Durante minha graduação, trabalhei como pesquisador em economia do setor público, mais particularmente na linha de federalismo fiscal. Fiquei um semestre inteiro, pelo menos, estudando as bases institucionais do federalismo alemão, com ênfase nos mecanismos de entrelaçamento político entre as esferas de governo (federação, estados e municípios). Acho que o modelo alemão tem muito a ensinar ao caso brasileiro, sobretudo após a avalanche de escândalos que sepultou a imagem pública do Senado Federal.
O sistema federalista alemão, baseado nas relações cooperativas entre as esferas governamentais, tem a sua eficácia institucional viabilizada pela existência de órgãos competentes para resolver conflitos de interesses entre as diferentes esferas. Esses órgãos são, basicamente, arenas decisórias conjuntas, onde cada esfera mantém seus representantes para defender os seus interesses. Além disso, há a existência de um poder moderador, exercido pelo Tribunal Constitucional Federal, para julgar as disputas entre as unidades políticas conforme os princípios da Constituição Federal.
Assim como ocorre na atividade financeira do Estado alemão, onde há um federalismo fiscal baseado no entrelaçamento financeiro entre União e laender, de modo que o princípio de garantia de um mínimo de condições homogêneas de vida em todo o país seja respeitado, no aparelho político-institucional do Estado alemão também ocorre um entrelaçamento entre as esferas de governo. Nesse caso, o entrelaçamento político tem a importância de realizar tomadas de decisões conjuntas entre União e laender, assim como promover a execução de políticas administrativas e planejamento orçamentário em conjunto.
Um dos órgãos que definem o entrelaçamento político e institucional entre as instâncias de governo da Federação Alemã é o Conselho Federal (Bundesrat). Este é um órgão pelo qual os laender participam ativa e diretamente do processo legislativo federal, servindo como um contrapeso ao governo e ao Parlamento Federal, os maiores órgãos legislativos da União. O Conselho Federal é composto por membros nomeados pelos governos estaduais, de modo que haja consenso entre os representantes de um mesmo Estado para tomadas de decisões em bloco. Assim, há uma estreita concordância entre governos estaduais e seus representantes no Conselho Federal.
O Conselho Federal, dentro de seu papel de proteger os interesses de cada Estado no poder legislativo federal, trabalha através de uma série de comissões permanentes. Essas comissões consistem em associações de delegados de todos os Estados da federação com o objetivo de estudar e discutir os projetos de lei elaborados no Parlamento, de acordo com seus próprios interesses. Um exemplo dessas comissões permanentes é a comissão de finanças, a qual trabalha com as finanças públicas e os orçamentos definidos para as instâncias de governo.
A legitimidade do Conselho Federal, em resumo, advém de sua função de entrelaçar o poder Executivo dos estados, os quais nomeiam seus representantes, junto ao poder Legislativo federal. Assim, o Conselho Federal exerce um aconselhamento técnico junto à União, com o objetivo de entrelaçar os interesses estaduais e federais e realizar políticas de mútua responsabilidade entre as esferas.
Assim como os laender podem intervir nas políticas federais através do Conselho Federal, o poder central também pode intervir e monitorar as ações dos estados. Pois, como a maior parte da legislação alemã é elaborada pela União e administrada pelos estados, cabe à União a monitoria da administração pública, como forma de preservar o processo e os meios de execução dessas leis e os gastos públicos decorrentes de tais atividades pelos laender. Para isso, cabe à União elaborar comissões de planejamento do gasto público das diferentes esferas de governo.
Um exemplo de intervenção do governo federal sobre as competências estaduais se dá na administração tributária. Nesse caso, mesmo que os principais impostos cobrados no país sejam o Imposto de Renda e o Imposto sobre Valor Agregado, de distribuição compartilhada entre União e laender, a regulamentação sobre sua cobrança é determinada por legislação federal. O objetivo é garantir uma uniformidade e uma padronização de regulamentos em todas as unidades subfederais do Estado alemão, para isso exercendo uma restrição à autonomia administrativa das mesmas. Assim, pode-se conseguir uma mesma organização da administração financeira em todos os estados subnacionais e impor um mesmo tratamento aos contribuintes em todo o território alemão.
Outra vantagem da regulamentação federal sobre a administração tributária alemã está na capacidade de se tomar decisões mais rapidamente em caso de disputas intergovernamentais, e de modo unificado, preservando-se dessa maneira a padronização da regulamentação entre os Estados.
Um outro exemplo de entrelaçamento político e institucional na Alemanha se dá no planejamento do gasto público. Essa é uma atividade que visa, acima de tudo, preservar a estabilização econômica e de preços e o fornecimento de bens e serviços públicos necessários e de qualidade satisfatória à população do país. O órgão máximo a coordenação dos gastos públicos intergovernamentais é a Comissão de Planejamento Financeiro (Finanzplanungsrat), formada por representantes da União, dos laender e dos municípios. Esse órgão encarrega-se de discutir e resolver impasses como as necessidades de receitas para cada esfera governamental, o endividamento público tolerável para essas esferas e a qualidade dos gastos públicos efetivados, em investimentos e produção de bens públicos. A importância da representação das três esferas de governo nessa Comissão está na necessidade de se ter uma visão geral e abrangente sobre a coordenação do orçamento público, podendo-se com isso fixar uma política fiscal ao mesmo tempo ativa e responsável para cada nível de governo.
Outro importante órgão para o planejamento dos gastos públicos é o Conselho Conjuntural para o Poder Público, o qual tem o objetivo de promover a estabilidade de preços, o crescimento econômico sustentado, o pleno emprego e o equilíbrio das contas externas nacionais. Seu poder é de caráter meramente consultivo, servindo de base para as políticas aprovadas pelo Conselho de Planejamento Financeiro.
Por fim, um outro órgão de planejamento financeiro estatal se dá através das Comissões de Planejamento Relativas às Funções Compartilhadas. Esse órgão trata de definir os investimentos públicos nas áreas onde ocorre o compartilhamento de funções entre União, laender e Municípios, como o ensino superior, a infra-estrutura econômica regional e as políticas agrárias.
Já o Tribunal Constitucional Federal é um órgão constitucional federal independente das esferas de governo e de poder. É, em suma, uma instância à qual todo o cidadão ou organização alemã pode recorrer, para discutir e verificar a constitucionalidade dos atos de outros cidadãos e organizações oi da aplicação de uma lei pelo poder público. O Tribunal Constitucional Federal fiscaliza as atividades dos órgãos de Estado e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, serve como um poder Moderador, controlando os excessos dos demais poderes, e resolvendo disputas entre eles. Porém, para que o seu enorme poder não ameace as instituições democráticas alemãs, o Tribunal Constitucional Federal só entra em ação quando um agente político recorre às suas funções. Enfim, o papel desse tribunal é essencial para a consolidação do arranjo federativo alemão, através de sua função de harmonizar os interesses e resolver disputas entre as esferas governamentais, verificando a constitucionalidade, quando solicitado, de cada lei aprovada ou de cada ação administrativa tomada por tais esferas.
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