Na minha última prova de Macroeconomia para Administração, curso de graduação que ministro aqui na UFMG, incluí uma questão extra, valendo um ponto para além dos dez pontos que a prova valia. Essa questão consistia em ler uma reportagem de uma página sobre o orçamento que o governo de Mato Grosso divulogou para as obras que serão realizadas em Cuiabá tendo em vista que a cidade foi escolhida para sediar a Copa do Mundo em 2014 (mais de um bilhão de reais), e comentar sobre o impacto disso para o crescimento da região.
Essa questão não tinha uma resposta exata definida, eu apenas queria ver a capacidade de análise, reflexão e de argumentação dos meus alunos utlizando as principais teorias macroeconômicas, conforme apresentado em sala de aula. Conforme o nível do texto, dei notas iguais a zero, 0.3, 0.5 e 1. Porém, eis que os textos que li foram bastante intrigantes.
Das 49 provas que corrigi, 9 alunos (18,37%) não responderam a questão, ou escreveram coisas sem nenhum conteúdo econômico, e ficaram com zero nesse ítem. Um aluno (2,04% da turma) criativamente afirmou que a Copa incentivaria a acumulação de capital humano pelos trabalhadores cuiabenses, para que melhor atendam aos consumidores turistas estrangeiros. Como seu texto foi muito bom, dei um ponto para o aluno. Dois alunos (4,08%) questionaram as obras, afirmando que seria melhor investir em projetos mais relacionados ao crescimento de longo prazo, como educação, saúde e pesquisas tecnológicas. 4 alunos (8,16%) se preocuparam com o risco de déficit público elevado, o que poderia, no médio prazo, elevar as taxas de juros no mercado financeiro, e restringir investimentos privados (pelo efeito crowding out, que eu expliquei para eles no início do mês de junho). 5 alunos (10,2%) viram na Copa do Mundo um risco para a aceleração inflacionária no país, conforme muito bem explicaram pelo modelo AS-AD de equilíbrio de médio prazo. 12 alunos (24,49%) afirmaram que o melhor da Copa vão ser os investimentos de infra-estrutura que o governo vai realizar nas cidades-sede, de modo que muitos gargalos devam ser eliminados.
Até aí tudo bem. Agora vem o grande choque: nada menos que 16 alunos, 32,65% do total da turma argumentaram que a Copa será favorável ao crescimento da economia brasileira porque incentivará os gastos dos governos no país, aquecendo a economia no curto prazo. Desses alunos, dei no máximo 0,3 para aqueles que, pelo menos explicaram a lógica IS-LM corretamente. E isso que todos eles tiveram contato com os modelos econômicos de médio prazo (AS-AD) e longo prazo (Solow, Capital Humano e Economia das Idéias). E, muitos desses 16 alunos responderam corretamente as questões da prova que tratavam especificamente desses temas.
Ou seja, o pensamento econômico estatista e míope continua predominando nas mentes brasileiras, inclusive em uma turma de uma das melhores universidades do país. Mesmo sabendo das limitações das políticas fiscal e monetária no médio prazo, e da capacidade dos trabalhadores e empresários de promover o crescimento, pelos investimentos em tecnologia e em capital humano, quase um terço da minha turma ainda vê o desenvolvimento apenas como uma questão de vontade política. Parece que muitas pessoas ainda estão vivendo o Regime Militar. É uma pena.
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Há uma hora
3 comentários:
Já me aconteceu várias vezes de estar ensinando um assunto e perceber que os alunos preferiam continuar acreditando que o certo era o senso comum.
Faziam aquela expressão no rosto, tipo: isso aí é teoria. Na prática, é diferente!
E eu me perguntava, em silêncio: onde foi que eu errei? (risos)
Enoch
Na graduação, os modelos de curto prazo, estilo IS-LM, são apresentados ao lado dos de longo, como o de Solow e de capital humano. A "transição" de um para outro é um mistério até hoje na minha cabeça.
Enfim, quero dizer que provavelmente responderia a mesma coisa que aqueles 16 alunos. E quando visse minha nota, exigiria explicações do professor, e, pelo que vi, não me conformaria com ela.
Enoch: É, ensinar os alunos a superar o senso comum é realmente difícil. Eu deveria estar preparando eles há mais tempo para esse "choque".
Diego: Responderias do mesmo jeito que eles e tirarias no máximo 0,3 na questão como eles! Essas coisas os alunos de graduação têm que aprender na marra, mesmo.
Abraços aos dois
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