segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Disscussão Interessante sobre a Metodologia da Economia - Parte 3 (Lei de Say e Demanda Efetiva)

O post que estou comentando, e debatendo, se chama "Malthus, ou: tudo o que eu precisava saber sobre economia aprendi vendo Senna X Mansell com meu pai", e está no blog köenigsberg (agradeço a lembrança por Enoch Filho).

Em resumo, o autor sugere que a diferença fundamental entre a economia ortodoxa e as visões heterodoxas nasceu da famosa discussão entre David Ricardo e Thomas Malthus sobre a "Controvérsia da Abundância Geral". Essa controvérsia discorreu-se sobre a possibilidade de economias de mercado enfrentarem crises de superprodução, ou de seu crescimento ser limitado por falta de demanda. De acordo com Ricardo, a decisão de produzir (oferta), por parte de um investidor, naturalmente provocaria uma demanda por fatores de produção (crescimento do emprego), os quais seriam devidamente remunerados, e suas remunerações seriam aplicadas em bens (consumo e investimento). Esse mecanismo ficou conhecido como Lei de Say. Assim, aumentos da oferta acarretariam em aumentos da demanda, essa não seria jamais um fator restritivo ao crescimento, mas sim apenas a disponibilidade de fatores de produção na economia. Malthus, por sua vez, defendeu que os empresários investiam, ou decidiam produzir (oferta) com base em suas expectativas de retornos futuros no mercado (demanda). Ou seja, a produção-oferta é decidida ex-ante com base em expectativas ex-post de mercado-demanda. Assim, se a demanda ex-post (ou demanda efetiva) não correspondesse ao esperado ex-ante, inibiria nosvos investimentos, e provocaria crise econômica. Nessa visão, a oferta é precedida pela demanda.

A curiosa analogia que o autor faz com Senna e Mansell é explicada: enquanto Mansell devia suas vitórias predominantemente à capacidade mecânica de seu carro (a Williams do início dos anos 90), Senna devia suas vitórias ao seu espírito esportivo individual. Ou seja, Mansell representaria a ortodoxia, em que a sua dinâmica dependeria de suas disponibilidades técnicas, e Senna representaria a heterodoxia, em que a sua dinâmica dependeria de seu estado de ânimo empreendedor.
Basicamente, a interpretação ortodoxa da vida econômica está dizendo que
sem motor não adianta muque e a heterodoxa que sem muque não adianta
motor.

Após a discussão entre Ricardo e Malthus, o autor argumenta as correntes de pensamento econômico trataram de expandir seus aparatos técnicos, baseados em suas suposições escolhidas. Ou seja, a controvérsia nunca foi resolvida, mas sim ignorada por autores de ambos os lados, como os neoclássicos, no caso da ortodoxia, como os marxistas e keynesianos, no caso da heterodoxia. Contudo, uma tentativa bastante clara e evidente de sintetizar essa discussão entre crescimento econômico liderado pela demanda e pela oferta foi realizada pela chamada síntese neoclássica da macroeconomia keynesiana, na década de 40, por parte de autores como Hicks, Hansen e Modigliani. Segundo essa teoria, a economia, em um curto prazo, em que preços e salários são fixos, o nível de produto é definido em um equilíbrio parcial entre a oferta e a demanda agregadas, e como essa última é empiricamente mais flexível, acaba determinando aumentos de produção e recessões. Mas, no longo prazo, em que a rigidez nominal é insignificante, o nível de produto é dado por um equilíbrio geral, que só seria deslocado por mudanças na fronteira técnica de produção. O autor coloca esse ponto como uma mera contra-reforma técnica da economia ortodoxa, de modo a acomodar o mercado de fundos emprestáveis, que garante a igualdade entre poupança e investimento implicadas pela lei de Say, como um mercado de remuneração de fatores. Desse modo, a teoria da demanda efetiva, famosa por Malthus e Keynes, seria posta como um caso especial da lei de Say, quando houvesse rigidez nominal nesses mercados.

Tal ponto de vista, mesmo que seja intuitivo, é bastante polêmico. Por um lado, afirmar que o crescimento de curto prazo liderado pela demanda é, pela síntese neoclássica, um "caso especial" da teoria clássica anterior, parece ser muito forte. Na verdade, toda a macroeconomia neoclássica, até mesmo o monetarismo e o novo-keynesianismo, é baseada numa noção de dualidade lógica entre um curto prazo no qual existe rigidez nominal, mais forte no mercado de fatores de produção, de modo que variações na demanda agregada afetam o produto, e um longo prazo em que a economia converge para uma situação de equilíbrio geral. O curto prazo, assim, não é um caso especial, mas faz parte da dinâmica de todo o sistema. Essa visão só está explicitamente presente na macroeconomia novo-clássica (expectativas racionais) de Robert Lucas, segundo a qual, a demanda agregada só pode influenciar o crescimento econômico se houver assimetria de informações entre os formuladores de política econômica e os produtores de bens. Essa situação de assimetria seria, sim, um caso especial da economia com informação perfeita, na qual vigora o equilíbrio geral mesmo em um curto prazo.

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