Em 2006, quando prestei o exame ANPEC para tentar o mestrado em Economia, sabia que, no fundo, eu precisava mesmo sair do Rio Grande do Sul se quisesse receber oportunidades profissionais promissoras. Se eu resolvess ficar por lá, hoje certamente seria caixa de algum banco, ouvindo reclamações desaforadas o dia inteiro, ou então burocrata do serviço público. As coisas parecem que não evoluem por lá.
Eu realmente gosto muito de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul como lugares para se viver. Tenho muito orgulho de ter nascido e vivido 22 anos de vida nesse lugar. Aprecio muito o frio, o clima (fora o verão em Porto Alegre), as paisagens, os parques e praças da Capital, o MARGs, tomar suco na Feira da Fruta, dar pipocas para os patos do Parcão, respirar o ar perfumado pelas flores dos jacarandás, sentir o vento frio contornando meu corpo enquanto caminho pelas ruas à sombra das árvores, a culinária, feijão preto e bife mal-passado, cerveja Polar, X-lombo do cavanhas, Pastel da República, comprar livros antigos no Beco da Riachuelo, caçar discos usados no viaduto da Borges, fotografar a vista do Gasômetro e caminhar sob as margens do Guaíba.
Mas há dois elementos presentes na sociedade gaúcha que me incomodam muito, e que considero que são cruciais para explicar a crise política e a estagnação econômica que o estado vem passando nas últimas décadas.
Em primeiro lugar, a aversão pelas mudanças, pelo próprio progresso, que é visto sempre como se fosse algo imposto por algum inimigo externo, ao invés deser causado pelas ações e decisões dos próprios membros internos da sociedade. Pelo contrário, há uma valorização do tradicionalismo e do atraso. Por isso, as carroças não devem ser retiradas das ruas portoalegrenses porque "elas fazem parte das nossas tradições". Se os cavalos sujam as ruas e as calçadas de estrume, não podemos reclamar, porque "esse é o cheiro característico das aldeias históricas rio-grandenses". A FORD quer construir uma fábrica de automóveis em Guaíba? Nem pensar, onde já se viu? Se fosse para construir uma charqueada, aí tudo bem. Prédios altos devem ser barrados da cidade o quanto antes, Porto Alegre nasceu para ser provinciana. Pontal do Estaleiro, que horror! Para que imitar cidades desenvolvidas, se o nosso mato é mais belo que os Jardins da Babilônia, e as ruínas do Estaleiro Só fazem inveja às ruínas dos templos romanos? Para que metrô na cidade, se os gaúchos foram feitos para andar a cavalo? Se eu continuar listando tudo o que já ouvi dos habitantes locais em conversas aleatórias, ficaria um dia inteiro postando aqui.
Estrapolando essa aversão às inovações para o lado econômico, isso se caracteriza pela total falta de oportunidades de bons empregos para os jovens universitários recém-formados. A maioria acaba entrando no serviço público ou emigrando de estado.
Em segundo lugar, a noção de que valores individuais como a coragem e a virilidade não são eternos, e devem estar sempre sendo testados e reforçados. Quando não podemos ter o que queremos por meios pacíficos, temos que resolver na ponta da faca, se somos realmente dignos de ser chamados de homens. Por isso, se o governador eleito não for do partido de nossa preferência, devemos derrubá-lo imediatamente, e de preferência, com direito a enforacamentos e fuzilamentos! Se uma empresa multinacional se instala na nossa região e somos bairristas, vamos depredá-la! Se sou o governador, e não tenho competência política de elaborar um pacote de ajuste fiscal, obviamente vou aumentar os impostos! O povo que se dane, e falo isso com orgulho, porque sou macho!
Para minha surpresa, e minha felicidade, percebo que não sou o único crítico de determinados elementos da mentalidade sul-rio-grandense. O pessoal do blog Porto Imagem tem feito um trabalho muito legal em apontar saídas para os problemas do desenvolvimento de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul sem medo de se render para o progresso e a modernidade.
E hoje, fui surpreendido pela notícia de que, depois de décadas de discussão, enfim o projeto de revitalização do Cais do Porto foi aprovado pela prefeitura. Espero que as margens do lago Guaíba estejam ao acesso do público, e da iniciativa privada, em breve. Como eu conheço muito bem a política gaúcha, já estou esperando que muito em breve as hordas bárbaras ataquem com unhas, dentes e machados esse projeto urbanístico, em nome de preservar tudo do jeito que está. Mas a aprovação pode nos devolver a esperança de um futuro melhor.
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