Continuando o meu post "O Que Mudou com o Mestrado?", sobre como meus últimos dois anos e meio de jornada acadêmica melhoraram minha leitura de textos de economia, aproveito para citar dois posts relevantes. Ambos citam técnicas para identificar truques retóricos em posts de blogs, isto é, artifícios para "ganhar-debates-sem-necessariamente-estar-certo". Saber lidar com esse tipo de discurso ajuda muito a filtrar nosso conhecimento e nosso aprendizado, assim como a escolher melhor os autores que lemos (ou mesmo nossos companheiros de bar).
Segundo o Léo Monastério, em seu post sobre como identificar besteiras em textos de economia, é sembre bom ficar de olho nas seguintes características:
- Recomendações de política econômica abundam e há pouca evidência empírica; (principalmente baseadas em "evidências históricas" evidentemente manipuladas, e com pouca ou nenhuma aplicação à realidade atual).
- Muitas referêncais aos economistas mortos. Sua otoridade é central no argumento. Além disso, o autor e sua patota se mostram como quem finalmente entendou o Livro Sagrado; (isso é particularmente interessante. Alguém mais já reparou que todo pensador medíocre, economista ou não, adora se mascarar em uma determinada "escola de pensamento", na qual todos os seus membros são vistos como indivíduos iluminados, e toda a discussão intelectual se resume a uns deles bajulando outros, vivos ou não?)
- Poucas referências às evidências e teorias recentes que contradizem o autor. Estas, quando aparecem, são tratadas com desprezo ou sarcasmo. Em geral, quem discorda é burro ou mal intencionado; (isso se chama argumentação "ad hominem". É um dos artifícios retóricos mais básicos, e também mais baixos.)
- Linguagem colorida. As taxas "explodem" ou "despencam", as reservas são "corroídas", "derretem" e assim por diante. O tom é panfletário e catastrofista. O catastrofismo também é um truque retórico dos mais baixos; tenta fazer com que qualquer pessoa que discorde do texto se passe por um colaborador do apocalipse.
No blog O Indivíduo, de orientação ideológica liberal, foi postado um texto auto-crítico, mas que também pode ser estendido a artigos de qualquer panfletagem ideológica. Dentre os principais pontos apresentados pelo autor eu destaco os seguintes:
- Censura. Referir-se à ausência de reprensentatividade de certas idéias ou pessoas na imprensa como “uma forma de censura mais insidiosa, e por isso pior, do que aquela praticada na ditadura”. (os socialistas são barrados pela mídia "elitista"; os liberais são barrados pela mídia "que beija a mão do Estado"; os conservadores são barrados pela mídia "libertina", ou mesmo "comunista"; o que acontece é que, na maioria das vezes, as empresas da mídia só querem preservar seu mercado, não ofendendo seu público leitor e seus anunciantes; qualquer teoria da conspiração não faz sentido).
- Ditadura & opressão. Direita — e esquerda — tratam sua sensação subjetiva de marginalidade cultural como opressão de facto. Estar no Brasil de hoje e sonhar comparar-se aos perseguidos de URSS, Cuba, Camboja, Alemanha nazista etc. é um insulto a esses perseguidos. (gostei muito da última frase, parece que as discussões sobre economia, política e sociedade provocam a banalização dos genocídios).
- Insistência em culpar o Brasil por tudo. Isso serve como crítica a qualquer teoria social baseada em determinismo cultural. São débeis, baseadas em hipóteses completamente ad hoc e não falsificáveis, as tentativas de buscar explicar problemas dinâmicos (como o desenvolvimento sócio-econômico) com base apenas em parâmetros puramente estáticos, como a religião, os hábitos e costumes populares, etc.
- Pronunciamentos categóricos. Dos esquerdistas, eu já cansei de ler "a desigualdade social no Brasil atinge parâmetros moralmente inaceitáveis.". Dos liberais, já não agüento mais "não existe almoço grátis" em cada post.
- Fetichismo intelectual inviabilizador da vida. Quem não leu o autor X é um completo ignorante a respeito do tema em discussão. Se X é totalmente desconhecido, a culpa é do viés ideológico (qualquer um) das editoras, que censuram suas obras. É um artifício para tentar fazer com que o debatedor adversário passe por ignorante, principalmente se ele não for.
- Amor incondicional por determinados governos. Conservadores idolatram George W. Bush. Liberais idolatram Reagan e Thatcher. Esquerdistas preferem, em geral, opções latino-americanas, de diferentes níveis de radicalismo. Mas todos partem do princípio de que se alguma coisa de bom aconteceu no país (ou até mesmo no mundo) durante o governo idolatrado em questão, há uma relação confiável de causalidade entre a honestidade e a sagacidade do nobre líder e esses fatos.
Particularmente, eu considero que a análise desses recursos retóricos nos permite separar o joio do trigo em nossos estudos.
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Há 20 minutos
3 comentários:
aí, Ricardo:
na condição de aprendiz de retórica, sinto bem-estar em ver-me em boa companhia. sigo Deirdre McCloskey em sua sugestão de que toda a argumentação é retórica. ela baseou-se, presumo, em teu colega Richard Rorty e Jurgen Habermas, eles próprios sendo o maior elogio da idéia de que o diálogo é o maior atributo humano.
desconheço algo mais interesssante do que a teoria da escolha racional para a explicação em ciências sociais e vejo com ceticismo as correntes heterodoxas que recusam a relevância da construção de modelos e, especialmente, negam-se a conceder que as identidades ex post (como o caso do equilíbrio entre compras e vendas) não lhes (aos modelos, às correntes) é boa inspiração.
tuas outras postagens e as de LeoMon citadas permitem vermos que a modelagem é um guia para o pensamento, ainda que não possamos esperar provas universais sobre verdades factuais.
meu domingo melhorou depois de longa viagem por teu blog.
.d.
Excelente post. Se me permite uma dica, o preto como plano de fundo é cansativo.
Abraços,
Duilio: agradeço muito a contribuição.
Na verdade, não acho que a retórica seja sempre ruim em debates acadêmicos. O que me incomoda são sempre os mesmos clichês e a insistência em atques moralistas ad hominem, quando as idéias acabam.
Abraço
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