"Questiono a eficiência, logo o valor, do raciocínio que é cultivado de qualquer forma particular que não seja a lógica abstrata. Questiono em especial o raciocínio originado pelo estudo matemático. A matemática é a ciência da forma e da quantidade; o raciocínio matemático é simplesmente a lógica aplicada à observação da forma e da quantidade. O grande erro reside na suposição de que mesmo as verdades do que é chamado de álgebra pura são verdades abstratas ou gerais. E esse erro é tão óbvio que fico espantado com sua aceitação universal. Os aximoas matemáticos não são axiomas de verdade geral. O que é uma verdade de relação é muitas vezes grosseiramente falso quanto à moral, por exemplo. Nessa última ciência, é muito comumente não-verdadeiro que a soma das partes deja igual ao todo." (POE, A Carta Roubada).
Além dos contos de terror, a outra grande contribuição de Edgar Allan Poe à literatura moderna internacional foi a criação do gênero "romance policial", isto é, o desenrolar de investigação de crimes como tema de histórias. É verdade que histórias de crimes já eram conhecidas na França desde o século XVIII, de acordo com a publicação de biografias de ex-bandidos famosos. Porém, foi Poe quem criou um personagem investigador (o nobre francês Auguste Dupin), de talento mental sobre-natural, capaz de solucionar um mistério apenas com a sua observação de fatos e dados.
É nos contos de Auguste Dupin que Poe revela seu lado "realista", mais do que o romantismo byroniano tradicional. Dupin, o personagem, mais do que ajudar a polícia parisiense na solução de casos misteriosos, ele chega a transformar a investigação policial em uma verdadeira ciência, quase exata, estabelecendo o seu objeto e o seu método (o método dedutivo, de primeiro observar a realidade para depois tomar conclusões). A liguagem dessas narrativas, contudo, acaba se tornando complicada demais para leitores leigos; cada parágrafo exige mais de uma leitura, e simples comentários realizados nos diálogos dos personagens podem fazer toda a diferença no desenrolar da história. Além disso, a ação dos personagens é mínima: o que vale é a observação de Dupin, seu raciocínio, sua metodologia e suas conclusões. Por isso, mesmo sendo considerado o primeiro detetive da literatura, certamente Auguste Dupin é menos famoso do que Sherlock Holmes, de Conan Doyle, e de Poirot, de Agatha Christie.
Os três primeiros contos do livro são dedicados aos casos de Dupin. Os Crimes da Rua Morgue, certamente o conto mais famoso envolvendo o personagem, é o de leitura mais fácil, envolvendo muita ação. O Mistério de Marie Rogêt, baseado em uma história real, é o mais complicado de ler, dada não só a liguagem complexa, mas o próprio estilo narrativo: a história consiste basicamente dos comentários de Auguste Dupin contra os jornais parisienses que cobriam o caso, os quais apresentavam comportamento altamente tendencioso, e acabavam influenciado as investigações policiais para fora da verdadeira solução do caso. A Carta Roubada, por sua vez, é onde Dupin explicita toda a sua metodologia de análise aos leitores, explicando a importância do raciocínio dedutivo e do pensamento abstrato para se explicar a realidade.
Os demais contos da obra retomam o gênero de terror psicológico, já descrito em post passado. Na verdade, acima do caráter psicológico do clima de suspense estabelecido pelo autor, encontra-se um forte componente patológico. Isto é, mais importante do que as características físicas ou intelectuais dos personagens envolvidos nos contos, são as suas condições de saúde, as suas doenças, e como elas determinam o caráter de cada um. Assim, em O Coração Denunciador, Poe descreve um assassinato. Todavia, não dá nenhuma caractérística da vítima, como seu nome, profissão, etc, apenas que é um homem velho e com catarata em um olho. Tal catarata, como se descobre, é a razão do seu assassinato. Já em Berenice, Poe estabelece uma conflitante relação entre um homem monomaníaco (com idéias fixas compulsivas) e sua prima/noiva chamada Berenice, que além de aparentemente anêmica, possui crises de epilepsia.
A análise patológica dos personagens tornou-se comum na literatura naturalista, da segunda metade do século XIX, como na obra de Aluísio de Azevedo, romancista brasileiro. Todavia, Poe sempre se mostrou um homem além do seu tempo.
sábado, janeiro 21, 2006
Histórias de Crime e Mistério - Edgar Allan Poe
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