quinta-feira, dezembro 31, 2009

A Verdadeira Culinária Gaúcha (Porto-Alegrense)

Na quarta-feira à noite, quando jantávamos no Cavanha's da Lima e Silva, meus ex-colegas bolsistas de iniciação científica da UFRGS e eu conversamos sobre o que temos mais saudade de Porto Alegre quando estamos morando fora. Em relação à gastronomia, concluímos que o churrasco não chega a deixar saudade. Churrascarias existem em qualquer lugar. Restaurantes-rodízio de comida italiana ídem. Os diferenciais geográficos de temperos e modos de preparação de ambos tipos de comida têm impacto meramente residual sobre o bem-estar do público não-epecializado em culinária.

Mas a iguaria que só comemos em Porto Alegre, porque só existe em Porto Alegre, é o "Xis". Não falo do hambúrguer convencional, com bife honônimo servido frito dentro de um pão redondo adocicado com diversos acompanhamentos. Isso existe em qualquer lugar. Mas o Xis que comemos em Porto Alegre é único. Só aqui provamos do sanduíche do tamanho aproximado de um prato de comida, servido em um pão salgado e prensado, acompanhado basicamente de queijo, maionese, milho, ervilha, alface e tomate, mais a carne (os mais comuns são coração de galinha, frango, calabresa, lombo de porco e contra-filé) e outros ítens à escolha do freguês, e que é comido com garfo e faca (a não ser no Speed Lanches). Além disso, o Xis porto-alegrense não é visto como fast-food, ao contrário dos hambúrgueres do resto do mundo, mas sim um prato para ser apreciado, degustado, e principalmente, digerido, com muita calma.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Ainda Há Esperança para Porto Alegre

Em 2006, quando prestei o exame ANPEC para tentar o mestrado em Economia, sabia que, no fundo, eu precisava mesmo sair do Rio Grande do Sul se quisesse receber oportunidades profissionais promissoras. Se eu resolvess ficar por lá, hoje certamente seria caixa de algum banco, ouvindo reclamações desaforadas o dia inteiro, ou então burocrata do serviço público. As coisas parecem que não evoluem por lá.

Eu realmente gosto muito de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul como lugares para se viver. Tenho muito orgulho de ter nascido e vivido 22 anos de vida nesse lugar. Aprecio muito o frio, o clima (fora o verão em Porto Alegre), as paisagens, os parques e praças da Capital, o MARGs, tomar suco na Feira da Fruta, dar pipocas para os patos do Parcão, respirar o ar perfumado pelas flores dos jacarandás, sentir o vento frio contornando meu corpo enquanto caminho pelas ruas à sombra das árvores, a culinária, feijão preto e bife mal-passado, cerveja Polar, X-lombo do cavanhas, Pastel da República, comprar livros antigos no Beco da Riachuelo, caçar discos usados no viaduto da Borges, fotografar a vista do Gasômetro e caminhar sob as margens do Guaíba.

Mas há dois elementos presentes na sociedade gaúcha que me incomodam muito, e que considero que são cruciais para explicar a crise política e a estagnação econômica que o estado vem passando nas últimas décadas.

Em primeiro lugar, a aversão pelas mudanças, pelo próprio progresso, que é visto sempre como se fosse algo imposto por algum inimigo externo, ao invés deser causado pelas ações e decisões dos próprios membros internos da sociedade. Pelo contrário, há uma valorização do tradicionalismo e do atraso. Por isso, as carroças não devem ser retiradas das ruas portoalegrenses porque "elas fazem parte das nossas tradições". Se os cavalos sujam as ruas e as calçadas de estrume, não podemos reclamar, porque "esse é o cheiro característico das aldeias históricas rio-grandenses". A FORD quer construir uma fábrica de automóveis em Guaíba? Nem pensar, onde já se viu? Se fosse para construir uma charqueada, aí tudo bem. Prédios altos devem ser barrados da cidade o quanto antes, Porto Alegre nasceu para ser provinciana. Pontal do Estaleiro, que horror! Para que imitar cidades desenvolvidas, se o nosso mato é mais belo que os Jardins da Babilônia, e as ruínas do Estaleiro Só fazem inveja às ruínas dos templos romanos? Para que metrô na cidade, se os gaúchos foram feitos para andar a cavalo? Se eu continuar listando tudo o que já ouvi dos habitantes locais em conversas aleatórias, ficaria um dia inteiro postando aqui.

Estrapolando essa aversão às inovações para o lado econômico, isso se caracteriza pela total falta de oportunidades de bons empregos para os jovens universitários recém-formados. A maioria acaba entrando no serviço público ou emigrando de estado.

Em segundo lugar, a noção de que valores individuais como a coragem e a virilidade não são eternos, e devem estar sempre sendo testados e reforçados. Quando não podemos ter o que queremos por meios pacíficos, temos que resolver na ponta da faca, se somos realmente dignos de ser chamados de homens. Por isso, se o governador eleito não for do partido de nossa preferência, devemos derrubá-lo imediatamente, e de preferência, com direito a enforacamentos e fuzilamentos! Se uma empresa multinacional se instala na nossa região e somos bairristas, vamos depredá-la! Se sou o governador, e não tenho competência política de elaborar um pacote de ajuste fiscal, obviamente vou aumentar os impostos! O povo que se dane, e falo isso com orgulho, porque sou macho!

Para minha surpresa, e minha felicidade, percebo que não sou o único crítico de determinados elementos da mentalidade sul-rio-grandense. O pessoal do blog Porto Imagem tem feito um trabalho muito legal em apontar saídas para os problemas do desenvolvimento de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul sem medo de se render para o progresso e a modernidade.

E hoje, fui surpreendido pela notícia de que, depois de décadas de discussão, enfim o projeto de revitalização do Cais do Porto foi aprovado pela prefeitura. Espero que as margens do lago Guaíba estejam ao acesso do público, e da iniciativa privada, em breve. Como eu conheço muito bem a política gaúcha, já estou esperando que muito em breve as hordas bárbaras ataquem com unhas, dentes e machados esse projeto urbanístico, em nome de preservar tudo do jeito que está. Mas a aprovação pode nos devolver a esperança de um futuro melhor.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Lembrando os Tempos de Início de Faculdade

Um dos blogs que eu acompanho publicou um texto que me fez lembrar os primeiros semestres da faculdade.

a quantidade de disciplina completamente sem sentido é preocupante. Por exemplo, no primeiro período eu deveria ter estudado Comunicação e Artes. Cheguei imaginando que teríamos história da arte, linhas da arte e tal e o que tivemos? Um semestre inteiro de videoarte! O que isso acrescentou em minha vida (acadêmica)? NADA! PORRA NENHUMA! Isso sem contar com a Teoria da Comunicação que a professora passa textos onde filósofos discutem universos paralelos, professor de Marketing que, quando resolve aparecer, diz que "aula presencial com aluno e professor em sala de aula é coisa do passado" ou que se estivesse no lugar de nós, alunos, "estaria na praia surfando", isso sem contar com outros exemplos...


Nós todos chegamos à tão sonhada Universidade Federal, após enfrentar a pressão do Vestibular, esperando que o ensino seja algo como as aulas dos melhores colégios particulares, com os melhores profissionais do ramo ministrando cada matéria. Mas, o que encontramos, muitas vezes, é uma combinação de descaso por parte de alguns professores e de muitos alunos. Vários professores se acomodam na estabilidade do serviço público e não preparam aulas, transformam o semestre letivo em organização de seminários (em que os próprios alunos dão as aulas, sem nenhum conhecimento sobre o tema), e muitas vezes matam suas próprias aulas. Para que os alunos não reclamem, esses profesores costumam manter métodos de avaliação frouxos, tais como a auto-avaliação, a repetição das mesmas provas dos semestres passados, a tolerância à cola, etc. Os alunos, que em sua grande maioria pouco se importam com o aprendizado, têm uma preferência inata por obter a aprovação (e o diploma) fazendo o menor esforço possível. Por isso, na maioria dos casos, é o aluno que faz o próprio curso.

Felizmente no curso de Economia, uma minoria de professores se comporta assim. Meu contato com os "picaretas" foi exatamente durante o que o autor do blog chamou de ciclo básico, isto é, os primeiros semestres do curso em que temos predominantemente disciplinas de outros departamentos (como administração, sociologia, direito, ciência política, etc.). Felizmente, no meu caso, não cheguei a passar por uma situação tão constrangedora quanto essa aula de marketing descrita no texto do blog. Na economia, as principais "falhas didáticas" que certos professores têm são outras.

Em primeiro lugar, alguns professores radicais de esquerda transformam a sala de aula em palanque político, e se ofendem pessoalmente quando algum aluno questiona suas posições. Eu já presenciei a situação de um colega meu ser xingado por isso. Em segundo lugar, outros professores (predominantemente heterodoxos) fazem da disciplina uma oficina de leitura dos seus autores favoritos, mesmo que estejam desatualizados, ou mesmo que de utilidade duvidosa em termos acadêmicos (me lembro de ter lido artigos de autores da União Soviética discutindo o desenvolvimento das relações capitalistas no campo). Nesse caso, a análise econômica se transforma na aplicação direta dos conceitos desenvolvidos por esses autores à realidade atual. Se não bater, pior para a realidade atual, é claro. Por último, alguns professores (agora, predominantemente ortodoxos) transformam a sua disciplina em algo muito mais complicado do que realmente é, tornam-se incompreensíveis meio que de propósito, já que tem a necessidade psicológica de serem vistos como "gênios incompreendidos" pelos seus alunos e colegas.

Acho sempre bom prestar atenção nas falhas dos professores para que, quando estivermos no lugar deles, evitemos repeti-las.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Paul Samuelson 1915-2009



Ontem, fiquei sabendo do falecimento do Paul Samuelson, um dos principais economistas do século XX. Trabalhando em diversas áreas da ciência econômica, como a microeconomia, a macroeconomia, as finanças públicas e a economia internacional, Samuelson foi um dos pilares da construção da teoria econômica moderna.

É dele a Teoria da Preferência Revelada, que costuma quebrar a cabeça dos alunos de mestrado, que estudam Microeconomia pelo manual do Mas-Colell.

O Leonardo Monastério nos conta uma história bem legal sobre a censura do seu manual de introdução à economia (predominante no mercado internacional por várias décadas) pelo regime militar brasileiro.

sábado, dezembro 12, 2009

Parabéns, Enoch

Dedico esse post ao meu colega de profissão e amigo virtual Enoch, do blog Além das Curvas, que foi chamado no programa de mestrado da UFBA para o ano que vem.

Parabéns, Enoch, e muito sucesso nessa nova jornada da vida acadêmica.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Political Compass

Periodicamente, tenho o hábito de fazer o teste do Political Compass para avaliar o imapcto de meus estudos sobre minha visão de mundo e de política. Desde o final da minha gradução, meus resultados se estabilizaram de acordo com o mapa abaixo:



O eixo vertical representa vários graus entre maior ou menor regulação do Estado sobre o comportamento das famílias, entre os extremos do anarquismo (sul) e do fascismo (norte). Já o eixo horizontal representa os graus de maior ou menor intervenção do Estado na atividade econômica, entre os extremos do comunismo (esquerda) e do laissez-faire (direita).

De um modo geral, meus resultados estão refletindo o que estudei e aprendi nos últimos anos. Os agentes privados (indivíduos e famílias) têm a capacidade de tomar decisões e de buscar seus interesses, com problemas de assimetria de informações inferiores aos enfrentados pelos planejadores centrais. Por isso, devem ser deixados livres para buscar sua felicidade, a menos que suas decisões interfiram na felicidade alheia. O setor produtivo deve ser composto por empresas privadas que, buscando o interesse próprio da maximização de lucros, criam renda, empregos e produtos para o consumo, satisfazendo as necessidades dos agentes econômicos. Porém, se as empresas utilizarem poder de mercado para elevar seu bem-estar em detrimento dos consumidores, devem passar por regulação pública. Também acho que é papel do Estado o fornecimento de bens cuja produção pela iniciativa privada não é realizada em uma escala apropriada, seja por motivos tecnológicos, seja por motivos de assimetria de informação, seja por motivos institucionais, além de utilizar políticas macroeconômicas para corrigir flutuações abruptas. Além disso, considero que todo indivíduo deve ter o direito de subsistir com dignidade, independentemente da sua aptidão produtiva. Isso justifica transferências de renda e programas sociais favorecendo a população mais pobre.

De um modo geral, os economistas tendem a concordar em ser liberais em relação ao comportamento individual, e isso se deve à vigência da teoria da escolha racional como paradigma dominante na nossa ciência. Outros cientistas sociais, tal como os advogados, sociólogos e historiadores tendem a enfatizar um maior papel às normas e às estruturas sociais sobre o comportamento humano, e por isso acreditam mais nas regulamentações políticas. Já a discussão sobre o "tamanho ótimo" da regulamentação estatal na economia é tema de incessantes e acalorados debates entre os economistas, sujeitos a divisão de opiniões de acordo com as escolas de pensamento e com modismos flutuam ao longo das décadas.

terça-feira, dezembro 08, 2009

De Novo, Os Cupins

Em Belo Horizonte, eu costumava me incomodar com os periódicos enxames de cupins, comuns nos dias mais quentes. Hoje, em Brasília, estou com saudade deles. Os cupins da capital federal, ainda que voem em menor número, são do tamanho de borboletas. Devem comer um armário por dia.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Banhos de Chuva em Brasília

Em Belo Horizonte, quando contei para uma ex-aluna que estava me mudando para Brasília, ela me alertou sobre o clima extremamente seco da capital federal. Ela também me recomendou usar cremes hidratantes para que minha pele e lábios não esfarelassem com o sol.

Pura propaganda enganosa. Aqui tem chovido todos os dias.

Ontem mesmo, consegui tomar dois grandes banhos de chuva em um intervalo de três horas. O primeiro foi quando desci do ônibus e me dirigi para o consultório médico onde faria uma série de exames exigidos pelo PNUD. Cheguei no consultório como se tivesse mergulhado em uma piscina com minas roupas, e a secretária, quando me viu, teve que segurar o riso. Para piorar, acabei pisando em um buraco na calçada cheio da mais pura lama, o que deixou meu sapato na UTI.

Mais tarde, quando já tinha passado a chuva, fui para o Brasília Shopping comprar roupa de cama. Eis que, para minha surpresa, na hora em que saí de lá caiu um novo toró, me molhando completamente de novo.

Sempre fui avesso à posse de guarda-chuvas porque sempre acabo esquecendo-os por onde passo. Mas acho que devo considerá-los novamente.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Endereço Fixo em Brasília

Na semana passada, me mudei para um apartamento alugado na quadra 703 Norte. Vou dividir essa nova república com um ex-colega de mestrado que hoje é técnico de pesquisa no IPEA.

Esse é o meu quinto endereço nesses últimos três anos, e certamente o mais novo e limpo deles. E também é o mais caro, mas não fica muito distante do kitnet que dividíamos.

Ficamos durante ums duas ou três semanas procurando apartamentos em Brasília. Encontramos vários muito bons, e de preços similares, ainda que elevados. Contudo, as enormes confusões e burocracias exigidas pelas imobiliárias, principalmente no que diz respeito á exigência de dois fiadores residentes no DF, nos motivaram a fechar contrato diretamente com um proprietário. Ao contrário dos gerentes de imobiliárias, os proprietários não tratam seus inquilinos potenciais como se fossem caloteiros confessos.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Mapa da Pobreza Mundial

Uma contribuição, do Alan, meu colega de mestrado no Cedeplar-UFMG. Clique no mapa para ampliar.



Mais informações sobre o mapa, contruído por ninguém menos que o Acemoglu, podem ser encontradas aqui.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Filosofia: Novas Respostas para Antigas Questões - Nicholas Fearn

Já faz algum tempo que eu tenho curiosidade em saber como os filósofos da atualidade explicam as questões fundamentais do seu ramo do conhecimento. Quem somos nós? Para onde vamos? O que sabemos? Eu gostaria muito de sabar se os filósofos atuais tinham idéias novas e pouco conhecidas pelo público que não é da área, se eles ainda estão muito ligados aos mestres do passado, ou se eles estavam imersos na pós-modernidade de negação da identidade objetiva e da verdade. Nesse sentido, esse pequeno livro do Nicholas Fearn respondeu muitas das minhas dúvidas: sim, existem muitos filósofos contemporâneos com novas respostas para as antigas questões.

O livro é dividido em 13 capítulos, agrupados em 3 sessões, “Quem Sou?”, que aborda a questaão da identidade pessoal, “Que Sei”, que aborda questões epistemológicas, e que “Que Devo Fazer?”, que aborda questões éticas, morais e sobre a vida após a morte. O autor utilizou, como método de pesquisa, entrevistas com os maiores filósofos vivos, a maioria norte-americanos, sobre o ponto de vista deles sobre os problemas filosóficos fundamentais. Esses filósofos seguem, em geral, a linha da filosofia analítica, predominante no mundo anglo-saxônico e escandinavo, segundo a qual a filosofia é vista como um ramo de conhecimento complementar à ciência. Isto é, o conhecimento científico é tido como válido e verdadeiro, e cabe à filosofia especular sobre as implicações ainda não demonstráveis e testáveis do que a ciência já provou. Por isso, muitas das “novas idéias” estão intrínsecamente ligadas à mecânica quântica, para explicações metafísicas, e à biologia evolucionista darwiniana, para explicar aspectos da natureza humana. Posso listar um breve resumo das idéias presentes no livro.

- A noção de que os indivíduos humanos têm uma identidade singular é decorrente do pensamento religioso ocidental. Não há nenhuma evidência de que isso ocorra. Pelo contrário, a existência de uma doença como o mal de Alzeihmer, em que as pessoas perdem suas faculdades mentais e sua racionalidade antes de perder sua vida é um forte argumento contra a existência de uma alma imortal no interior de cada ser humano. Por isso, a identidade individual é melhor explicada como um mero somatório de processos biológicos dinâmicos.

- Os seres humanos tomam decisões restritas por uma série de circunstâncias. O autor obviamente não fala na “restrição orçamentária”, já que o livro não é de economia, mas sim em restrições políticas, sociais, legais, cognitivas e biológicas. Por isso, a questão do livre-arbítrio é relativa: as pessoas são livres para agir dadas essas circustâncias, que acabam determinando as decisões das mesmas. Todavia, não há nenhuma forma de controle total exógeno sobre a racionalidade humana.

- Existe a verdade. Ela está na natureza das coisas. Contudo, não é certo se os seres humanos são capazes de alcançá-la, já que nossas capacidades cognitivas são limitadas e determinadas pela seleção natural darwiniana. Isto é, as habilidades dos nossos cinco sentidos decorrem de um processo evolucionário de adaptação ao ambiente em que vivemos, e não necessariamente são capazes de capturar toda a verdade universal, já que isso seria um desperdício de energia. Por outro lado, nada impede que seres de uma civilização extraterrestre sejam capazes de se comunicar com os mortos, por exemplo, se isso fosse necessário para que eles se adaptassem melhor ao seu ambiente.

- O conhecimento de cada indivíduo decorre de suas crenças, já que a verdade muitas vezes é inalcançável. Porém, essas crenças são criadas pelas ações e observações de cada um em relação ao mundo objetivo, e não de processos intrínsecos de revelações. A existência das linguagens é uma forte evidência a favor da objetividade das crenças.

- A necessidade humana de conhecimento filosófico pode ser explicado pela biologia evolucionária. Para uma melhora adaptação psicológica ao nosso meio, necessitamos de conhecimento que transceda aquilo que conseguimos observar, e que explique nosso papel no mundo.

- A filosofia pós-moderna da Europa Continental é falha por considerar os conceitos de verdade e de razão como conseqüência de intenções políticas, e não o contrário. Assim, como as intenções políticas são tidas como exógenas, não explicadas racionalmente, abre-se espaço para teorias totalitárias, místicas e românticas sobre a realidade. Por outro lado, o desapego à verdade e à razão tende a transformar os textos pós-modernos em coletivos de prolixidade vazia. Eu, pessoalmente, já suspeitava dessa idéia desde a disciplina de Introdução às Ciências Sociais, no primeiro semestre da graduação.

- Não há nenhuma evidência de que exista algo como uma ética universal à humanidade. Cada sociedade tem o seu código de conduta moral, que pode ou não ser expresso formalmente, em termos totais ou parciais, em leis. Nossas ações podem seguir ou se desviar do que achamos ético de acordo com as circunstâncias, isto é, do que ganhamos em transgredir a moral e da possibilidade de sermos descobertos e punidos. A moral religiosa, de que há um Deus que tudo vê e que determina o que é certo e errado, é fundamentalmente autoritária e coercitiva. Atualmente, há um processo social de abandono ao compromisso com a moral, laica e religiosa, isto é, as pessoas cada vez mais se preocupam apenas em seguir as regras formais de conduta.

- Também não há nenhuma evidência de que exista vida após a morte. A necessidade dela para explicar a finalidade da nossa vida terrena não é um argumento válido, pois então teríamos que descobrir qual seria a finalidade da vida após a morte. Na verdade, a possibilidade de entendermos a finalidade do “tudo” é limitada por não conseguimos delimitar o que é esse “tudo”. Ao contrário, o conhecimento humano progride mais na medida em que a realidade pode ser dividida em partes cada vez menores. Por outro lado, a crença na vida após a morte decorre do medo humano da não-existência, o que é conseqüência de uma estratégia racional evolutiva de auto-preservação.

Eu sei que tudo é muito polêmico, e os filósofos da tradição da Europa Continental, como a grande parte dos pensadores sociais brasileiros, têm seus argumentos de defesa e de contra-ataque. Além disso, afirmar que determinados fatores metafísicos não existem simplesmente porque não há evidências da ciência empírica ao seu favor parece refletir uma visão muito estreita de mundo. E ainda, a tentativa de fundamentar todos os aspectos da natureza humana de acordo com o evolucionismo darwiniano também tende a ficar demasiadamente ad-hoc, já que essa teoria foi construída para explicar a dinâmica das espécies em prazos muito longos, e não fenômenos sociais com poucos séculos ou mesmo décadas de existência. Mas o livro é leitura recomendada pelo seu papel desalienador, de fazer pensar.

domingo, novembro 15, 2009

Passeios Cívicos em Brasília

Já faz três semanas desde que me mudei para Brasília. Nesse período, além de trabalhar, já tive a oportunidade de conhecer razoavelmente a capital federal. Meu local de trabalho, o IPC-UNDP, se localiza no Bloco O da Esplanada dos Ministérios, no prédio do Ministério da Defesa. Por isso, todo dia vejo os principais pavilhões do poder federal, como o Congresso, o Palácio do Planalto, O Itamaraty e o Ministério da Justiça.

Nos finais de semana, principalmente quando está fazendo sol, quando não estou procurando apartamentos para alugar, tenho feito alguns "passeios cívicos", visitando os principais pontos turísticos da cidade. O primeiro lugar que visitei foi o Congresso Nacional, com direito a sentar nas poltronas nas quais os deputados formulam e aprovam leis em nome de nosso bem estar. Confesso que o palácio é mais bonito por fora do que por dentro, apesar de contar com um museu bem didático sobre a história da política no Brasil. Além disso, o plenário da Câmara é muito menor visto pessoalmente do que na televisão, e, segundo o guia turístico, isso é uma ilusão de ótica provocada pelo fato de o plenário ser filmado sempre de cima.


Posteriormente, no meu segundo fim-de-semana em Brasília, caminhei pelo Eixo Monumental da Torre de TV até o Supremo Tribunal Federal. A Torre de TV tem um mirante que proporciona uma visão bastante completa da cidade. É um lugar ótimo para tirar fotos. Além disso, no seu segundo andar, tem um museu de mineralogia bastante semelhante ao de Belo Horizonte, na Praça da Liberdade, isto é, é bem organizado, mas é de interesse apenas para alunos do segundo grau. No pé da torre, há uma feirinha em que se compra e vende de quase tudo, desde camisetas do Bob Marley vendidas por ripongas rastafáris, até guarda-roupas e estantes de madeira. Quando tiver meu apartamento, sei que essa feira me será útil.


Mais adiante no Eixo Monumental está o Museu Nacional. O prédio é praticamente um ovo fincado no meio do concreto, uma grande esquisitisse do Niemeyer. Por dentro, haviam poucas exposições, mas uma, de fotos surrealistas tiradas por um artista francês, me chamou a atenção e me divertiu por mais de uma hora.


Após isso, caminhei até o Palácio do Itamaraty. Esse palácio é o prédio público mais bonito que visitei até agora na capital federal, sobretudo pelas obras de arte, incluindo esculturas, pinturas históricas e tapeçaria persa. Claro, para aqueles que, como eu, são leigos em matéria de arte clássica, a presença de uma guia contando a história de cada obra foi fundamental para a apreciação.

Por fim, atrás do Congresso Nacional está uma praça, toda em concreto. Nela, está no centro um enorme mastro com uma bandeira nacional, à direita está o Supremo Tribunal de Justiça, e à esquerda está o Palácio do Planalto, este em reformas. Essa praça é um exclente point para se tirar fotos. Na parte norte dessa praça está um pequeno prédio de design muito peculiar, que me despertou a curiosidade. Porém, quando cheguei perto, notei que parecia vazio e fechado, e não me atrevi a entrar. No outro dia, meus colegas de trabalho me avisaram que aquilo é, na verdade, um "pombal" federal, e quem se mete a entrar corre o sério risco de tomar um "banho". Dei sorte...


Ao procurar e visitar apartamentos para alugar, pude conhecer muito melhor as asas do Plano Piloto. Ao contrário da minh primeira impressão sobre a cidade, os prédios mais antigos (e feios) se concentram nas quadras mais próximas ao Eixo Monumental. Ao longo das asas, mais distantes, estão blocos de edifícios (que funcionam como condomínios) muito agradáveis, que conseguem aliar a funcionalidade residencial com um contato com a natureza, pela abundância de praças e de parques. E, sobretudo, destaco a ausência de grades ao redor dos prédios, o que dá uma impressão de liberdade ao se caminhar pelas quadras. Os apartamentos para alugar são muito caros, em comparação com Belo Horizonte, por exemplo. Dificilmente a soma de aluguel, IPTU e condomínio dê muito menos de 2 mil reais para apartamentos de dois quartos. Por outro lado, a qualidade dos imóveis para alugar é muito boa, não vi nenhum apartamento até agora que me causasse repulsa (como os que tem na área próxima à Praça da Estação em BH). Além disso, todos estão dotados de bons armários e banheiros limpos.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Geografia, Cultura, Instituições e o Desenvolvimento Econômico dos Estados Brasileiros

Uma questão da minha prova de Macroeconomia II no Cedeplar/UFMG.

III – Geografia, cultura e instituições têm sido listados como importantes determinantes do nível de longo prazo da renda. Você acha a hipótese pertinente para explicar o nível relativo de renda entre os estados brasileiros? Desenvolva.

Instituições e cultura, segundo Acemoglu (2008), são mecanismos que afetam os incentivos econômicos predominantes no ambiente nos quais os agentes estão submetidos. Em síntese, consistem em um conjunto de regras, regulações, leis e políticas que influenciam o comportamento das pessoas. Esses conjuntos de regras são importantes para o crescimento econômico, já que afetam as decisões dos indivíduos de investir em tecnologia, de poupar e de acumular capital físico e humano.

Todavia, os conceitos de instituições e de cultura ainda que semelhantes no que diz respeito ao seu papel de regular os incentivos às decisões individuais nas sociedades, são distintos. Segundo Acemoglu, as instituições dependem de escolhas sociais, isto é, estão sobre o controle dos membros da sociedade, podendo ser reformadas se estes assim decidirem, de acordo com suas preferências sociais. A cultura, por outro lado, é tida como exógena aos agentes individuais, já que depende de fatores de cunho histórico inflexíveis no curto prazo.

Particularmente às regiões do mundo que passaram por processo de colonização européia a partir do século XV, a análise institucional procura respostas para seus os diferenciais de desenvolvimento após suas independências. É considerado um fato estilizado pela literatura que as exportações geraram grande riqueza no período inicial da colonização, mas criando paralelamente desigualdades políticas e econômicas que não permitiram a criação de instituições capazes de estimular o crescimento econômico. Nesse caso, Acemoglu destaca a importância da população inicial das colônias e de sua mortalidade. As colônias pouco povoadas e pouco sucetíveis à epidemias, como a costa leste dos Estados Unidos, tenderam a favorecer a colonização de povoamento, com instituições favoráveis à igualdade de direitos e o incentivo à livre-iniciativa. Os lugares muito povoados, como o México, os Andes e a Índia, ou com altas taxas de mortalidade devido à epidemias, como a África, tenderam a dificultar o povoamento e favorecer o extrativismo e a organização institucional pela criação e manutenção de privilégios às elites locais.

Em relação aos diferenciais de renda entre os estados brasileiros, uma análise histórica referente ao papel da qualidade de suas instituições nesse processo foi elaborada por Menezes-Filho et al. (2006). Os autores procuraram analisar o impacto de fatores como a proporção de escravos em 1819 e 1872, a proporção de analfabetos em 1872, o eleitorado em 1910 e a proporção de estrangeiros em 1920 sobre a atual qualidade das instituições em cada estado brasileiro, usando como proxy para essa última o vigor das políticas trabalhistas em cada unidade da federação.

Os autores chegaram ao resultado de que a escravidão não determina as instituições contemporâneas, já que esse regime de trabalho estava amplamente disseminado por todas as regiões do país. Todavia, o analfabetismo, o eleitorado e a atração de migrantes estrangeiros são importantes, e com impactos maiores nos estados localizados no sul do Brasil. A variável que mais se destacou sobre a qualidade atual das instituições dos estados foi a imigração, o que está de acordo com a hipótese de Acemoglu sobre as condições favoráveis ao povoamento.

Arraes et al. (2001) elaboraram um estudo sobre a importância do capital social e político como determinantes da qualidade das instituições dos estados brasileiros. O autor conceitua capital social como um conjunto de relações de confiança entre os agentes econômicos de acordo com as quais os agentes formam arranjos sociais capazes de promover o crescimento. Como proxy para essa variável, os autores escolheram a proporção de participação em cada unidade da federação nas eleições estaduais. Os autores chegaram à conlcusão que o papel do capital social e político sobre o desenvolvimento é endógeno, isto é, há uma relação simultânea entre o crescimento econômico e a qualidade das insituições nos estados brasileiros.

Em relação ao papel da geografia, um teste econométrico para os diferenciais de crescimento dos estados brasileiros de 1960 a 2000 foi elaborado por Resende & Figueiredo (2005). Os autores testaram cerca de 30 variáveis relacionadas ao crescimento de cada estado, sendo que algumas delas se referiam especificamente a questões geográficas.

Dessas variáveis, três foram significantes. Em primeiro lugar, a taxa de urbanização da população estadual. De acordo com a Nova Geografia Econômica, isso reflete o fato de que regiões em que há aglomeração populacional tendem a apresentar maior taxa de crescimento econômico, uma vez que os custos de transportes são menores.

Em segundo lugar, o índice pluviométrico, no sentido de que os estado com capitais com maior volume de chuvas têm menor crescimento econômico. Mesmo não havendo na literatura um modelo econômico que relacione especificamente essas duas variáveis, existem diversos estudos empíricos que condicionam a produtividade da agricultura de cada região a determinantes climáticos. Por outro lado, esse resultado pode estar refletindo o desempenho econômico recente dos estado do Centro-Oeste, cujas capitais apresentam clima mais seco do que as demais.

Em terceiro lugar, por fim, a taxa líquida de migração, no sentido de que os estados que atraem migrantes internos tendem a crescer mais. Isso corrobora a hipótese levantada pela Nova Geografia Econômica, segundo a qual a migração expande o mercado consumidor e pressiona o mercado de trabalho das regiões, o que atria firmas e reduz custos, favorecendo dessa forma o crescimento econômico.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Eu, Associate Researcher do IPC-IG-UNDP

Recebi hoje de manhã o e-mail que eu tanto esperava. Fui contratado pelo International Policy Centre for Inclusive Growth, um órgão de pesquisa em economia aplicada do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), aqui em Brasília.

Nas duas últimas semanas, cursei alguns tutoriais de Stata aplicados à microeconometria e à análise de impacto de políticas públicas, já me preparando para pôr a mão na massa. Espero que essa nova fase da minha vida contribua muito para apesquisa em Economia do Bem-Estar Social e para meu aprendizado pessoal (além do meu currículo Lattes).

quarta-feira, novembro 04, 2009

Pérola da Blogosfera Brasileira

Ontem descobri um dos blogs mais engraçados e inteligentes da blogosfera brasileira. O Classe Média Way of Life ironiza os hábitos pós-modernos dos brasileiros das grandes metrópoles.

Apesar de sua crítica ser voltada à classe média, que hoje em dia já representa a maior parte da população urbana brasileira em termos de consumo, acho que vale para a população como um todo. Os mais pobres, se tivessem mais dinheiro, e os ricos, se tivessem menos, se comportariam da mesma maneira.

terça-feira, novembro 03, 2009

Novo Golpe pela Internet

Leiam só o post que eu recebi hoje na minha conta do Panoramio:

Norbert Manjarrez, 1 hour ago, said:

So beautiful shot...it captures a feeling of adventure and mistery. I see that you are a perfect photographer. I need your advice. I put the self-extracting archive of pics of my young beautiful wife on my homepage. Please see these photos. Decently I will put these pics on this site?

Greetings from U.S.A.

O "Please See This Photos" abriria um link para um programa executável. Só por isso já permite desconfiar de vírus. Além disso, ele fala da "beautiful wife" dele em um site voltado a fotos paisagísticas e turísticas. Mas o que resolveu a questão foi a foto da minha conta em que ele comentou:



Alguém pode ver algum clima de mistério e de aventura no Instituto de Economia da Unicamp? Ou será que esse cara é um economista ortodoxo ironizando?

domingo, novembro 01, 2009

Primeiras Impressões sobre Brasília

Já faz mais de uma semana desde que me mudei para Brasília, e minhas primeiras impressões sobre a cidade são bastante distintas das que tive quando me mudei para Belo Horizonte, em 2007. Em primeiro lugar, ao contrário da capital mineira, particularmente de sua região central, que é uma metrópole de prédios altos, cinzentos e colados uns aos outros de modo que a vista do céu é prejudicada, Brasília é muito mais espaçosa, e de prédios baixos, a não ser os de órgãos do governo.

No Plano Piloto (Asas Sul e Norte), reside a classe média brasiliense (os mais abastados moram em condomínios e mansões atrás dos lagos e junto às embaixadas). Existem cerca de 16 quadras de extensão por 7 de largura em cada asa, e cada quadra é classificada de acordo com sua funcionalidade, tal como "Comércio Local", "Setor Residencial", "Setor Hospitalar", "Setor Hoteleiro", etc. Os endereços são dados pelo número da quadra que se localiza o imóvel, junto com o "bloco" que indica a posição do imóvel na quadra. No início, é estranho ler esses endereços, mas depois de se aprender a sua lógica, torna-se fácil de se orientar pela cidade. O quitinete que estou dividindo (Morato II) fica na quadra 502, que é um setor comercial.

As quadras, em geral, são muito grandes, com muito espaço entre os prédios (os "blocos"), de modo que existem calçadas entre eles para a circulação de pedestres. A circulação de carros é mais complexa: cada quadra tem um acesso próprio, com um estacionamento de rua (poucos prédios têm garagem subterrânea) em cada uma. Os prédios são bastante curiosos: originalmente eram todos bastante semelhantes, mas depois de tantas reformas ao longo dos 50 anos da capital federal, eles adquiriram design próprio, cada um. As reformas dos prédios funcionais, adaptando-os às demandas tecnológicas e arquitetônicas ao longo das décadas, seguem um processo peculiar: alguma construtora compra um prédio antigo, quebra-o quase por inteiro, deixando apenas seu "esqueleto", e constrói todo o resto de novo, deixando como se fosse um prédio novo. Na quadra atrás do quitinete, quase todos os prédios estão passando por esse tipo de reforma. Além disso, mesmo com toda a área verde presente na cidade, e que eu sentia tanta falta quando morava em BH, confesso que não acho os prédios de Brasília bonitos, a não ser os mais recentes, ou os melhor reformados. Ainda não me acostumei com a estética dos prédios funcionais originais, todos iguais e com aspecto de pequenos colégios. Mesmo os prédios públicos mais antigos (à excessão do Banco Central e do Banco do Brasil) parecem gigantescas caixas de fósforos empilhadas.

Por outro lado, a gastronomia da cidade, assim como sua vida cultural, é muito rica e agradável. O custo da alimentação em Brasília, ao contrário do que me falaram, não é absurdamente cara: um pouco mais que em Belo Horizonte, mas muito menos que em São Paulo, por exemplo, os preços estão mais ou menos no nível de Porto Alegre. Existem muitos restaurantes caros, mas também existem restaurantes funcionais nos ministérios que são subsidiados (10 reais o quilo, no almoço), além de restaurantes com pratos executivos de cerca de 10 reais, e botecos mais simples que servem pratos enormes de arroz, feijão, bife e salada por 7 reais. Ao contrário de BH, pastelarias, confeitarias e lanchonetes especializadas em salgados e pão-de-queijo são raras em Brasília, e estão concentradas na rodoviária. O lanche típico da população são redes de fast-food como Giraffa's, Subway, Bob's e McDonald's, que abundam pelas quadras comerciais. Isso, sim, pode elevar os gastos pessoais com alimentação. A vida cultural conta com muitas exposições de artes plásticas e teatros junto às sedes dos bancos, além de casas de cinema alternativo, tudo a preços acessíveis (ou de graça).

O sistema de ônibus da cidade me pareceu eficiente, com muitas linhas e freqüência satisfatória. Além disso, há uma discriminação de preços nas tarifas: os ônibus que circulam no plano piloto cobram 2 reais, e os que vão até as cidades satélites cobram 3 reais a passagem. A discriminação certamente reflete os custos com combustível, mas é pior para a população mais pobre, que costuma morar mais longe dos seus postos de trabalho. O que me impressionou foi a má qualidade dos ônibus da cidade, muitos deles são tão antigos que parecem que vão estragar a cada vez que o motorista pára em uma parada. Isso é surpreendente para uma cidade da renda per capita de Brasília...

Estou trabalhando em um órgão de pesquisa em economia aplicada na Secretaria de Assuntos Estratégicos ligado à ONU (IPC-UNDP), que fica na Esplanada dos Ministérios. Nos finais de semana, quando não estou procurando apartemento com meu colega de mestrado (e de quitinete), tenho visitado os pontos turísticos da capital federal: visitei o Congresso, que é muito interessante (apesar de que o plenário da Câmara é muito menor pessoalmente do que parece na televisão) e com muito conteúdo didático sobre a história e as instituições políticas brasileiras, as sedes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, e a região dos lagos. Ainda há muito o que conhecer por aqui!

sexta-feira, outubro 30, 2009

Os Ditados Populares na Era Digital

Mais um e-mail engraçado que recebi de meus colegas. Como atualizar os ditos populares com a evolução da informática e das telecomunicações?

1. A pressa é inimiga da conexão.

2. Amigos, amigos, senhas à parte.

3. Antes só, do que em chats aborrecidos.

4. A arquivo dado não se olha o formato.

5. Diga-me que chat frequentas e te direi quem és.

6. Para bom provedor uma senha basta.

7. Não adianta chorar sobre arquivo deletado.

8. Em briga de namorados virtuais não se mete o mouse.

9. Em terra off-line, quem tem um 486 é rei.

10. Hacker que ladra, não morde.

11. Mais vale um arquivo no HD do que dois baixando.

12. Mouse sujo se limpa em casa.

13. Melhor prevenir do que formatar.

14.O barato sai caro. E lento.

15.Quando a esmola é demais , o santo desconfia que tem vírus anexado.

16. Quando um não quer, dois não teclam.

17. Quem ama um 486, Pentium 5 lhe parece.

18. Quem clica seus males multiplica.

19. Quem com vírus infecta, com v'rus será infectado.

20. Quem envia o que quer, recebe o que não quer.

21. Quem não tem banda larga, caça com modem.

22. Quem nunca errou, que aperte a primeira tecla.

23. Quem semeia e-mails, colhe spams.

24. Quem tem dedo vai a Roma.com

25. Um é pouco, dois é bom, três é chat ou lista virtual.

26. Vão-se os arquivos, ficam os backups.

27. Diga-me que computadortens e direi quem és.

28. Há dois tipos de pessoas na informática. Os que perderam o HD e os que ainda vão perder...

29. Uma impressora disse para outra: Essa folha é sua ou é impressão minha?

30. Aluno de informática não cola, faz backup.

31. O problema de computador é o USB (Usuário Super Burro).

32. Na informática nada se perde nada se cria. Tudo se copia... E depois se cola.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Brasília News

Sábado de manhã, cheguei em Brasília. A viagem de avião foi tranqüila, apesar de eu ter que pagar mais de 100 reais de excesso de peso na bagagem despachada. E isso que eu ainda tenho quatro caixas cheias de papers e livros na minha ex-república belorizontina, que eu fiquei de pegar ainda nesse ano. De qualquer forma, minhas bagagens chegaram são, salvas e no horário na capital federal.

De cara, na saída do aeroporto, tomei o famoso golpe do "taxi pirata", que muita gente já tinha me alertado. Ao procurar um taxi, fui indicado para um carro (muito fino e bem cuidado, diga-se de passagem) sem nenhuma pintura que o caracterizasse como taxi. Após embarcar minha bagagem, já quase na metade do caminho, notei que o carro não tinha taxímetro, isto é, eu tinha pego um taxi não-oficial DENTRO do aeroporto de Brasília, e fiquei totalmente à mercê do preço de seu motorista. O cara me cobrou 70 reais (!), quase o preço de uma viagem de BH até o aeroporto de Confins. Pelo menos, me deixou na porta do flat em que eu tinha reserva (não me seqüestrou).

Estou hospedado num quitinete do flat Morato II, no início da Asa Norte. O prédio é muito simples, mas o quarto é muito bom, não tem nenhuma comparação com o hotel Normandy, que eu fiquei nos meus primeiros meses em Belo Horizonte. O quarto tem um dormitório com duas camas (estou dividindo com um colega de mestrado, que passou no concurso do IPEA), uma sala conjugada com um armário de cozinha que tem um frigobar e um fogão, além de um banheiro. Pretendemos ficar por aqui até encontrarmos um apartamento de preço factível para alugar.

No mesmo dia, visitamos o Brasília Shopping, que como a maior parte dos shoppings, é um não-lugar, ou seja, é igual em qualquer lugar. Lá, almoçamos comida mineira (concluímos que não há feijão tropeiro melhor do que o de BH), e pude comprar um mapa da cidade. Passamos o resto do dia olhando classificados e pesquisando pela internet sobre apartamentos para alugar. Ao entardecer, fomos assistir futebol em um boteco de nordestinos perto do nosso flat. Lá, a cerveja era barata, R$3,50 a garrafa, longe dos preços absurdos que muitos amigos meus me avisaram sobre a gastronomia brasiliense, antes de eu viajar.

No domingo, demos uma volta pela cidade. Brasília é uma cidade "estranha", planejada bem demais. Alguns serviços, como bancos e hotéis, formam clusters ocupando quadras inteiras. Nas asas, predominam serviços comerciais ao longo das principais avenidas, ao passo que dentro das super-quadras, abundam prédios residenciais de não mais do que cinco ou seis andares. Em termos de arranha-céus nos moldes belorizontinos ou paulistanos, só vi hotéis e prédios públicos. Cada asa parece, na verdade, uma cidade do interior, com muito espaço e áreas verdes entre as construções. Os prédios estão cercados por caminhos de terra batida, percorridos pelos pedestres, que podem fazer atalhos por dentro das imensas quadras.

Ainda não me adaptei à nomenclatura das ruas e quadras. Meu flat dica na quadra 502, em frente à avenida W3. Isso ainda me parece tão estranho... Mas já me avisaram que é fácil de se acostumar, depois de certo tempo.

sábado, outubro 24, 2009

Moving On... Adeus BH!

Hoje passei o dia encaixotando meus livros e arrumando minhas malas. Amanhã de manhã, embarco para Brasília, em busca de novas oportunidades.

Quando paro para pensar, me lembro que estou a quase três anos vivendo na capital mineira, e tudo parece que passou voando. Desde o fatídico dia em que deixei a casa dos meus pais em Porto Alegre para desembarcar no antigo Hotel Normandy, no centro, passando por todo o mestrado no Cedeplar-UFMG (e o clima de desespero no primeiro semestre), a mudança para a República Gaúcha na Cidade Nova, a mudança da sede da FACE-UFMG do Centro para o campus Pampulha, o momento em que conheci minha namorada Ana Carolina, as apresentações de trabalhos em congressos pelo país, a mudança para a República do Buraco, os shows do Iron Maiden e do Heaven and Hell, a defesa da dissertação, minha experiência como professor de macroeconomia, os meses em procura de emprego até hoje, parece que tudo ocorreu em um piscar de olhos. E tudo está registrado aqui no blog, nos posts a partir de 2007.

Por isso, hoje, meu último dia como residente oficial em Belo Horizonte, resolvi passar a tarde me despedindo solitariamente de tudo o que mais gostei da cidade. Saí de casa caminhando até a praça da Liberdade, que está quase toda em reformas de restauração dos prédios históricos. Desci pela avenida Cristóvão Colombo até a praça da Savassi, observando todos os bares e botecos que já freqüentei e, sobretudo, os que não tive oportunidade de freqüentar. Virei a esquerda na avenida Getúlio Vargas e segui até a Afonso Pena, e pude relembrar, no caminho, de todas as histórias que já presenciei na casa noturna A Obra e no bar da Dalva, este, sede da minha comemoração de aniversário no ano passado.


Pela Afonso Pena, segui sempre em frente e para cima, subindo as ladeiras próximas à avenida do Contorno e à praça da Bandeira. Tirei uma foto do prédio da Oi, cujo museu da história da telefonia, ainda que pequeno, foi uma das melhores atrações que assisti na cidade.


Daí segui para a Praça do Papa, que na minha opinião é o principal cartão postal da capital mineira. Como tivemos por aqui duas semanas de constantes chuvas, as montanhas da Serra do Curral, que limitam a cidade pelo sul, estavam totalmente verdes. De lá, assisti pela última vez (por algum tempo) o Belo Horizonte iluminado pelo Sol, enquanto tomava uma água de côco. De acordo com o Goodle Maps, foram 6,2 km de caminhada.




Ao pôr-do-sol, peguei um ônibus de volta para o Centro. Terminei de arrumar minhas coisas, e fui jantar sozinho do rodízio de massas do La Greppia, tradicional ponto de reflexões pós-modernas com o Diego (e outros convidados) no primeiro semestre desse ano. Após jantar, fiquei durante algum tempo sentado na mesa degustando uma excelente Serramalte e pensando na vida...

Devo retornar à Belo Horizonte em breve, e com uma certa freqüência, já que minha namorada continua na cidade por pelo menos mais um ano, já que cursa doutorado no Cedeplar-UFMG. Além disso, deixo na minha república quatro caixas de livros, artigos e CDs, para carregar depois. Mas, quando retornar, serei um mero visitante na cidade, não mais um morador com raízes firmadas.

Amanhã, meu novo lar será o flat Morato II, na Asa Norte de Brasília. Dividirei o apartamento com um ex-colega de mestrado que passou em concurso. Procuraremos um apartamento para montar uma nova república em breve.

terça-feira, outubro 20, 2009

Minas Tour

Na semana passada, fiz com meus colegas do Cedeplar-UFMG uma tour por algumas cidades do interior de Minas Gerais: Ouro Preto, Viçosa e Mariana. Eu bem que queria ter visitado sobretudo Ouro Preto anteriormente, já que fazem quase três anos desde que me mudei para Belo Horizonte, mas sempre fiquei aguardando que meus colegas organizassem uma caravana turística.

O motivo de minha viagem naquele feriadão do dia 12 era o casamento de um de meus colegas (o Thiago Caliari) na cidade de Viçosa, no sábado dia 10 de outubro. Assim, na manhã desse dia, saí de carona com mais 3 colegas meus, além da minha namorada, pela Estrada Real, que atravessa Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro, e por onde ocorria o transporte de ouro e pedras preciosas desde o século XVII.

Primeiro passamos por Ouro Preto, a antiga capital mineira. Tiramos fotos do seu centro histórico. As construções são bastante bonitas, mas confesso que me decepcionei com a questão da preservação. Tudo parecia quase que em ruínas. Contudo, me contaram que durante aquele mesmo feriadão estava ocorrendo na cidade algum tipo de festa universitária, que estava trazendo sujeira e caos para o ambiente. Espero que, no futuro, eu tenha a oportunidade de conhecer Ouro Preto em uma época do ano menos agitada. Algumas das fotos que bati da cidade são essas:




No sábado à tarde, chegamos em Viçosa. Essa cidade, localizada no ponto médio entre Belo Horizonte e Vitória, no Espírito Santo, é uma cidade universitária, de tamanho relativamente grande, e com boa infra-estrutura residencial e comercial. O casamento ocorreu na mesma noite, e, na manhã de domingo, conhecemos a principal atração da cidade: a Universidade Federal de Viçosa. O campus é bastante extenso, com muitos prédios antigos, da década de 1910, quando foi fundada a universidade (durante o mandato do presidente do Brasil nascido em Viçosa Arthur Bernardes), de arquitetura neoclássica. A universidade é muito bem conservada e limpa, não se vê quase nenhum lixo no chão, quem visita se sente praticamente em uma universidade européia ou norte-americana, como se pode ver pelas fotos abaixo:





Após conhecer a universidade, compramos o famoso doce de leite local (mais escuro e menos doce que o "Mumu" de Porto Alegre, e comido puro pela população mineira, e não passado no pão) em um supermercado. Daí, seguimos para Mariana, próxima a Ouro Preto, no sentido de retorno à capital Belo Horizonte.

Mariana foi a primeira capital de Minas Gerais. A cidade tem um visual colonial, semelhante à Diamantina (no norte do estado), e um aspecto mais tranqüilo, com mentos turistas do que Ouro Preto naquele feriadão. Conhecemos alguns restaurantes típicos mineiros, a praça central da cidade (que pareceu ser o principal point noturno dos adolescentes locais) e quatro igrejas barrocas, de arquitetur imponente. Na segunda pela manhã, percorremos o caminho de Mariana para Ouro Preto de trem, acompanhando as atrações históricas nas duas estações, que estão quase que tranformadas em verdadeiros museus. Algumas das fotos que tirei em Mariana estão a seguir:



segunda-feira, outubro 19, 2009

Motivo de Minha Ausência

Como todos podem ter notado, o blog está meio parado nas últimas semanas. O motivo de minha ausência é uma obra que está sendo realizada no Shopping Cidade, ao lado do prédio onde moro, no Centro de Belo Horizonte. Estão construindo dois novos andares neste shopping, o que tirará a iluminação solar do meu quarto.

Está meio complicado agüentar barulho de furadeiras e pregação de lajes de segunda a sábado, e domingo pela manhã. Por isso, tento permanecer o menor tempo possível em casa durante a manhã e a tarde.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Primeira "Publicação"

Hoje, meu artigo "Um Ensaio sobre os Aspectos Teóricos e Metodológicos da Economia da Pobreza" foi publicado como texto de discussão do CEDEPLAR-UFMG. Já submeti o mesmo trabalho na revista Nova Economia.

Espero que esse texto, que consiste no capítulo 2 da minha dissertação, seja de interesse dos iniciantes na área de Economia do Bem-Estar Social.

terça-feira, outubro 06, 2009

Hitler Não Passou na ANPEC

Apareceu um vídeo muito legal no Youtube. Nele, Hitler discute com seus colaboradores sobre seu fracasso na prova de microeconomia do exame da ANPEC. O vídeo é relegendado do excelente filme "A Queda", e eu já vi paródias semelhantes se referindo à eliminação do Internacional da Copa Libertadores do ano passado, do Cruzeiro nesse ano e à corrupção do governo Yeda. Mas considero esse o mais engraçado.

sexta-feira, setembro 25, 2009

A Identidade Cultural na Pós-Modernidade - Stuart Hall

Comprei esse volume em uma feira de livros na Unicamp, durante o congresso de história econômica, para ter uma opção de entretenimento durante as conferências que não eram de meu interesse. Porém, meu interesse pela pós-modernidade não é recente. Comecei a ler sobre essa temática, que procura teorizar e relacionar a sociedade, a cultura e a intelectualidade contemporâneas, por indicação de um médico psiquiatra, em 2005. Primeiramente, conheci a obra de Michel Maffesoli, e em seguida estudei o livrinho de bolso do Jair Ferreira dos Santos ("O Que É Pós-Moderno?"). Nos últimos dois anos, porém, após longas discussões em mesa de bar com o "Vagabundo Iluminado" Diego Rodrigues, ando mais curioso sobre esse tema, e tenho procurado livros e artigos sobre isso.

No entanto, muito do que tenho lido sobre isso tem me agregado pouca conhecimento. Infelizmente, muitos sociólogos (que são os acadêmicos que mais estudam a pós-modernidade) têm o hábito de escrever de forma obscura, usando e abusando de figuras e formas metafóricas de linguagem, tornando seus textos pouco compreensíveis para quem não tem formação nessa área. Além disso, vários ramos das ciências humanas são impregnados por um relativismo radical, que tira toda e qualquer objetividade do conhecimento, o que torna a leitura de suas obras muito cansativa.

Felizmente, esse não é o caso do livro do Stuart Hall. O autor sabe escrever de maneira bastante clara suas idéias. Segundo o autor, a pós-modernidade, isto é, o período histórico da sociedade, da cultura e da intelectualidade após a Segunda Guerra Mundial, consiste em uma brusca mudança nas identidades sociais tais como elas eram definidas. Ou seja, o autor considera a pós-modernidade como um surto de "crise de identidade" generalizada para o indivíduo humano.

Explicando melhor, o autor diferencia três concepções da identidade individual, de acordo com o período histórico e o ramo do conhecimento implícito. Primeiro, o "sujeito Moderno", ou "sujeito do Iluminismo", visto como um indivíduo unificado e plenamente dotado do senso de razão, decisão, consciência e ação. A racionalidade é vista como o centro essencial da identidade de uma pessoa: todo indivíduo utiliza meios para atingir seus interesses individualmente estabelecidos. Essa concepção de indivíduo está diretamente relacionada à teoria da escolha racional da Ciência Econômica, e à teoria do Direito Natural.

Segundo, o "sujeito sociológico", definido pelas relações de cada indivíduo com o seu meio social, de acordo com a interação com outras pessoas. Isto é, a personalidade de cada sujeito é definida pela interação com a sociedade; cada indivíduo tem uma essência interior, mas esta é continuamente afetada e alterada pelas suas relações com o mundo exterior. Tal visão surgiu no final do século XIX, com o desenvolvimento das ciências sociais, particularmente a sociologia, sobretudo com as obras de autores como Èmile Durkheim.

Terceiro, o "sujeito pós-moderno", visto de acordo com a negação de que as pessoas tenham uma essência individual interior unificada. Isto é, o sujeito tem não uma única, mas sim uma grande variedade de identidades pessoais, e muitas delas podem ser contraditórias umas com as outras, ou mesmo mal resolvidas.

A transformação da concepção moderna-sociológica de sujeito para a concepção pós-moderna, segundo Stuart Hall, decorreu dos avanços nas ciências biológicas e sociais nos séculos XIX e XX que demonstraram a superficialidade da noção do indivíduo unificado definida anteriormente. Na verdade, a própria noção do indivíduo moderno decorreu da evolução intelectual do Ocidente a partir do Renascimento, em contraposição à visão religiosa anterior. Segundo Hall (pg. 26),

Muitos movimentos importantes no pensamento e na cultura ocidentais contribuíram para a emergência dessa nova concepção: a Reforma e o Protestantismo, que libertaram a consciência individual das instituições religiosas da Igreja e a expuseram diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentistam que colocou o Homem (sic) no centro do universo; as revoluções científicas, que conferiram ao Homem a faculdade e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar os mistérios da Natureza; e o Iluminismo, centrado na imagem do Homem racional, cientíico, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada.


Essa noção de indivíduo foi abalada, a partir do século XIX, tanto pelo desenvolvimento da biologia darwiniana, que encontrou fundamentos naturais para o explicar a racionalidade humana, como pela complexização das sociedades modernas, com o crescimento das atividades comerciais, industriais e a urbanização, o que permitiu o desenvolvimento de novas teorias capazes de explicar a ação e a interação dos indivíduos. Hall aponta cinco avanços da teoria social que contribuíram para a superação da noção do sujeito moderno:

1 - O historicismo marxismo-hegeliano. Nessa concepção, a identidade individual é determinada pelos condicionantes históricos do meio social em que o indivíduo age. Para Hegel, o principal condicionante histórico são as idéias vigentes e aceitas pelos membros da sociedade. Para Marx, o principal condicionante histórico são os meios materiais de produção, isto é, a estrutura econômica vigente.

2 - A psicanálise freudiana. Segundo essa teoria, a formação da identidade individual depende de fatores psíquicos que muitas vezes são inconscientes ao sujeito. Ou seja, a capacidade plena do indivíduo de tomar decisões e agir conscientemente em busca de seus interesses é posta em dúvida.

3 - A linguística estrutural, segundo a qual o pensamento individual é determinado pela cultura do meio social que o cerca, por meio da linguagem. Isto é, cada pessoa só pode se expressar se posicionando a respeito de su cultura, que define a sua língua e a sua capacidade de comunicação com as outras pessoas.

4 - A filosofia do poder disciplinar de Michel Foucault. Segundo esse autor, as instituições sociais têm o papel de vigiar e punir o comportamento individual em benefício não da coletividade, mas sim dos próprios detentores do poder, não apenas do poder político, mas também do poder econômico, ideológico e intelectual. Segundo Hall (pg. 42):

O objetivo do "poder disciplinar" consiste em manter "as vidas, as atividades, o trabalho as infelicidades e os prazeres do indivíduo", assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida familiar, sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento éspecializado dos profissionais e do conhecimento fornecido pelas "disciplinas" das Ciências Sociais. Seu objetivo básico consiste em produzir "um ser humano que possa ser tratado como um corpo dócil".


5 - O surgimento de movimentos sociais das minorias, isto é, que se uniam de acordo com identidades para além daquelas de natureza individual ou de classe social. Hall cita como exemplos o movimentos feminista, estudantil, pacifista e contracultural de 1968. Esses movimentos politizaram a subjetividade e o processo de identificação social, além de escancarar a pluralidade de identidades. Como exemplo, o autor cita o caso de um juiz norte-americano negro e conservador acusado de assediar sexualmente uma estagiária branca, e como que a opinião pública regiu a isso. Os indivíduos tenderam a reagir com base em seus conjuntos de identidades pessoais (do tipo homem/mulher, negro/branco, liberal/conservador), isto é, os homens negros liberais tenderam a ser favoráveis ao juiz, mas não os conservadores, ao passo que os homens brancos, liberais ou conservadores, foram mais favoráveis à estagiária. As mulheres, em geral, foram favoráveis à estagiária, a não ser o caso das mulheres negras liberais, que foram favoráveis ao juiz, acreditando que a denúncia foi alguma espécie de intriga de cunho racista.

No resto do livro, Stuart Hall explica como a pós-modernidade, influenciada pelas cinco correntes de pensamento social descritas anteriormente, abalou a noção de identidade cultural até então mais aceita, que é a identidade nacional, isto é, a cultura de uma sociedade como a cultura de um país. A pós-modernidade, assim como a globalização, desconstriu a noção de que há um senso de nacionalidade acima da individualidade e de localidade. Ou seja, as pessoas estão perdendo seu senso de nacionalismo e de patriotismo, que são vistos como discursos para direcionar o senso de coesão social. Contudo, Hall destaca que a decadência das nacionalidade não significa o fim da coesão social, já que é um discurso relativamente novo na história da humanidade, datando do surgimento dos estados modernos ocidentais, e sua construção não foi um fenômeno pacífico e voluntário, mas decorreu da conquista e imposição por parte dos governos imperiais, que passaram a promover alguns de seus vassalos mais fiéis e próximos à condição de "compatriotas" ao custo da imposição da cultura imperial. Porém, a questão da nacionalidade, apesar de recente, já se enraizou nas sociedades modernas, e têm impacto sobre a cultura vigente nos meios em que vivem os sujeitos, seja na forma da linguagem, seja na forma das instituições, ou ainda na forma da ideologia historicista presente nos meios educacionais.

Com isso, o autor explica a questão do obscurantismo e da perda de identidade intrínsecos à pós-modernidade. Com a globalização, a nacionalidade perde o seu sentido; as pessoas são membros ao mesmo tempo de pequenas comunidades locais e de uma grande aldeia global. Mas a nacionalidade canalizou o senso de cultura, em relação a qual se definem todas as identidades de cada indivíduo, de modo que as pessoas residentes nos países da civilização ocidental sentem que algum sentimento de coesão social tenha se enfraquecido nas últimas décadas. No resto do livro, Hall explica algumas controvérsias a respeito desse impacto da globalização sobre a desconstrução das identidades nacionais, com ênfase na relação da civilização ocidental com as demais culturas humanas.

O melhor do livro, em resumo, é que ele fornece uma boa noção para o público mais leigo sobre os últimos desenvolvimentos nas humanidades sem aquele tradicional "discurso crítico" de forte viés de ideologia política que impregna tantas das obras das ciências sociais.

sábado, setembro 19, 2009

Ótimo Site de Quadrinhos

Hoje descobri um site muito engraçado de quadrinhos e tiras. O nome é "Malvados". Como o próprio nome demonstra, é especializado em humor negro.

A melhor tira que li, até agora, é essa:

sexta-feira, setembro 04, 2009

Pós-Mestrado News

Já se passaram mais de três meses desde que defendi minha dissertação de mestrado. Parece que foi ontem... Dedico esse post para contar notícias do que fiz e ainda ando fazendo em BH desde então.

Minhas aulas como professor substituto acabaram no início de julho. Como não consegui bolsa nesse semestre, não estou mais dando aulas na UFMG.

Desde o final de julho, quando voltei de férias com minha família em Porto Alegre, estou montando artigos com base em minha dissertação. Concluí o primeiro na terça-feira passada. Basicamente, consiste no capítulo teórico sobre a economia da pobreza, e já submeti na revista Nova Economia, da UFMG. Meu co-orientador me sugeriu encaminhar esse artigo para se tornar um texto interno de discussão no CEDEPLAR-UFMG. Vou fazer isso amanhã.

Estou aguardando ser chamado no IPEA, como bolsista pesquisador. Já encaminhei meu currículo e projeto para eles, e o professor orientador me falou que minhas chances são muito boas. Espero que tudo dê certo.

Hoje recebi uma triste notícia. O meu artigo de modelos hierárquicos, que vou apresentar na próxima quarta-feira no encontro da ABER em São Paulo, foi rejeitado pela revista PPE, do IPEA. Um dos pareceristas foi ríspido, e o outro, mais conciliador. Que pena. Dos meus artigos prontos, achava que este era o melhor.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Contra o Método - Paul Feyerabend

Ganhei o mais importante livro do intelectual alemão radicado nos Estados Unidos Paul Feyerabend em dezembro passado. Comecei a ler em janeiro deste ano, mas, devido à pressão para eu terminar minha dissertação de mestrado, acabei deixando de lado, e só concluí a leitura nesta última semana. Meu interesse pelo pensamento de Paul Feyerabend vem desde o segundo semestre de 2007, quando eu cursei a disciplina de Metodologia da Economia no meu curso de mestrado na UFMG, e encontrei os conceitos principais do autor no manual do A. F. Chalmers "O Que É Ciência, Afinal?". Imediatamente, as idéias provocadoras e anarquistas do autor me chamaram a atenção, isto é, concordando ou não, elas me fizeram pensar muito a respeito sobre a natureza da ciência, da academia e do conhecimento humano em geral.

As idéias de Feyerabend, conforme organizadas por Chalmers, podem ser agrupadas em quatro pilares estruturais.

Primeiro, o vale-tudo. Segundo Feyerabend, não existe um método científico universal, isto é, cada ramo da ciência e cada paradigma predominante em cada ramo apresenta suas próprias regras. Além disso, essas regras heurísticas para a condução da atividade investigativa existem exatamente para defender os interesses e as posições sociais dos cientistas engajados nos paradigmas vigentes. Por isso, para que um determinado ramo da ciência progrida, é necessário que os pesquisadores rompam com os métodos vigentes e superem o paradigma predominante. Portanto, para o progresso do conhecimento científico, é necessário que os vanguardistas apelem para o vale-tudo para conquistar espaço frente ao conhecimento estabelecido e aos dogmas vigentes. A demarcação entre os pensadores respeitáveis e os charlatões não precisa de regras metodológicas estritas, mas depende dos próprios resultados das pesquisas realizadas, isto é, os pensadores respeitáveis são aqueles com maior capacidade e interesse de trabalhar em suas teorias de modo a superar qualquer limitação que possa apresentar, ou crítica que possa receber. Já os charlatões se acomodam em defender seus pontos de vista em forma original.

Segundo, a incomensurabilidade. Segundo Feyerabend, a observação de dados, fatos e fenômenos está determinada pela base teórica que cada pesquisador tem em mente. Assim, escolas de pensamento distintas para um mesmo ramo da ciência podem ter intepretações totalmente distintas sobre o mundo real, e os métodos empíricos não são capazes de levar a um consenso. Em alguns casos, os princípios fundamentais de diferentes teorias sobre um mesmo objeto são tão distintos que não há sequer a possibilidade de interação entre elas. Como exemplo, o autor cita a relação entre a mecânica clássica e a teoria da relatividade. Por isso, a escolha por parte de um cientista de determinada teoria a ser seguida não depende de nenhum fator objetivo (como a busca do progresso do conhecimento, em Popper), mas sim de suas próprias preferências subjetivas.

Terceiro, a ciência não é necessariamente superior a outras áreas do conhecimento. Segundo Feyerabend, a superioridade do conhecimento científico frente a outras formas de conhecimento, como a espiritualidade, a religiosidade e o conhecimento popular é sempre assumida como pressuposto, mas nunca demonstrada. Para o autor, isso nunca poderá ser demonstrado, uma vez que os cientistas tendem a investigar essas outras formas de conhecimento seguindo seus próprios métodos, que por sua vez estão viesados em favor dos interesses e do modo de pensar e agir dos cientistas. Para uma comparação mais honesta entre todas as formas de conhecimento humano, seria apropriado comparar a natureza, os objetivos e os métodos de cada uma delas.

Quarto, a ênfase na liberdade individual. Feyerabend assume que o objetivo de sua obra, ao refutar a existência de um método científico universal, é encorajar a ação e a criatividade individuais para aprimorar o conhecimento humano. Isso vale não apenas para o conhecimento dito científico, mas abre a possibilidade dos indivíduos terem a liberdade de escolher qual forma de conhecimento seguir. Segundo o autor, a ciência, se não for contestada e não ter a concorrência dessas outras formas de conhecimento, torna-se uma ideologia dogmática que reprime a ação dos indivíduos em nome dos interesses dos cientistas e acadêmicos em geral.

Em relação a minha opinião pessoal sobre as idéias de Feyerabend, tento ser conciliador. Em primeiro lugar, com base em meus estudos e pesquisas em metodologia da ciência, concordo que não há um método científico universal além de definições muito genéricas do tipo "o conhecimento científico deve partir de uma teoria logicamente consistente e passível de comprovação ou refutação com base em testes empíricos". Porém, não estou apto a afirmar se a história do pensamento da humanidade segue a lógica dialética (há um paradigma vigente (tese); ele sofre críticas (antítese); ele pode ser derrubado e substituído por algo proposto pelos seus críticos (síntese)) proposto pelo autor. As revoluções científicas, conforme proposto por Thomas Kuhn, de mudança de paradigmas nos ramos da ciência geralmente seguem essa lógica, mas acho muito importante o progresso linear do conhecimento dentro dos paradigmas, mesmo com suas limitações.

Também concordo com o autor a respeito da dependência que as investigações empíricas têm das proposições teóricas que os pesquisadores seguem. Isso é ainda mais relevante para as ciências sociais, em que muitas das hipóteses levantadas pelas teorias simplesmente não são passíveis de teste, e a conduta de pesquisa tem um caráter mais lakatosiano (de defesa de um "núcleo irredutível" de hipóteses metafísicas). Mas, nem por isso, nego a importância fundamental dos métodos empíricos para o conhecimento humano, apenas defendo que eles devem sempre estar de acordo com um determinado aracabouço teórico, que possa explicar as observações realizadas.

Em relação à escolha por parte dos pesquisadores a respeito de qual corrente teórica seguir, estou mais com Imre Lakatos do que com Feyerabend. O que realmente conta são os interesses futuros, isto é, os pesquisadores estão, em geral, inclinados a se integrar em linhas de pesquisa que possam lhes trazer sucesso profissional, e esses movimentos de pesquisadores em busca do interesse próprio ajudam a explicar a história do pensamento. Os desejos subjetivos metafísicos, conforme proporsto por Feyerabend, têm papel secundário.

Por fim, considero que o debate sobre se a ciência é realmente superior a outras formas do conhecimento vem sendo super-dimensionado. Na verdade, a ciência é realmente superior as demais formas de conhecimento naquilo que propõe fazer, isto é, procurar teorias logicamente consistentes e passíveis de teste empírico. Por outro lado, nem todo o conhecimento humano é passível de ser testado, sobretudo no que diz respeito às ciências sociais, às humanidades e à filosofia (daí meu grande interesse sobre o pensamento de Imre Lakatos, que leva essa consideração em conta). Por isso, nas questões em que a ciência não se propõe a explicar e resolver, tenho muito respeito pelas demais formas do conhecimento, particularmente pela filosofia (no caso de reflexões subjetivas qualitativas não necessariamente empíricas), e pelas artes em geral (no caso da busca de livre expressão, interpretação e criatividade individual, sem necessidade de arranjos lógicos e de empiricidade).

Nesse ponto, considero que Feyerabend, ao tentar polemizar, acabou se excedendo. Ao invés de defender as ciências sociais e a filosofia contra a metafísica de um método científico universal, que são suas áreas de atuação, assim como da maior parte de seus leitores, o autor se prende demasiadamente à defesa de culturas minoritárias (como o vodu, citado pelo autor), da astrologia e da religiosidade, sem levar em conta que tais vertentes tem pouca ou nenhuma correlação com o conhecimento científico, como objetivos e métodos definidos. Nesse ponto, estou de acordo com a crítica de Chalmers. Por último, também achei de mal gosto o autor dedicar um capítulo inteiro da obra procurando defender a Inquisição Católica contra Galileu, mesmo Feyerabend não sendo um conservador.

De qualquer forma, o que interessa é que Feyerabend é provocador e faz com que seus leitores pensem, reflitam, concordem em alguns pontos e explodam de indignação em outros. É exatamente isso que justifica a leitura dessa obra.

domingo, agosto 23, 2009

Novidade na Blogosfera Econômica

Dou boas vindas ao mais novo integrante da blogosfera econômica brasileira. Controvérsias Econômicas, assinado por Arthur, um auto-intitulado economista de esquerda da PUC-RJ.

Desenjo muito sucesso.

O Desenvolvimento Econômico Brasileiro Explicado pelo Modelo de Solow

Texto extraído da minha prova final de Macroeconomia II:
I – Revisite a História Econômica do Brasil a partir de 1950, discutindo o alcance do modelo de Solow ampliado para explicar três dos principais movimentos na sua renda per capita (no mínimo analisar períodos de cinco anos).

De acordo com o modelo de Solow, o crescimento econômico é explicado pela acumulação de dois fatores de produção, o trabalho e o capital. Considerando-se o fator trabalho como constante, o capital é acumulado pela diferença entre o investimento per capita, que depende da propensão a poupar por parte dos agentes econômicos, e a taxa de depreciação do capital já instalado na economia. Além disso, supõe-se que o capital tem rendimentos marginais decrescentes, de modo que, quanto mais desenvolvida for a economia, menor será sua lucratividade, tanto devido aos maiores custos fixos dos investimentos, como também pela maior concorrência entre as firmas proprietárias do capital. Desse modo, o crescimento do produto per capita tende a convergir para um estado estacionário, no qual a acumulação de capital só é suficiente para cobrir a depreciação.

Em um modelo de Solow ampliado, supõe-se a existência de um progresso tecnológico exógeno e de taxas constantes. Esse progresso tende a elevar a produtividade do trabalho, mesmo no longo prazo, em um processo descrito como “acumulação de trabalho efetivo”. Assim, no estado estacionário, este é o único fator capaz de provocar crescimento do produto per capita.

Na economia brasileira, durante o período de 1952 a 1960, em que se aprofundou o chamado Processo de Substituição de Importações (PSI), Bacha & Bonelli (2001) elaboraram um estudo sobre a contabilidade do crescimento econômico no país. Segundo os autores, nesse período, 60,1% do crescimento se deu por ganhos de produtividade da mão-de-obra, sendo que, nesse caso, 21% se deu devido à absorção tecnológica, e 42% é explicado pelo crescimento populacional.

Os mesmos autores, em um artigo de 2005, elaboraram um estudo mais histórico a respeito do desenvolvimento econômico do Brasil. Nesse artigo, Bacha & Bonelli associaram o governo Vargas (1950-1954) a um arranjo institucional favorável a políticas de valorização do café, para beneficiar o setor exportador, e políticas protecionistas para a industrialização, como a criação do BNDES e da Petrobrás. Ou seja, mesmo que o modelo de Solow não capte efeitos de mudanças institucionais na economia, parece lógico que foi adotada no Brasil uma estratégia de crescimento baseada no aprofundamento do capital, apesar de frustrada por instabilidades de cunho político.

Por outro lado, durante o governo Juscelino Kubitschek, o protecionismo industrial, pela substituição da importação de bens de consumo duráveis, se deu devido ao incentivo aos investimentos diretos estrangeiros. Dessa maneira, o crescimento econômico do Brasil passou a ser guiado pela absorção do progresso tecnológico internacional. Todavia, os autores deixam claro que, em ambos os governos, o crescimento econômico doi possibilitado por um aumento da taxa de poupança interno.

A crise financeira que estancou o processo de crescimento econômico no Brasil no início da década de 80, se deu em um contexto de pesado endividamento externo e de aceleração inflacionária no país. De acordo com Bacha e Bonelli (2005), a aceleração inflacionária foi conseqüência da excessiva demanda doméstica, aquecida pelos investimentos estatais maciços durante o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, como também pela indexação de preços e de salários.

Os autores refutam a hipótese de que a crise durante esse período tenha sido causada por uma redução da taxa de poupança doméstica. Segundo os dados de seu estudo, a taxa de poupança na década de 80, mais especificamente até 1986, se manteve estável em torno de 15% do PIB, isto é, em um nível superior aos dos 15% do período de 1947 a 1965, um período marcado pelo forte crescimento econômico. O que teria ocorrido, na verdade, foi uma quebra estrutural na relação entre a taxa de poupança e a acumulação de capital, no sentido de que a mesma taxa de poupança tenha gerado cada vez menos capital acumulado e crescimento do produto.

Em relação a essa quebra estrutural da relação poupança-crescimento, os autores elaboraram duas hipóteses teóricas. Em primeiro lugar, poderia ter ocorrido um encarecimento do preço relativo dos investimentos no país, o que pode ser representado como uma “regressão tecnológica” no modelo de Solow. Esse fator foi causado pelo maior poder de monopólio das indústrias produtoras de bens finais de investimento, por ineficiências intrínsecas ao Processo de Substituição de Importações de bens duráveis, ocorrido no período imediatamente anterior, e por uma maior demanda por bens duráveis, como uma alternativa de investimento privado de segurança contra a inflação, que teria elevado o preço relativo desses bens, e desestimulado investimentos na capacidade produtiva. Em segundo lugar, poderia ser um reflexo da produtividade decrescente do capital, que, apesar de ser um processo logicamente previsto no modelo de Solow, foi acentuado no caso brasileiro. Segundo os autores, isso decorre das próprias características do modelo de crescimento econômico adotado no Brasil desde a década de 50, baseado em investimentos intensivos na acumulação de capital, com forte presença de indústrias monopolísticas e oligopolísticas.

Complementando as hipóteses levantadas por Bacha & Bonelli, Adrogué et al. (2006) apontam como mais um fator que influenciou o estancamento do crescimento econômico brasileiro nessa década o crescimento dos gastos públicos. Segundo esse estudo, o crescimento das despesas governamentais foi direcionado ao consumo, o que exerceu um efeito de crowding out sobre o setor privado, isto é, de restrição de gastos devido ao aumento dos impostos e a absorção de poupança no mercado de crédito.

Nos anos noventa, com a consolidação do Plano Real e da estabilidade de preços no Brasil, houve uma recuperação do crescimento econômico, mas ainda em níveis muito inferiores aos vistos nas décadas de 50, 60 e 70. De acordo com Bacha & Bonelli (2001), a contabilidade do crescimento econômico no país no período de 1993 a 2000 foi de 40% baseado na acumulação de capital, e 60% causado por progresso tecnológico.

Como causas da breve recuperação do crescimento econômico, a literatura cita as reformas implementadas no período, tais como a abertura comercial e financeira, a estabilização de preços e a reforma do Estado. De acordo com Adrogué et al. (2006), a combinação da liberalização do comércio internacional com a adoção de taxas de câmbio flexíveis se traduziu em uma maior abertura da economia brasileira, o que permitiu maior acesso à tecnologia estrangeira. Além disso, as reformas no setor financeiro, também associadas a melhorias tecnológicas no modelo de Solow, propiciaram maior estabilidade aos títulos, ao passo que permitiu a expansão do crédito para investimentos. Por fim, os investimentos do governo em infra-estrutura contribuíram por controlar o crescimento do preço dos investimentos, fator que restringiu o crescimento econômico brasileiro na década de 80.

De acordo com Bacha & Bonelli (2001), nesse período a taxa de acumulação de capital necessária para promover um mesmo crescimento do produto foi menor do que na década anterior devido a dois motivos. Em primeiro lugar, o progresso tecnológico absorvido do exterior, graças à abertura econômica. Em segundo lugar, a redução do crescimento populacional, que reduz o ritmo do crescimento do produto per capita. Contudo, nesse último caso, de acordo com Pessôa (2006), a transição demográfica brasileira pode ser restringida pela desigualdade educacional, uma vez que os mais pobres costumam ter mais filhos e em idade mais jovem do que os demais integrantes da sociedade, além de investir menos no capital humano de sua prole. Por isso, o autor recomenda que, para que o crescimento econômico possa ser acelerado no Brasil em um futuro próximo, são fundamentais investimentos na qualidade da educação e na universalização do ensino infantil no país.

Por fim, segundo Bacha & Bonelli (2005), a contribuição do trabalho bruto foi muito pequena para o crescimento econômico brasileiro na década de noventa. Ou seja, a absorção de mão-de-obra no país foi muito baixa. Segundo os autores, uma possível causa para esse problema é o fato de que a acumulação de capital no período não acompanhou apropriadamente o progresso tecnológico, isto é, faltaram investimentos para a criação de empregos.