quarta-feira, março 19, 2008

Ainda a Metodologia da Economia

Comentário de Henrique a minha conclusão:

Caro Ricardo,
Meu nome é Henrique, sou aluno do último ano da graduação em Economia da USP e conheci seu blog através do blog do Thomas. Bem vamos aos comentários. Realmente gera muita estranheza considerar o individualismo metodológico uma verdade absoluta: ele não nem uma verdade, muito menos absoluta, é apenas um método. Para adotar um tom popperiano, esta não é o tipo de hipótese falsificável ou de fácil verificação. É um método de trabalho, apenas isso. Concordo que a Lei de Say x Demanda Efetiva não é a cisma fundamental da teoria econômica. Mas também não concordo que o que chamamos de ortodoxia seja inerentemente algo atemporal, ageográfico, etc. A economia regional/espacial estuda impacto sobre a especifidade locacional sobre os resultados econômicos (conhece econometria espacial ?, seria interessante para o seu estudo sobre a pobreza em Porto Alegre), o papel da história e das instituições vem ganhando força com o trabalho dos institucionalistas e aos poucos vem sendo adotado pelo mainstream. Os trabalhos em economia política não ignoram simplesmente o que acontece nas outras ciências sociais, como a sociologia e a ciência política. O meu último ponto é que o que define, em última instância, os limites de uma ciência é muito mais o seu método do que seu tema. Não há dúvida que trabalhos como a macro pós-keynesiana, como a lei de Thirwall, se trata de teoria econômica. Mas, trabalhos como o da moderna sociologia econômica (Granovetter, Fligstein, etc.) tratam de temas econômicos (mercado de trabalho, "teoria da firma", etc.), mas não deixa de ser sociologia (eles não fazem economia sociológica ...). O que quero dizer é: uma economia fundada em profissões ou em outros agregados sociais, acredito eu, cruzaria a linha da ciência econômica e te levaria efetivamente para a sociologia ou a ciência política.
Gostei muito do blog e da dessa discussão em particular. (PS.: Desculpe a extensão do comentário, mas havia muita coisa interessante para comentar).


Esse é exatamente o desafio final da metodologia da economia. Não há um critério universal, objetivo e infalível para se caracterizar o que é uma "boa ciência", ou mesmo para demarcar os limites do conhecimento científico em relação a qualquer outra forma de conhecimento. O falsificacionismo popperiano é uma teoria provocativa e interessante, mas nenhum estudioso sobre o assunto admite que ela é diretamente aplicada à ciência econômica. Hoje, li um artigo do Fayerabend (anarquista radical, mas divertido), nao qual o autor afirma que o falsificacionismo está longe de explicar o trabalho científico em qualquer ramo do conhecimento humano. Aspectos ideológicos, metafísicos, inconsistências lógicas, ajustes ad hoc são mais comuns do que imaginamos. Muitas vezes, recorre-se a critérios subjetivos, ou de autoridade científica, para se justificar determinado método como superior aos demais.

Mesmo o falsificacionismo refinado de Lakatos, tema sobre o qual desenvolvi um artigo no semestre passado (e que quero publicar), é contraditório. Por um lado, o autor afirma que um ramo científico é uma "boa ciência" se é progressivo, no sentido de alcançar progressivamente novas previsões, e é "degenerativo" se seu desenvolvimento está estagnado. Por outro lado, o mesmo autor afirma que os cientistas escolhem seu programa de pesquisa, dentro do qual exercerão suas atividades, com base em suas expectativas sobre o progresso ou a estagnação do mesmo. Ou seja, o critério demarcacionista da ciência, para Lakatos, acaba caindo na subjetividade.

Por outro lado, a teoria dos programas de pesquisa lakatosianos é apontada como um critério válido na ciência econômica, mas não como um demarcacionismo entre as correntes de pensamento progressivas e degenerativas, mas sim apenas para diferenciá-las e caracterizá-las de acordo com os conceitos desenvolvidos pelo autor (de acordo com Blaug (1976).

Contudo, como muito bem coloca Hausman (1994), essa atividade ainda não é plenamente conclusiva, devido a grande quantidade, à flexibilidade e às sobreposições dos programas de pesquisa na ciência econômica. O que é um "núcleo irredutível" hipotético de um programa pode ser um "cinturão protetor" de outro, ou mesmo inexistente nos demais programas. Quando apontei o individualismo metodológico e a desconexão com demais fatores relacionados a outras ciências sociais como o principal mecanismo pertencente ao "núcleo irredutível" de um programa de pesquisa neoclássico geral (independente de suas sub-divisões internas), citei no artigo (mesmo não citando no post) o próprio Hausman.

Na verdade, quando o Henrique cita o desenvolvimento da economia regional e institucional como argumentos contra a hipótese de não-relatividade social, histórica e geográfica da economia neoclássica, está, na verdade, reforçando que a definição de programas de pesquisa generalizados dentro da ciência econômica é complicado. Por exemplo, aqui no Cedeplar, o pessoal que trabalha com economia regional (e são muitos) gosta, em geral, de se referir como heterodoxos, críticos à teoria do crescimeno de Solow e do crescimento endógeno. Contudo, seu uso predominante de métodos quantitativos e econométricos avançados para dar embasamento empírico as suas teorias os afastam de muitas das correntes heterodoxas (sobretudo às que tive contato na graduação da UFGRS) de tradição mais racionalística, retórica e bibliográfica.

É por motivos como esse que a própria discussão de métodos demarcacionistas gerais para a metodologia da ciência (não só da economia) "perdeu gás" ao longo dos anos oitenta. As teorias de Popper, Kuhn e Lakatos foram progressivamente dando lugar a teorias construtivistas e pós-modernas na filosofia da ciência, as quais se caracterizam exatamente por ser mais relativistas no que diz respeito à demarcação do que é um "bom conhecimento científico". Por outro lado, partindo desse mesmo fato, outras linhas de pesquisa se desenvolveram na área de retórica científica (como que os cientistas defendem seus pontos de vista) e de sociologia da ciência (quais os meios sociais que mais propiciam o desenvolvimento das atividades científicas).

Meu conhecimento sobre o presente e o futuro da filosofia e metodologia da ciência não passa muito disso, na verdade. Mas, acho bom que ainda há muitas discussões para serem realizadas e pesquisas desenvolvidas nesse ramo.

Agradeço a contribuição do Henrique ao debate.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Ricardo,
Depois de uma resposta com tal profundidade, não me atreverei a dar uma tréplica. O único ponto que me deixou um pouco surpreso foi o fato do pessoal de regional se considerar como heteredoxo. Pelo menos aqui na USP, os professores de Regional não me parecem ter esse perfil. Equilíbrio geral na pós, por exemplo, é dado por um professor de regional, típico mainstream. Até a próxima discussão.

Ricardo Agostini Martini disse...

O professor de regional com equilíbrio geral daqui do Cedeplar é ortodoxo. Mas o pessoal que usa análise (e econometria) espacial, é mais simpatizante da heterodoxia.
Mas isso é o que eles falam deles mesmos. Sob um olhar marxista, por exemplo, seria possível chamar ambos grupos de "neoclássicos".

Abraço