segunda-feira, janeiro 18, 2010

O Que É Punk - Antonio Bivar (2)

Em 1973, com o choque do petróleo, houve uma crise econômica mundial, resultando no surgimento de uma grande massa de jovens trabalhadores desempregados nos grandes centros urbanos industriais. Esses jovens, empobrecidos com a crise, não se sentiam representados pela música popular predominante da época, isto é, o rock progressivo e o glam rock, e eram jovens demais para se apegar aos ídolos hippies da década anterior. Além disso, no próprio meio musical, os estilos do momento estavam sendo questionados pela onda minimal, liderado pela Patti Smith e pelo grupo New York Dolls. O estilo minimal era literal: pregava o retorno ao básico, a música mínima em termos de tempo de duração e de sofisticação.

Quem se deu conta da nova situação foi o micro-empresário britânico Malcolm McLaren, que tomou conhecimento da cena minimal em uma viagem a Nova York em 1973. Segundo Bivar (pg. 42-43),

... Malcolm McLaren volta a Londres consciente de algumas coisas relevantes: a) que músicas com mais de dois minutos de duração e letras que falassem dos problemas sociais urbanos tinham um futuro; b) que valia a pena praticar a política situacionista, de confrontos e controvérsias, assim como produzir eventos e gestos que polarizassem atitudes; c) que, resumindo, ele estava muito avançado para Nova Iorque, e que Londres continuava sendo o celeiro ideal para laboratórios artísticos de vanguarda.


Ou seja, havia mercado para o surgimento de bnadas de rock que refletissem a situação dos jovens diretamente afetados pela crise mundial de 1973, com músicas simples e agressivas, já que poucos ainda tinham dinheiro para investir em equipamentos musicais sofisticados e até mesmo em aulas de música. Assim, McLaren contrata quatro amigos para fundar o lendário grupo Sex Pistols, dando início ao movimento punk.

Daí até o final do livro, Bivar faz relatos sobre as histórias específicas das principais bandas punk, especialmente dos Sex Pistols. O livro perde seu caráter histórico e se torna uma publicação destinada especificamente para os fãs dessas bandas, o que é de interesse secundário para mim. Por fim, ao descrever como o movimento punk chegou ao Brasil, o autor dá a entender que foi de maneira muito semelhante a que ocorreu lá fora, mudando a cidade e a crise em vigor. Saem Londres e o primeiro choque do petróleo de 1973, chegam São Paulo e o colapso do modelo de substituição de importações, no início da década de 80. De resto, a descrição do surgimento do movimento permanece muito semelhante nos dois casos: são massas de jovens trabalhadores urbanos desempregados que, revoltados e empobrecidos pela situação, adotam um padrão estético e cultural de confronto agressivo contra o que está estabelecido, e lutam (com certo sucesso) pela sua aceitação perante aos setores mais conservadores da sociedade, que os conideram meros arruaceiros marginalizados.

Uma crítica pessoal que posso fazer à análise histórica feita pelo autor (que foi meu maior interesse ao ler esse livro) é a sua total desconsideração da cena novaiorquina (principalmente dos grupos Ramones e do próprio New York Dolls), não apenas como a verdadeira originária do movimento punk, mas também como tendo qualquer importância nesse sentido. É de conhecimento público que Malcolm McLaren teve contato com ambas as bandas em sua viagem a Nova York em 1973. E, nessa época, os Ramones já eram tudo aquilo que o autor descreve dos primórdios do movimento punk: jovens pobres, revoltados com a sua situação e com a cena musical predominante no seu tempo, e que, graças a suas restrições orçamentárias, fazem músicas rápidas, simples e agressivas divulgando suas idéias. E os Ramones fizeram isso espontaneamente.

Acho que, pelo menos em parte, isso decorre de um preconceito que muitos intelectuais brasileiros tenham em relação aos Estado Unidos. Os nossos pensadores tendem a associar toda a cultura norte-americana a produção em massa de bens de consumo imediato, sem preocupações com a qualidade e a expressão, mesmo sem estudá-la seriamente. A contra-cultura e o progresso da liberdade de expressão, com a inclusão dos jovens e das classes sociais menos favorecidas, parecem relegadas como que de maneira mística, seguindo leis históricas inequívocas, à França revolucionária ou à Inglaterra operária.

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