domingo, agosto 23, 2009

O Desenvolvimento Econômico Brasileiro Explicado pelo Modelo de Solow

Texto extraído da minha prova final de Macroeconomia II:
I – Revisite a História Econômica do Brasil a partir de 1950, discutindo o alcance do modelo de Solow ampliado para explicar três dos principais movimentos na sua renda per capita (no mínimo analisar períodos de cinco anos).

De acordo com o modelo de Solow, o crescimento econômico é explicado pela acumulação de dois fatores de produção, o trabalho e o capital. Considerando-se o fator trabalho como constante, o capital é acumulado pela diferença entre o investimento per capita, que depende da propensão a poupar por parte dos agentes econômicos, e a taxa de depreciação do capital já instalado na economia. Além disso, supõe-se que o capital tem rendimentos marginais decrescentes, de modo que, quanto mais desenvolvida for a economia, menor será sua lucratividade, tanto devido aos maiores custos fixos dos investimentos, como também pela maior concorrência entre as firmas proprietárias do capital. Desse modo, o crescimento do produto per capita tende a convergir para um estado estacionário, no qual a acumulação de capital só é suficiente para cobrir a depreciação.

Em um modelo de Solow ampliado, supõe-se a existência de um progresso tecnológico exógeno e de taxas constantes. Esse progresso tende a elevar a produtividade do trabalho, mesmo no longo prazo, em um processo descrito como “acumulação de trabalho efetivo”. Assim, no estado estacionário, este é o único fator capaz de provocar crescimento do produto per capita.

Na economia brasileira, durante o período de 1952 a 1960, em que se aprofundou o chamado Processo de Substituição de Importações (PSI), Bacha & Bonelli (2001) elaboraram um estudo sobre a contabilidade do crescimento econômico no país. Segundo os autores, nesse período, 60,1% do crescimento se deu por ganhos de produtividade da mão-de-obra, sendo que, nesse caso, 21% se deu devido à absorção tecnológica, e 42% é explicado pelo crescimento populacional.

Os mesmos autores, em um artigo de 2005, elaboraram um estudo mais histórico a respeito do desenvolvimento econômico do Brasil. Nesse artigo, Bacha & Bonelli associaram o governo Vargas (1950-1954) a um arranjo institucional favorável a políticas de valorização do café, para beneficiar o setor exportador, e políticas protecionistas para a industrialização, como a criação do BNDES e da Petrobrás. Ou seja, mesmo que o modelo de Solow não capte efeitos de mudanças institucionais na economia, parece lógico que foi adotada no Brasil uma estratégia de crescimento baseada no aprofundamento do capital, apesar de frustrada por instabilidades de cunho político.

Por outro lado, durante o governo Juscelino Kubitschek, o protecionismo industrial, pela substituição da importação de bens de consumo duráveis, se deu devido ao incentivo aos investimentos diretos estrangeiros. Dessa maneira, o crescimento econômico do Brasil passou a ser guiado pela absorção do progresso tecnológico internacional. Todavia, os autores deixam claro que, em ambos os governos, o crescimento econômico doi possibilitado por um aumento da taxa de poupança interno.

A crise financeira que estancou o processo de crescimento econômico no Brasil no início da década de 80, se deu em um contexto de pesado endividamento externo e de aceleração inflacionária no país. De acordo com Bacha e Bonelli (2005), a aceleração inflacionária foi conseqüência da excessiva demanda doméstica, aquecida pelos investimentos estatais maciços durante o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, como também pela indexação de preços e de salários.

Os autores refutam a hipótese de que a crise durante esse período tenha sido causada por uma redução da taxa de poupança doméstica. Segundo os dados de seu estudo, a taxa de poupança na década de 80, mais especificamente até 1986, se manteve estável em torno de 15% do PIB, isto é, em um nível superior aos dos 15% do período de 1947 a 1965, um período marcado pelo forte crescimento econômico. O que teria ocorrido, na verdade, foi uma quebra estrutural na relação entre a taxa de poupança e a acumulação de capital, no sentido de que a mesma taxa de poupança tenha gerado cada vez menos capital acumulado e crescimento do produto.

Em relação a essa quebra estrutural da relação poupança-crescimento, os autores elaboraram duas hipóteses teóricas. Em primeiro lugar, poderia ter ocorrido um encarecimento do preço relativo dos investimentos no país, o que pode ser representado como uma “regressão tecnológica” no modelo de Solow. Esse fator foi causado pelo maior poder de monopólio das indústrias produtoras de bens finais de investimento, por ineficiências intrínsecas ao Processo de Substituição de Importações de bens duráveis, ocorrido no período imediatamente anterior, e por uma maior demanda por bens duráveis, como uma alternativa de investimento privado de segurança contra a inflação, que teria elevado o preço relativo desses bens, e desestimulado investimentos na capacidade produtiva. Em segundo lugar, poderia ser um reflexo da produtividade decrescente do capital, que, apesar de ser um processo logicamente previsto no modelo de Solow, foi acentuado no caso brasileiro. Segundo os autores, isso decorre das próprias características do modelo de crescimento econômico adotado no Brasil desde a década de 50, baseado em investimentos intensivos na acumulação de capital, com forte presença de indústrias monopolísticas e oligopolísticas.

Complementando as hipóteses levantadas por Bacha & Bonelli, Adrogué et al. (2006) apontam como mais um fator que influenciou o estancamento do crescimento econômico brasileiro nessa década o crescimento dos gastos públicos. Segundo esse estudo, o crescimento das despesas governamentais foi direcionado ao consumo, o que exerceu um efeito de crowding out sobre o setor privado, isto é, de restrição de gastos devido ao aumento dos impostos e a absorção de poupança no mercado de crédito.

Nos anos noventa, com a consolidação do Plano Real e da estabilidade de preços no Brasil, houve uma recuperação do crescimento econômico, mas ainda em níveis muito inferiores aos vistos nas décadas de 50, 60 e 70. De acordo com Bacha & Bonelli (2001), a contabilidade do crescimento econômico no país no período de 1993 a 2000 foi de 40% baseado na acumulação de capital, e 60% causado por progresso tecnológico.

Como causas da breve recuperação do crescimento econômico, a literatura cita as reformas implementadas no período, tais como a abertura comercial e financeira, a estabilização de preços e a reforma do Estado. De acordo com Adrogué et al. (2006), a combinação da liberalização do comércio internacional com a adoção de taxas de câmbio flexíveis se traduziu em uma maior abertura da economia brasileira, o que permitiu maior acesso à tecnologia estrangeira. Além disso, as reformas no setor financeiro, também associadas a melhorias tecnológicas no modelo de Solow, propiciaram maior estabilidade aos títulos, ao passo que permitiu a expansão do crédito para investimentos. Por fim, os investimentos do governo em infra-estrutura contribuíram por controlar o crescimento do preço dos investimentos, fator que restringiu o crescimento econômico brasileiro na década de 80.

De acordo com Bacha & Bonelli (2001), nesse período a taxa de acumulação de capital necessária para promover um mesmo crescimento do produto foi menor do que na década anterior devido a dois motivos. Em primeiro lugar, o progresso tecnológico absorvido do exterior, graças à abertura econômica. Em segundo lugar, a redução do crescimento populacional, que reduz o ritmo do crescimento do produto per capita. Contudo, nesse último caso, de acordo com Pessôa (2006), a transição demográfica brasileira pode ser restringida pela desigualdade educacional, uma vez que os mais pobres costumam ter mais filhos e em idade mais jovem do que os demais integrantes da sociedade, além de investir menos no capital humano de sua prole. Por isso, o autor recomenda que, para que o crescimento econômico possa ser acelerado no Brasil em um futuro próximo, são fundamentais investimentos na qualidade da educação e na universalização do ensino infantil no país.

Por fim, segundo Bacha & Bonelli (2005), a contribuição do trabalho bruto foi muito pequena para o crescimento econômico brasileiro na década de noventa. Ou seja, a absorção de mão-de-obra no país foi muito baixa. Segundo os autores, uma possível causa para esse problema é o fato de que a acumulação de capital no período não acompanhou apropriadamente o progresso tecnológico, isto é, faltaram investimentos para a criação de empregos.

Um comentário:

Arthur disse...

Caro,

Eu sinceramente não coloco muita fé no texto do Bacha e do Bonelli (2005). Para mim aquela história de aumento do preço relativo dos bens de capital causada pela ISI é uma tentativa de colocar na conta da ISI coisas que não são culpa dela.

Quanto ao texto do Adrogué at al (2006) se ele está certo a tendência é que nosso crescimento se estabilize em torno de 5% no futuro próximo, i.e., 2,5% acima do observado nos primeiro 10 anos do real.