Segundo os dados do balanço de pagamentos brasileiro, divulgado pelo Banco Central na terça-feira, em 2011 o país acumulou déficit em conta corrente (saldo das transações de bens, serviços, rendas e transferências unilaterais entre o Brasil e o resto do mundo) de US$ 52,6 bilhões, o maior da história. Por outro lado, esse déficit foi mais do que coberto pela maciça entrada de investimentos estrangeiros diretos no Brasil, que acumularam ingressos líquidos de US$ 66,7 bilhões no ano. O ingresso de IEDs no país se acelerou a partir de agosto de 2010, conforme pode ser visto nos gráficos abaixo, e seguem um fluxo jamais visto anteriormente, certamente influenciado pela crise nos países desenvolvidos, que exportam seus capitais para economias com retorno mais promissor.
A entrada de IEDs para financiar o déficit no saldo em conta corrente significa que o país está crescendo pela captação de poupança externa. Explicando melhor, imaginemos que na economia a produção (Y) é direcionada para o consumo das famílias (C), o investimento das empresas (I), os gastos do governo (G) e as exportações (X), descontadas das importações (IM), que é a produção estrangeira consumida no país. Por outro lado, as famílias, unidades básicas da economia, utilizam sua renda (Y, pois, no agregado, é igual à produção) para o consumo (Y), poupança (S) e pagamento de impostos (T). Ou seja, dadas as seguintes equações:
Y = C + I + G + (X - IM)
Y = C + S + T
Para se identificar as fontes de recursos para os investimentos, causas do crescimento econômico a médio prazo, basta igualar as duas equações e isolar o termo I. Portanto:
C + S + T = C + I + G + (X - IM)
I = S + (T - G) + (IM - X)
Ou seja, o investimento pode ser financiado pela poupança doméstica privada, poupança doméstica pública ou poupança externa. No Brasil, segundo os últimos dados de que disponho, a poupança privada é de 18,8% do PIB (lembro que na China, é de cerca de 50% do PIB) e o setor público opera com um déficit nominal de cercade 100 bilhões de reais ao ano, e se financia com poupança privada pela venda de títulos públicos. Portanto, para o país conseguir crescer a taxas expressivas, acaba recorrendo à poupança externa, captada pelo déficit em conta-corrente (IM - X). Dentro das categorias de capitais externos, os investimentos diretos têm a vantagem de se tratarem de capitais de longo prazo, voltados diretamente ao investimento produtivo, ao contrário dos investimentos em carteira, por exemplo, que são voltados ao curto prazo, isto é, a investimentos no mercado financeiro.
Tenho lido algumas críticas pela internet a esse modelo de crescimento que o país vem adotando desde a recuperação após a crise de 2010. Investimentos estrangeiros, por se traduzirem em ingresso de capitais ao país, apreciariam o câmbio, o que prejudica a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, prejudicando as exportações. Além disso, poderiam piorar a situação da conta-corrente do país por causa das remessas de lucro aos países de origem, que deterioram o saldo da balança de renda.
Independentemente do mérito dessas críticas, questiono qual seria uma possível alternativa. A poupança privada depende, dentre outras coisas, das preferências de consumo das famílias brasileiras, em relação às quais a política econômica tem pouca influência. O déficit público, apesar de não ser grande o suficiente para provocar uma crise de insolvência do setor público brasileiro, é persistente mesmo com toda a elevação da carga tributária que se viu por aqui nos últimos anos, e isso reflete a dificuldade do processo político do governo federal. E simplesmente interromper o processo de crescimento com geração de renda e empregos no país teria um custo de oportunidade em termos de bem-estar social politicamente insustentável.
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Há 47 minutos
Um comentário:
Excelente post. Refletindo sobre o último parágrafo, acredito ser possível uma redução do déficit público e aumento da poupança privada via políticas específicas. Áo menos em curto e médio prazo, o déficit em conta corrente não me parece preocupante em termos de financiamento, mas a questão da competitividade é crucial. Talvez possa ser atacada pelo flanco das reformas estruturias e não necessariamente pelo câmbio.
Grande abraço!
Fernando C.
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