Por um lado, os ortodoxos, de forma não apontada diretamente pelo autor, mas a associação é muito clara, acabaram por assumir os pressupostos de sua visão (a lei de Say) como núcleo irredutível de um programa de pesquisa lakatosiano. Isto é, o que seria apenas uma tese parte de um debate, consistindo em uma teoria econômica abstrata, acabou se tornando um pressuposto, praticamente um axioma não-questionável para todos os pesquisadores de sua área. E, a partir desse pressuposto, foram construídos, ao longo dos séculos XIX e XX, todo um cinturão de hipóteses auxiliares e heurísticas de pesquisa, mas nunca colocando o seu núcleo em discussão. Em resumo, o autor aponta que a "canalhice ortodoxa" consiste em "castrar o debate" por questões de pragmatismo técnico.
Como exemplo, relembra seus professores, ortodoxos, na PUC-Rio. Segundo o autor, em um centro ortodoxo, questões como a lei de Say nunca são discutidas, mas sim são apresentadas como pressupostos absolutamente triviais de outros modelos econômicos.
A canalhice ortodoxa consiste em fingir que muitos problemas
já estão resolvidos; fala-se de um “consenso emergente” na macroeconomia, como
se os problemas radicais da teoria ortodoxa vigente, problemas outrora
reconhecidos por ortodoxos de uma geração mais honesta, não existissem.
Um ponto que destaco aqui é a possibilidade de se culpar a teoria econômica neoclássica, ou economia ortodoxa, por problemas que aparentemente se reduzem à falta de didática de professores. Pessoalmente, não vejo nehuma "heresia", no sentido de desrespeito por parte do acadêmico pelo seu programa de pesquisa, ao explicar reflexivamente os seus conceitos e pressupostos mais básicos aos alunos, principalmente os de graduação. Isso não se resume apenas à lei de Say, mas também a pontos mais centrais da ciência econômica neoclássica, tais como "racionalidade", "preferências", "equilíbrio", etc. Empiricamente, já observei repetidas vezes, ao longo da minha vida acadêmica (tanto na graduação como na pós), que um dos principais fatores que diferenciam um determinado professor e marcam a qualidade de sua aula, é sua capacidade de organizar logicamente as teorias econômicas, de forma a separar, e tornar explícito, aquilo que é pressuposto, e aquilo que é implicação. E, ainda, nem de longe tal problema se resume à ortodoxia. Muitos dos meus professores heterodoxos também se mostraram incapazes de proporcionar uma boa organização lógica de suas idéias para os alunos, tornando suas aulas absolutamente incompreensíveis e prolixas para quem já não tinha um bom conhecimento prévio sobre o assunto.
Pesquisadores, de certo, podem simplesmente aceitar determinados pressupostos de seus programas de pesquisa como núcleos irredutíveis, simplesmente porque não há espaço para demasiados longos "momentos de reflexão" em artigos científicos, que tendem a cobrar cada vez mais rigor objetivo aos seus elaboradores. Mas isso certamente não se aplica a professores, cuja competência profissional depende, além de seu conhecimento sobre a matéria, de sua capacidade didática e de comunicação.
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