Um dos principais desafios ao estudo dos aspectos econômicos da pobreza é a sua mensuração. É muito difícil de se encontrar uma definição segura e absoluta para a definição de pobreza. Angus Deaton (2003) cita uma pesquia empírica em que os estudiosos buscaram uma resposta mais segura para esse problema perguntando diretamente para moradores de comunidades dos Estados Unidos (exemplo de nação rica) e da Índia (exemplo de nação pobre). Enquanto que na Índia a pobreza é mais popularmente relacionada com a falta de condições para o trabalho (como, por exemplo, os doentes, os aleijados e as viúvas), no Estados Unidos os pesquisados apontaram que a pobreza está relacionada a um padrão mínimo de renda socialmente tolerável de se viver em sua comunidade. Assim, é possível pensar em mensurar a pobreza pensando em uma “linha de pobreza”, acima da qual o padrão de vida das pessoas é aceitável sob o ponto de vista político e social. Mas ainda permanece a questão de como definir o que envolve a definição desse tipo de linha.
Muitos autores relacionam a linha de pobreza como um padrão mínimo para a subsistência do indivíduo. Por isso, essa linha poderia ser mensurada como um piso para os gastos individuais (ou familiares) com a alimentação – a variável chave para a subsistência. Essa hipótese é microeconomicamente fundamentada pela lei de Engel, segundo a qual os indivíduos mais pobres de uma sociedade gastam toda a sua renda com alimentação, e, conforme melhoram suas condições de vida, o percentual de sua renda gasta com a alimentação é decrescente. Sob essa ótica, pesquisadores da metade do século XX consideraram que o consumo de 2000 calorias por dia equivale à alimentação mínima de subsistência de um indivíduo, e a linha econômica da pobreza seria calculada de acordo com o valor mínimo de uma cesta de consumo que contesse essa dotação de calorias. Contudo, Deaton (2003) explica que há uma séria inconsistência microeconômica nessa hipótese: os indivíduos consomem alimentos não pensando apenas no seu valor calórico, mas sim nas suas preferências pessoais com a variedade, a qualidade e o sabor daquilo que comem. Sônia Rocha (2000) complementa explicando as possíveis heterogeneidades do consumo mínimo de subsistência de calorias em uma mesma população. Para a autora, esse indicador tem um sério viés regional, em que aos habitantes rurais tendem a consumir mais calorias do que os urbanos, como também de ocupação, já que os trabalhadores braçais teriam que consumir mais calorias do que os intelectuais.
Além disso, trabalhar com a linha de pobreza definida apenas em termos de renda não é politicamente conveniente para Deaton (2003). Tal interpretação levaria à conclusão política de que distribuir renda para os indivíduos logo abaixo da linha, de modo a fazer com que eles a superem, é mais vantajoso do que ajudar os muito pobres. Ou seja,a pobreza, e a sua mensuração, não podem ser entendidas apenas sob o ponto de vista econômico, mas sim sob o ponto de vista político e social, incluindo observações, por exemplo, sob a variabilidade das condições de saúde e de educação entre os indivíduos de uma população.
Outro problema comum para a mensuração da pobreza é o seu caráter dinâmico. Segundo Deaton (2003) o crescimento econômico pode afetar a distribuição de renda em um país, e isso deve ser levado em conta na atualização dos índices sociais. Além disso, o autor destaca que, quando países pobres crescem vigorosamente durante um certo período de tempo (como a Índia e a China atuais), a mensuração do próprio crescimento econômico pode ser viesada pelo chamado “Efeito Al Capone”, em que o desenvolvimento econômico leva à formaliação, e à inclusão na contabilidade nacional, das atividades econômicas anteriormente tidas como informais. Assim, o autor conclui que dados agregados não são de todo úteis para se avaliar o desempenho da economia social. São precisos microdados sobre a qualidade de vida em nível individual, coletados diretamente em relação à população mais pobre.
Uma outra concepção de pobreza é definida por Amartya Sen. O autor associa a característica de privação, própria à carência, não apenas à disponibilidade de bens econômicos, mas também à capacitação dos indivíduos em desfrutar dos benefícios desses bens. Assim, aspectos como más condições de saúde ou exclusão política-social podem ter efeitos tão negativos sobre o bem-estar individual como a escassez de bens materiais para a subsistência. Sen também introduz o conceito de “pobreza relativa”, a qual é diretamente influenciada pelas instituições e os costumes de cada sociedade, e se diferencia da noção tradicional de linha de pobreza rígida e cientificamente construída para a análise. Deaton, por outro lado, aponta que o principal problema dos países subsesenvolvidos é com a “pobreza absoluta”, definida pelas condições básicas de nutrição e de saúde desejáveis para a população, enquanto que a pobreza relativa esta mais associada com as características sócio-econômicas dos países mais ricos.
Outro problema se dá na comparação internacional dos índices de pobreza. Os bens de subsistência, fundamentais para a análise da linha de subsistência para a pobreza absoluta, não podem ter seus dados quantitativos coletados em uma única medida monetária, e simplesmente converter seus preços em uma moeda-padrão internacional pela taxa de câmbio de mercado pode conter o viés de que o câmbio é determinado pela importação e exportação de bens, muito mais do que pela absorção doméstica de serviços básicos (mais relevantes para a população carente). E mesmo ponderações pela Paridade do Poder de Compra (PPP) podem não estar devidamente corretas, pela variedade de preços relativos intra-nacionais, e pela sua instabilidade ao longo do tempo.
Por isso, para a análise quantitativa dos indicadores sociais, devemos lançar mão de diversos índices, cada qual voltado para um problema específico, e incluindo suas vantagens e limitações específicas. Uma boa lista de indicadores de pobreza e desigualdade pode ser encontrada na obra de Hoffmann (renda por quantis da população, L de Theil, índice de Gini, indice de Wolfston, IDH de Sen e o índice de pobreza de Foster, Greer e Thornbecke). Já os fundamentos matemáticos para a construção de indicadores de desenvolvimento humano são muito bem descritos por Chakravarty (2003).
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Há 2 horas
4 comentários:
Bom post.Uma análise puramente considerando renda é muito "pobre". Afinal, não ter acesso a bons médicos, educação, não poder ir ao dentista regularmente, não ter rede de esgoto e água é pobreza. Essa análise de microdados a que você se refere está relacionada a aplicar questionários em locais identificados como focos de pobreza?
Dá-lhe Martini. Belo post. Vou recomendar para o pessoal aqui das Sociais, afinal sociólogo adora "pobre", hehehehe.
Alias, não sei qual é o tema da tua dissertação. Tu já sabe o que vai estudar?
Abraço!
Microdados são dados de nível individual, coletaos diretamente nos indivíduos e nas famílias (como o Censo, a PNAD e o POF). São bem difíceis de se trabalhar, mas estão rendendo bastante no mundo acadêmico contemporâneo.
Ainda não sei exatamente o que eu vou fazer na minha dissertação. Mas sei que vai ser na área de Economia Social, focada na análise de pobreza (ou educação), usando microeconometria aplicada (cadeira do semstre que vem).
Como um bom admirador da obra do Sen, achei bem legal seu post. Recentemente andei lendo algo sobre crescimento pró-pobre e tal. Pelo jeito essa tua cadeira é bem legal, pena que não temos isso por aqui.
abs
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