Um dos principais focos das ciências sociais em geral (incluindo a literatura real-naturalista) se trata de explicar as relações possíveis entre o ser humano como indivíduo e o seu meio social, coletivo. Tais relações podem ser vistas nos mais diversos ângulos, de acordo com as diferentes correntes de pensamento dos autores, sendo que alguns procuram focar em questões determinísticas (isto é, como o meio social determina o individual, ou vice-versa), enquanto outros procuram focar sua análise sob um ponto de vista moral, dos possíveis conflitos entre a individualidade e a sociedade, pendendo para o lado que mais estiver de acordo com sua posição ideológica. Contudo, entre os autores mais atuais, a relação entre indivíduo e sociedade não tem mais um tom determinístico; reconhece-se a influência entre ambas as esferas, com ponderações relativas para cada cultura, mas não é possível deter-se num ponto de superioridade de uma delas sobre a outra que valha para a humanidade como um todo, englobando todo o tempo e espaço.
Autores sociais de corrente liberal, muito populares hoje em dia, parecem concordar que o homem é naturalmente livre e racional (para melhor compreensão desses conceitos, o estudo da obra de John Locke é fundamental). Contudo, dada a sua racionalidade, o homem sabe que viver em sociedade é muito mais produtivo do que viver isolado, pela possibilidade da divisão e especialização do trabalho entre os membros dessa sociedade (ver Adam Smith). Contudo, para resolver possíveis conflitos decorrentes da vida em sociedade, os homens como indivíduos racionais naturalmente delegam (pelo que Locke denominou "Contrato Social") seus poderes de julgar e executar normas morais para um ente externo, denominado Estado. O Estado, portanto, teria o papel de criar leis, fazer com que elas sejam cumpridas e punir quem não as cumpre, como modo de minimizar os conflitos individuais decorrentas da vida em sociedade. Qualquer maior poder para o Estado significaria uma invasão da coletividade sobre a individualidade, o que, além de ser anti-natural, segundo essa ideologia (pois a natureza do homem está voltada à liberdade), provocaria uma repressão da sociedade às liberdades individuais, acarretando em uma série de danos para ambas as esferas: para os indivíduos, a repressão da expressão de sua racionalidade, em suma, a busca de sua felicidade; para a sociedade, o bloqueio à criatividade, à meritocracia e ao próprio progresso social, já que todos esses valores estão ligados às iniciativas individuais.
Em resumo, segundo o liberalismo tradicional, bastaria reduzir-se o papel do Estado (a ligação institucional e racional entre o coletivo e o individual) ao mínimo possível para que a pressão social sobre a iniciativa individual - o fenômeno descrito como "coletivismo" - fosse minimizada e os indivíduos seriam totalmente livres para buscar a sua felicidade, desde que não afetassem a felicidade alheia. E indivíduos livres e felizes agiriam livremente buscando o melhor para si, o que, por somatório, levaria a sociedade como um todo a um progresso contínuo.
Contudo, a pós-modernidade atual parece indicar falhas empíricas a essa teoria. Atualmente, as instituições políticas estão em profundo descrédito no mundo inteiro. Grande parte das pessoas considera que políticos burocratas (o Estado Moderno) não passam de corruptos hipócritas (basta observar a evolução do significado do termo "burocrata" desde Max Weber até a atualidade), traduzindo-se em um baixo comprometimento das pessoas com as instituições democráticas, enquanto que a religião tradicional (o Estado Arcaico) é vista como retrógrada e cega, sendo progressivamente pulverizada em pequenas seitas e igrejas com características próprias, agindo muito mais como "bens de consumo espiritual" do que como normas morais. Mesmo o aprofundamento do radicalismo islâmico no Oriente Médio, ou do messianismo político em países da América Latina parecem ser antes a expressão da decadência dos valores do passado do que uma reação à cultura pós-moderna.
Contudo, mesmo com a atual decadência da política (tanto burocrática quanto espiritual), não é empricamente visível que as pessoas, individualmente falando, vem se tornando progressivamente mais autônomas em relação à sociedade. Muito pelo contrário, o que vemos atualmente é a divisão dos membros individuais da sociedade em grupos, denominados pelos autores de "tribos urbanas", cada qual com sua cultura, incluindo código moral e expressão artística, própria. Tal fenômeno é muito mais perceptível entre a população jovem, o que destaca ainda mais a sua novidade. Particularmente no Brasil, a população urbana de baixa renda se identifica com a "Cultura Hip-Hop", com linguajar, vestuário, expressão cultural (a Black Music e o grafite) e comportamento característicos. Dentre a população de mais alta renda parece predominar um movimento "Geração Saúde", valorizando primordialmente o próprio corpo, tanto em saúde como em aparência física, a prática de esportes radicais, o consumismo e a cultura Pop, isto é, a cultura de consumo instantâneo, de modas passageiras. Além dessas correntes predominantes, tanto na população de alta como na de baixa renda aparecem também grupos alternativos, como neo-hippies, rockeiros, metaleiros, punks anarquistas, comunistas, nerds, gays, góticos, clubbers.
Contudo, além da divisão da sociedade em grupos, não há comprovação empírica de que as pessoas de hoje em dia sejam mais felizes do que as de gerações atrás. E menos ainda que as pessoas estejam mais criativas - e consequentemente mais inteligentes - do que seria esperado como conseqüência do enfraquecimento das instituições políticas coletivistas, segundo a ideologia liberal predominante, como pode-se ver pela decadência da educação (principalmente pela falta de entusiasmo dos estudantes com o aprendizado) e pela baixa qualidade da produção cultural atual, cada vez mais massificante. E muito menos, mas muito menos mesmo, vem acontecendo um declínio dos conflitos sociais nos últimos tempos. Pelo contrário, há uma rivalidade entre tribos, principalmente entre as tribos hegemônicas contra as demais, mas também dentro de cada tribo, o que, além de traduzir-se em violência física, provoca uma indesejável pressão social sobre as decisões individuais de busca da felicidade.
Ou seja, as pessoas tendem a se submeter ao seu grupo social de tal modo que a individualidade acaba oprimida pelo seu meio. A ação humana deixa de ser em busca de sua felicidade para ser em busca de reconhecimento pelo grupo. Mesmo sem as grandes instituições políticas tradicionais, a sociedade oprime seus indivíduos de maneiras informais, traduzidas nesse coletivismo de tribo. Suas expressões são a massificação cultural, a mediocratização da intelectualidade e a alienação dos indivíduos em relação a sociedade como um todo, preferindo se isolarem em seus grupos.
Com o texto escrito, o autor não defende, de forma nenhuma, uma volta repressora das instituições tradicionais como forma de quebrar os grupos sociais e integrar todos os indivíduos em um só corpo social, como ocorria anteriormente. Muito pelo contrário, o autor, de ideologia predominantemente democrata, com um viés social em assuntos econômicos, e outro liberal em assuntos sócio-políticos e cético-pluralista em assuntos espirituais, abraça e defende a idéia da busca de felicidade com ideal de vida para cada indivíduo. Por isso, a crítica social presente nesse texto não tem um tom moralista; se as pessoas gostam de ser vazias e medíocres, que sejam, desde que respeitem aqueles que discordam desse modo de agir e pensar. Porém, cabe destacar a insuficiência da ideologia liberal, mainstream das Ciências Sociais atuais, em apontar uma situação de equilíbrio de bem-estar social e individual empiricamente comprovável.
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2 comentários:
Ricardo, estou lendo um livro chamado Farenheit 451 de Ray Bradbury. É um destopia, um livro de ficção cientifica onde livros são proibidos e queimados.
Por falar em livro, você já foi na biblioteca pública aqui em BH?
esse livro aí, é muito bom, sempre discutido na feira do livro de Porto Alegre. Se não me engano tem um filme baseado nele...
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