Simon Schwartzman, em seu artigo “As Causas da Pobreza” (2004) aponta que os problemas da pobreza e da desigualdade entre as pessoas são tão antigas quanto a própria humanidade, e tenderam a ser explicadas por teorias baseadas em sentimentos morais. Isto é, nos séculos mais remotos, devido ao grande número de indivíduos vivendo na pobreza e na indigência, em todas as sociedades, e ao limitado volume de recursos disponíveis, as discussões que se faziam eram baseadas em selecionar quais pessoas tinham o merecimento moral de receber ajuda e caridade das instituições políticas e sociais e dos indivíduos mais abastadas.
A discussão sobre as verdadeiras causas da pobreza, e como de fato combatê-las datam do final do século XVIII e do início do século XIX em que, com a Revolução Industrial já se consolidando nos países mais avançados da Europa, a produção econômica já parecia provocar mudanças positivas no padrão de vida de muitas pessoas. Nesse período, o debate acontecia entre duas visões predominantes sobre o assunto.
Uma delas, entendida como visão malthusiana, apontava que a pobreza tinha uma origem individualista, pelo fato de que as pessoas tinham o costume de se reproduzir em uma taxa superior ao do crescimento da oferta de alimentos, o que provocava a sua crescente escassez. Segundo esse paradigma, a assistência social, ao aumentar artificialmente a renda da população mais pobre, poderia reduzir momentaneamente os índices de mortalidade da população, o que, no longo prazo, aumentaria o seu número, mas não o seu padrão de vida. Assim, os únicos fatores que poderiam controlar estruturalmente a pobreza na sociedade seriam a educação, o controle reprodutivo e a própria natureza, que determinaria o tamanho de equilíbrio natural da população.
A visão alternativa a esse paradigma é freqüentemente definida como socialista, tendo origem fundamentada na moral cristã católica. Segundo essa visão, a pobreza é um fenômeno social, causada por defeitos morais dos indivíduos mais ricos, que teriam seu comportamento guiado pelo egoísmo e pela ganância, e não pelo altruísmo e por um senso de cooperação e ajuda ao próximo. Assim, os conflitos entre as pessoas pobres e ricas em cada sociedade, entendidas como lutas de classes sociais, determinariam a própria dinâmica social, em nível global.
Na Europa do século XX, o autor aponta que ambos paradigmas se fundiram em um conceito de ordem social, política e econômica definida como “social-democracia”, ou “welfare state”. Essa ordem social buscou equilibrar os conflitos entre capital e trabalho, ao propiciar uma melhor distribuição de riqueza entre capitalistas e trabalhadores, levou a uma redução da pobreza em praticamente todos os países, e acabou influenciando outras regiões do mundo, tais como a América Latina, e, particularmente, o Brasil.
Em relação ao Brasil, Schwartzman destaca que até o final do século XIX não havia no país uma preocupação social, nem em termos políticos, tampouco em termos intelectuais, com a questão da pobreza. Isso aconteceu devido a dois fatores. Em primeiro lugar, pela existência da escravidão como componente central da sociedade e da economia, o que excluía da visão social nacional, as questões referentes à população livre pobre. Em segundo lugar, pela estabilidade populacional que o Brasil apresentou nessa época, caracterizada pela inexistência de deslocamentos populacionais em massa tais como o que os países industrializados passavam. Tal fator contribuiu para a não-expropriação da população pobre livre de seus meios de produção (principalmente as pequenas propriedades rurais), que levou a uma criação incompleta de mão-de-obra assalariada anterior à chegada de imigrantes europeus.
A preocupação nacional com a pobreza e a miséria iniciou-se com a proclamação da República, no final do século XIX, baseada na consolidação do positivismo como paradigma dominante nas ciências sociais em nível nacional. Tal paradigma baseava-se, basicamente, na defesa de um governo forte, centralizado, capaz de planejar a sociedade e a economia e de educar o povo, utilizando para isso, o desenvolvimento do conhecimento científico disponível. Como alternativa ao positivismo, existia na época a visão eugenística da sociedade, segundo a qual a pobreza e a desigualdade eram originárias das características raciais e culturais da população brasileira, que eram contrárias aos bons valores da higiene e do trabalho. As soluções para os problemas sociais nacionais passavam, nesse sentido, em um esforço pelo “branqueamento” da sociedade e no ajuste institucional e cultural do país, o que poderia colocar o Brasil em uma rota de desevolvimento social progressivo.
Na década de trinta, a sociedade brasileira passou a ser explicada por uma idéia de corporativismo social, inspirada pela ideologia da Igreja Católica da época e pelos modelos autoritários da Itália e da Alemanha. Segundo essa abordagem, a sociedade não deve ser entendida como um somatório de indivíduos livres, mas sim como um organismo no qual cada parte desempenha um papel previsto e determinado. Para isso, seria necessária a existência da supervisão de um mecanismo de poder centralizado e protetor. Ou seja, mediante a atuação de um Estado elitista e autoritário, modernizado pelos insturmentos proporcionados pela ciência e pela educação, a sociedade brasileira poderia ser ordenada de modo a tornar o país uma potência mundial. No que diz respeito à assistência social, acreditava-se no papel hierárquico e paternalista do Estado, de ser o “pai dos pobres”, como em Getúlio Vargas, capaz de cuidar da população carente da mesma forma que as famílias cuidam dos seus filhos mais novos. Contudo, isso teve a conseqüência de incentivar a submissão e a subservência da população pobre brasileira.
Como visão social alternativa ao corporativismo, e à qual o autor confessa ter feito parte durante à juventude, Schwartzman cita o estruturalismo. Segundo essa visão, de conteúdo predominantemente socialista, a pobreza tem causas estruturais na sociadade, principalmente a exploração do capital pelo trabalho e o poder político das elites, utilizado em nome da exploração dos trabalhadores e do parasitismo sobre os recursos públicos, assim como a alienação da população, que serve como um bloqueio à consciência de classe capaz de contribuir para uma mudança social, política e econômica no país.
Por fim, o autor aponta algumas conseqüências políticas e ideológicas desses movimentos intelectuais que influenciaram de modo decisivo as políticas sociais adotadas no Brasil em toda a sua história republicana. Principalmente, o autor destaca a visão, predominante na sociedade, de que os direitos sociais são devidos independentemente da existência ou não de recursos e condições econômicas para satisfazê-los, de modo que os únicos limites para os gastos públicos levados em cosideração são a corrupção e a captura do Estado por grupos de interesse privados. Contudo, pela conjuntura atual, de restrição orçamentária a gastos públicos e de permanência de elevados níveis de desigualdade de renda e de distribuição de benefícios sociais no país, a questão refernte ao papel e às características dos programas sociais consistirá em breve em um problema iminente no Brasil atual.
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