Todos nós, cientistas sociais (economistas, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e jurídicos, historiadores, filósofos) empenhamos nossa vida profissional e acadêmica em desenvolver modelos analíticos, muitas vezes mais complexos do que os das ciências naturais, seja em linguagem retórica ou matemática, buscando compreender, ou melhor ainda, prever o comportamento humano, individual e coletivo.
Contudo, muitas vezes nossos modelos (ou mesmo teses, teorias, enfim...) tornam-se o centro de nossas pesquisas; ao invés de buscarmos prever a realidade usando o nosso instrumental, chegamos muitas vezes a realizar exatamente o oposto: usamos a realidade para prever o que aconteceria nos nossos modelos. Tal fator, se por um lado é importante para a melhoria e a evolução no aparato teórico das ciências sociais, tem a má conseqüência de afastar o pensamento dos intelectuais da esfera social, tornando a ciência, em seu conjunto, aparentemente prolixa para o público leigo.
Por outro lado, em todas as ciências sociais, distintas escolas de pensamento parecem concorrer predatoriamente entre si, cada qual gabando-se de possuir supostamente as melhores teorias e o melhor método de abordagem da realidade. Ao menos na economia, mas acredito que isso se espalhe em todas as demais ciências sociais, tal situação faz com que as escolas de pensamento acabem mantendo suas teorias como dogmas, inflexíveis à crítica (mesmo construtiva), à reflexão e ao debate republicano com as demais escolas, buscando principalmente a chegada a sínteses teóricas e concordâncias entre as correntes ideológicas.
Por outro lado, a literatura parece ser mais parcial, no sentido de ser mais subjetiva. Autores literários, pelo menos a partir de meados do século XIX, tendem a escrever levados muito mais por suas paixões individuais do que a dogmadismos acadêmicos. Mesmo que esse viés individual possa ser (e certamente é) um fator de viés irrealista na narrativa, como se pode perceber no aspecto de pesadelo presente na obra de Franz Kafka, por exemplo, é igualmente óbvio que o mesmo fator também apareça em teses acadêmicas em ciências sociais. Por mais frio que um autor seja em sua abordagem teórica e empírica, certamente na sua conclusão o mesmo dissertará sobre o tema que estiver pesquisando com base não apenas na sua observação, mas em aspectos mais profundos de sua individualidade. Porém, ao contrário da literatura, no mundo acadêmico as obras são duplamente viesadas: tanto pela individualidade do autor como pela sua escola de pensamento. Em resumo, na literatura, o viés da abordagem é meramente subjetivo; nas demais ciências sociais, é ao mesmo tempo subjetivo e coletivo.
Mesmo que ao estudarmos a história da literatura nos deparemos com autores sendo catalogados e rotulados como pertencentes a uma ou outra determinada corrente literária, é preciso se lembrar que tais rótulos são definidos por estudiosos, e não exatamente por esses mesmos autores. Por exemplo, José de Alencar nunca definiu a si mesmo como "Eu sou um romântico"; foi com base em elementos de sua obra e em seu período cronológico que estudiosos o catalogaram como "autor romântico".
Assim, não se deve desprezar a literatura como uma importante fonte de dados e observações para as ciências sociais. Uma boa lida em "O Tempo e o Vento" de Érico Veríssimo pode ser uma fonte de conhecimento talvez muito mais rica do que qualquer manual de história do Rio Grande do Sul, em um exemplo óvio. Mas o mesmo vale para a obra de Mark Twain em relação à sociedade do meio-leste norte-americano em meados do século XIX, ou Charles Dickens e Èmile Zola dissertando sobre as conseqüências socias da Revolução Industrial na Europa.
terça-feira, janeiro 09, 2007
A Literatura como Ciência Social
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3 comentários:
Muito bom o texto
já chegou em BH?
Já. Estou hospedado no Hotel Normandia (Rua Tamoios, 212, Centro). E estou usando o computador de uma Lan House no Shopping Cidade.
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