terça-feira, dezembro 28, 2010

RS: Economia & Conflitos Políticos na República Velha - Pedro C. D. Fonseca

O livro "RS: Economia & Conflitos Políticos na República Velha" é a dissertação de Mestrado do professor da UFRGS Pedro Cezar Dutra Fonseca, defendida em 1980 junto ao IEPE/UFRGS. Seu objetivo, em resumo, é explicar os determinantes econômicos dos conflitos políticos do Rio Grande do Sul (os chimangos, no governo, e os maragatos, na oposição) durante o período que é denominado de República Velha no Brasil (1889-1930).

A economia rio-grandense, desde os primórdios de sua colonização no final do século XVIII, sempre foi periférica em relação ao Brasil, baseada na provisão de gêneros alimentícios para os mercados centrais, na região Sudeste do Brasil. Durante o período do Império, o principal produto de exportação do estado era o charque, produzido na região da Campanha (as planícies ao sul do estado, próximas à fronteira com o Uruguai), e destinado à alimentação dos escravos e dos trabalhadores de baixa renda no Sudeste brasileiro.

Contudo, nas últimas décadas do século XIX, a economia charqueadeira entrou em um processo de estagnação, devido a dois motivos principais. Primeiro, à característica de bem inferior associada ao charque. Isto é, sendo o charque um produto de consumo da população mais pobre do país, sua demanda é inversamente proporcional à renda do consumidor. Por isso, o volume de produção e de exportação não conseguia acompanhar os ciclos de crescimento econômico do país, mais especificamente da economia cafeicultora do Sudeste. Em segundo lugar, o charque gaúcho sofria com a concorrência da produção vinda dos países platinos (Uruguai e Argentina), que contavam com melhores terras e infra-estrutura física. A adoção de medidas protecionistas em benefício do charque gaúcho não era de interesse do governo central brasileiro, uma vez que qualquer elevação do preço do produto significava uma elevação do custo de reprodução da mão-de-obra barata no país.

Paralelamente ao enfraquecimento da economia do charque, ao final do século XIX iniciou-se o processo de colonização do norte do Rio Grande do Sul, dividido em duas sub-regiões: o Planalto, ao oeste, e a Serra, ao leste. Em ambas sub-regiões desenvolveu-se uma economia agrícola diversificada, baseada em pequenas propriedades, e, particularmente na Serra, na mão-de-obra familiar dos migrantes europeus.

Durante o Império, a política rio-grandense foi dominada pelo Partido Liberal, que representava os interesses dos grandes proprietários de terras da região da Campanha, isto é, os fazendeiros charqueadores. Com a proclamação da República, parte desses políticos passa para o lado da oposição, formando do Partido Federalista (os maragatos), em contraste ao governo formado pelo Partido Republicano Rio-grandense (os chimangos). Nesse sentido, o principal foco do livro de Fonseca é procurar identificar os componentes econômicos dos discursos de ambos os partidos naquilo em que mais divergiam, isto é, sobre as causas da crise da economia charqueadora, suas possíveis soluções e o papel do Estado em propiciar meios para que essas soluções pudessem ser alcançadas.

O Partido Republicano Rio-grandense via como causa da crise da economia da Campanha uma conseqüência natural de sua estrutura especializada e exportadora. Dessa maneira, essa crise decorria do contágio dos ciclos da economia central brasileira e da dependência que o ritmo do crescimento da produção de charque tinha do desempenho desta. A solução, nesse sentido, seria o apoio do Estado a iniciativas de investimentos na diversificação da produção, com fins de se atingir a auto-suficiência produtiva. O autor destaca que, em hipótese alguma, os chimangos eram contrários aos interesses do charque. Isso era impensável para qualquer partido com intenções políticas na época. O objetivo era defender a economia charqueadora com o desenvolvimento de uma economia regional auto-sustentada. Os maragatos, por sua vez, associavam a crise com um descaso praticado pelo governo em relação ao setor, que teria sido deixado em segundo plano no que diz respeito às políticas públicas.

O papel do Estado para a definição de políticas com o objetivo de superar estruturalmente a crise da economia da Campanha, para os chimangos, seguia ideologicamente o Positivismo de Auguste Comte, que Fonseca caracteriza como um "intervencionismo conservador". De acordo com o Positivismo, era admitida a intervenção do Estado na economia como modo de corrigir falhas de mercado e de acelerar o crescimento econômico desde que essa intervenção não beneficie determinados indivíduos, classes e setores em detrimento de outros, e desde que o governo preserve o equilíbrio de seu orçamento (que Comte denominou política de finanças sadias). Por esse motivo, o PRR rejeitava políticas específicas a favor do setor do charque, e procurava exercer medidas que pudessem beneficiar o Rio Grande do Sul como um todo, tais como obras de infra-estrutura, estradas e incentivos à migração européia. Assim, a colonização da região norte do Rio Grande do Sul, aliada a essas políticas generalistas, permitiu um grande crescimento econômico dessa região.

Os chimangos, por sua vez, defendiam uma ideologia que Fonseca denomina de "liberalismo conservador", um liberalismo um tanto ambíguo em suas convicções. Isto é, os políticos do Partido Federalista utilizavam argumentos baseados na teoria das vantagens comparativas para defender a especialização da economia gaúcha na produção pecuária-charqueadora, se opunham ao autoritarismo do governo positivista e criticavam a existência de impostos inter-estaduais que restringiam a circulação de mercadorias no país. Por outro lado, ao mesmo tempo defendiam uma maior centralização das competências políticas nas mãos da União, em detrimento dos governos estaduais, e a adoção do regime parlamentarista de governo, como forma de propiciar maior influência política das províncias no governo central, de modo a facilitar a simplificação da estrutura tributária nacional e a adoção de medidas protecionistas.

Por fim, Fonseca diferencia os grupos sociais que davam apoio a cada um dos partidos. Por um lado, os maragatos tinham ao seu lado os fazendeiros charqueadores da Campanha, os maiores beneficiários de suas pretensões políticas. Por outro lado, os chimangos tinham ao seu lado o Exército, a Brigada Militar, importantes órgãos de defesa estatal e repressão política, os políticos de grande influência sub-regional, independentemente de suas posses econômicas (os "coronéis burocratas", na terminologia do autor) e os agentes com pouca representatividade, mas cujos interesses estavam atrelados aos do governo, como a classe média urbana e os colonos europeus da região da Serra.

Fonseca encerra sua obra relatando o desfecho dos conflitos políticos rio-grandenses nessa época. O desenvolvimento econômico gaúcho nos últimos anos da República Velha, com a complexização da sociedade e a diversificação da economia, assim como o avanço da industrialização em São Paulo, fizeram com que os interesses de chimangos e maragatos perdessem significado frente ao surgimento de novos arranjos sociais, políticos e econômicos. Nesse sentido, ambos os grupos se fundiram no que se chamou de Aliança Libertadora, órgão político que apoiou Getúlio Vargas ao poder, em 1930.

Um comentário:

Carla História disse...

Muito boa resenha! Foi utilizada para minha aula sobre o RS na República Velha, planejada para o terceiro ano do Ensino Médio. Obrigada!