sábado, janeiro 21, 2006

Histórias de Crime e Mistério - Edgar Allan Poe

"Questiono a eficiência, logo o valor, do raciocínio que é cultivado de qualquer forma particular que não seja a lógica abstrata. Questiono em especial o raciocínio originado pelo estudo matemático. A matemática é a ciência da forma e da quantidade; o raciocínio matemático é simplesmente a lógica aplicada à observação da forma e da quantidade. O grande erro reside na suposição de que mesmo as verdades do que é chamado de álgebra pura são verdades abstratas ou gerais. E esse erro é tão óbvio que fico espantado com sua aceitação universal. Os aximoas matemáticos não são axiomas de verdade geral. O que é uma verdade de relação é muitas vezes grosseiramente falso quanto à moral, por exemplo. Nessa última ciência, é muito comumente não-verdadeiro que a soma das partes deja igual ao todo." (POE, A Carta Roubada).

Além dos contos de terror, a outra grande contribuição de Edgar Allan Poe à literatura moderna internacional foi a criação do gênero "romance policial", isto é, o desenrolar de investigação de crimes como tema de histórias. É verdade que histórias de crimes já eram conhecidas na França desde o século XVIII, de acordo com a publicação de biografias de ex-bandidos famosos. Porém, foi Poe quem criou um personagem investigador (o nobre francês Auguste Dupin), de talento mental sobre-natural, capaz de solucionar um mistério apenas com a sua observação de fatos e dados.

É nos contos de Auguste Dupin que Poe revela seu lado "realista", mais do que o romantismo byroniano tradicional. Dupin, o personagem, mais do que ajudar a polícia parisiense na solução de casos misteriosos, ele chega a transformar a investigação policial em uma verdadeira ciência, quase exata, estabelecendo o seu objeto e o seu método (o método dedutivo, de primeiro observar a realidade para depois tomar conclusões). A liguagem dessas narrativas, contudo, acaba se tornando complicada demais para leitores leigos; cada parágrafo exige mais de uma leitura, e simples comentários realizados nos diálogos dos personagens podem fazer toda a diferença no desenrolar da história. Além disso, a ação dos personagens é mínima: o que vale é a observação de Dupin, seu raciocínio, sua metodologia e suas conclusões. Por isso, mesmo sendo considerado o primeiro detetive da literatura, certamente Auguste Dupin é menos famoso do que Sherlock Holmes, de Conan Doyle, e de Poirot, de Agatha Christie.

Os três primeiros contos do livro são dedicados aos casos de Dupin. Os Crimes da Rua Morgue, certamente o conto mais famoso envolvendo o personagem, é o de leitura mais fácil, envolvendo muita ação. O Mistério de Marie Rogêt, baseado em uma história real, é o mais complicado de ler, dada não só a liguagem complexa, mas o próprio estilo narrativo: a história consiste basicamente dos comentários de Auguste Dupin contra os jornais parisienses que cobriam o caso, os quais apresentavam comportamento altamente tendencioso, e acabavam influenciado as investigações policiais para fora da verdadeira solução do caso. A Carta Roubada, por sua vez, é onde Dupin explicita toda a sua metodologia de análise aos leitores, explicando a importância do raciocínio dedutivo e do pensamento abstrato para se explicar a realidade.

Os demais contos da obra retomam o gênero de terror psicológico, já descrito em post passado. Na verdade, acima do caráter psicológico do clima de suspense estabelecido pelo autor, encontra-se um forte componente patológico. Isto é, mais importante do que as características físicas ou intelectuais dos personagens envolvidos nos contos, são as suas condições de saúde, as suas doenças, e como elas determinam o caráter de cada um. Assim, em O Coração Denunciador, Poe descreve um assassinato. Todavia, não dá nenhuma caractérística da vítima, como seu nome, profissão, etc, apenas que é um homem velho e com catarata em um olho. Tal catarata, como se descobre, é a razão do seu assassinato. Já em Berenice, Poe estabelece uma conflitante relação entre um homem monomaníaco (com idéias fixas compulsivas) e sua prima/noiva chamada Berenice, que além de aparentemente anêmica, possui crises de epilepsia.

A análise patológica dos personagens tornou-se comum na literatura naturalista, da segunda metade do século XIX, como na obra de Aluísio de Azevedo, romancista brasileiro. Todavia, Poe sempre se mostrou um homem além do seu tempo.

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