociedade, resolve enclausurar-se em um submarino e navegar pelo mundo. Ou então o jovem oficial francês, que arrisca a sua vida para ajudar os gregos em sua guerra de independência contra os turcos, no livro "Arquipélago em Chamas". Certamente, a visão de homem de Júlio Verne, e sua diferença dos demais autores de sua época, é um tema muito interessante para estudos.
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Há uma hora
Um comentário:
Convido todos os amantes das obras de J. Verne e da literatura em geral a participarem no fórum dedicado ao escritor francês.
Visitem o fórum http://s1.zetaboards.com/JVerne_Pt/index/
Obrigado
Frederico J.
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