quarta-feira, dezembro 27, 2006

Os 500 Milhões da Begum - Júlio Verne

Esse é o último livro do Júlio Verne que eu tinha para ler, depois de ter comprado vários na feira do livro de Porto Alegre por míseros R$2,50 cada!

Júlio Verne em sua melhor fase! Nesse livro o autor consegue, enfim, reunir o romance de aventura fantástica, com complexa fundamentação científica e mistéiros que envolvem o autor. Agora, o autor não se prende por demasiado nem nas explicações físicas e químicas dos acontecimentos (como no Rumo à Lua), e nem nas questões históricas e geográficas (como no Arquipélago em Chamas). Aqui, o que realmente importa é a AÇÃO, isto é, aquilo que os personagens fazem e constroem.

O enredo, resumidamente, inicia-se com a história de uma nobre milionária indiana (Begum) que morre e deixa 500 milhões (acho que de libras esterlinas ou de francos) para seus dois únicos herdeiros: o professor Sarracin, francês, e o professor Schultze, austro-alemão. Depois de cada um sacar suas fortunas, ambos resolvem aplicar o dinheiro em empreendimentos científicos, construindo cidades-estado na costa oeste dos Estados Unidos. Sarracin constrói a "Cidade da Frnaça", com planejamento urbanístico e sanitário que visa maximizar a qualidade de vida (e, em conseqüência, a produtividade do trabalho) de seus habitantes. Schultze, por sua vez, constrói a "Cidade do Aço", marcada pelo culto à obediência, na disciplina e na hierarquia, investindo pesadamente na indústria aramamentícia e exercendo controle totalitário sobre seus domínios. Naturalmente, as cidades vizinhas tornam-se logo rivais, e assim o livro conta a história de Marcelo Bruckmann, um jovem alsasciano (leste da França), que é mandado para trabalhar na Cidade do Aço servindo como espião da Cidade de França. Cabia a Marcelo se infiltrar nas organizações burocráticas dessa cidade para descobrir as armas secretas que o maligno Dr. Schultze estava desenvolvendo para destruir a cidade da França.

Mas lendo o livro com mais cuidado, o enredo descreve, em suma, o choque de modelos de desenvolvimento: o humanismo latino contra o militarismo germânico. Verne, infelizmente adotando estereótipos étnicos para fundamentar suas teorias políticas e institucionais (mesmo que isso fosse recorrente entre os autores do século XIX), discorre sobre as diferenças entre as formas de organização das duas cidades, com uma posição declarada pró-Cidade da França, apresentada como a "heroína", contra a "vilã" Cidade do Aço. Na verdade, Verne parece estar fazendo uma analogia à conjuntura política internacional de sua época. No final do século XIX, os dois principais impérios da Europa (a Alemanha do Segundo Reich e o Império Austro-Húngaro) se aliaram, junto com outros países, em um bloco chamado de Tríplice Aliança, e passaram a hostilizar os países vizinhos mais liberais (França e Inglaterra, que se aliaram à Rússia). Esse período, chamado de "Paz armada", em que os países se preparavam para uma guerra iminente, tendo como objetivo o controle político e militar da Europa, e, conseqüentemente de todas as colônias ná África e Ásia, mesmo faltando um estopim para o conflito, é a mesma situação em que as duas cidades-estado descritas no livro estavam envolvidas.

Para a sorte de Júlio Verne, e da humanidade como um todo, após duas Guerras Mundiais, ficou claro que o humanismo "latino" era superior social e institucionalmente ao militarismo "germânico". Contudo, após as guerras, os países germânicos absorveram muito melhor o modelo humanista-planejado de desenvolvimento, que se traduziram nas suas instituições sociais, políticas e econômicas de social-democracia, obtendo desse modo elevados padrões de qualidade de vida e IDH. Os países latinos, por sua vez, continuaram dominados por regimes autoritários (menos a França, a Costa Rica e outros poucos) até quase o último quarto do século XX.

Por último, é interessante ressaltar a importância que Júlio Verne dá à capacidade criativa individual de seus personagens como motor de todas as suas histórias. Ao contrário dos autores real-naturalistas, seus contemporâneos, que preferiam descrever seus personagens baseados nas suas relações com o meio social em que viviam (o "determinismo pelo meio" de Eça de Queirós e Aluísio de Azevedo), Verne descreve seus personagens principais como entes autônomos e totalmente dotados de livre-iniciativa. Assim, a toda a história do presente livro decorre dos investimentos pessoais de dois professores universitários europeus que subitamente descoriram-se milionários. Do mesmo modo, por exemplo, no livro "20.000 Léguas Submarinas", toda a história deve-se à ação de um milionário francês que, entediado de sua sociedade, resolve enclausurar-se em um submarino e navegar pelo mundo. Ou então o jovem oficial francês, que arrisca a sua vida para ajudar os gregos em sua guerra de independência contra os turcos, no livro "Arquipélago em Chamas". Certamente, a visão de homem de Júlio Verne, e sua diferença dos demais autores de sua época, é um tema muito interessante para estudos.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Inter Campeão do Mundo

Relendo meu post de retrospectiva 2006, me dei conte de que o fato de que ele estava estranhamente positivo de mais se deve proque eu escrevi ele logo depois do Inter ter ganhado em Tóquio! Por isso, vou dedicar um post inteiro em homenagem ao glorioso colorado!

Há não mais do que três ou quatro anos, a situação do Internacional, basicamente, era de cumprir as metas anuais de 1) Chegar à final do Gauchão; e 2) Terminar o Brasileirão fora da zona de rebaixamento. Mesmo nesses, anos, o Inter sagrou-se campeão estadual seguidas vezes, enfrentando seus rivais XV de Campo Bom e Ulbra (nessa época, o Grêmio estava tão ruim ou pior do que o Colorado). Depois, em dois anos, o Inter emplacou dois vice-campeonatos brasileiros (sendo que um desses campeonatos foi marcado por arbitragens corruptas, mas não vem ao caso agora), uma Libertadores da América e um Campeonato Mundial da Fifa.

A pergunta que todos fazem é: mas como ocorreu essa evolução, em tão pouco tempo???

Para responder a pergunta, basta lembrar a situação administrativa colorada no passado recente. Com pouquíssimos jogadores próprios, o Inter formava uma equipe de jogadores emprestados às vésperas de cada competição que participaria. Era, portanto, um paraíso de empresários inescrupulosos que empurravam seus jogadores para a direção colorada, a qual muitas vezes nunca tinha sequer visto tais jogadores atuarem em campo. Além disso, o clube tinha que pagar uma dívida pesada contraída durante a desastrosa gestão Armoretty (em que o Inter contratou jogadores do porte de Dunga, Gonçalves e Elivélton, mesmo sem ter condições financeiras para tanto), que investiu muito dinheiro nas contratações, mas que foi pobre de títulos.

A situação começou a mudar com a chegada de Fernando Miranda e Fernando Carvalho à presidência do Inter. A partir daí, mesmo que no início a época de vacas magras de títulos tenha persistido, o Inter, ao invés de montar equipes baseadas em empréstimos de jogadores ligados a empresários, passou a procurar jovens revelações em todos os campos do país. Assim, foi montado um time B, que acumulava os jovens recém-contratados para mostrar seu futebol e para testá-los em suas habilidades, antes de promovê-los ao time principal, com as maiores estrelas do grupo. Também, passou a ser marcante a maior preocupação da direção do clube com a disciplina e o preparo físico de seu grupo de jogadores.

E o resultado que temos hoje está aí para quem quiser ver. Além de títulos, temos safras cada vez melhores de jovens craques revelados pelo Colorado: começando por Lúcio, passando por Diogo Rincón, Daniel Carvalho, Diego, Nilmar, Rafael Sóbis, Bolívar, e agora, Alexandre Pato, Índio e Luis Adriano. E os olheiros continuam fazendo seu trabalho e trazendo novos craques juvenis para brilhar no futuro. Mesmo que eles acabem indo embora do clube (e do país) após estourarem, é preciso ter paciência, e a consciência de que isso aconteceria em qualquer time brasileiro.

Portanto, em relação aos recentes títulos colorados (Libertadores e Mundial), em primeiro lugar quero agradecer ao presidente Fernando Carvalho e a toda direção do Internacional pela visão DE LONGO PRAZO, de construir uma equipe, ao invés de improvisar, que deram ao planejamento do futebol do clube. Visão essa que tanta falta é sentida em quase todas as áreas estratégicas da política e da economia brasileira.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Outra Frase Célebre

"Éramos problemas sociais. Agora, voltamos a ser o futuro do Brasil."

By Thiago, meu amigo recém aprovado no ingresso do mestrado em Ciência Política. O negócio é continuar estudando...

domingo, dezembro 17, 2006

Aniversário de 1 Ano do Blog!!!

Esse blog iniciou-se exatamente no dia 14/12/2005, mas como o meu computador só voltou ontem de noite do conserto, e só foi reinstalado hoje de manhã, vou comemorar o seu aniversário de um ano atrasado.

Pois é, um ano se passou desde que eu me animei a iniciar esse blog. Minha proposta inicial era falar basicamente dos livros e discos que eu estava curtindo em cada momento, com pitadas de política e de economia. Mas o mais importante, eu realmente não queria envolver assuntos de minha vida pessoal aqui. Infelizmente (ou felizmente, sei lá quem se interessa por isso) acabei não resistindo, e usando esse espaço para alguns desabafos individuais.

2006 foi um ano muito significante para mim, o que mais marcou mudanças no meu cotidiano desde 2002, quando eu entrei na faculdade.

Esse foi o ano em que elaborei minha monografia-monstro (124 páginas) "Federalismo Fiscal e Desenvolvimento Regional no Brasil: Uma Abordagem a partir da Constituição de 1824", que me rendeu nota 10 da banca (Maria Aparecida, Sérgio Monteiro, Ário Zimermann) e conceito A nessa cadeira.

Meu trabalho, em resumo, consistiu em uma abordagem neoinstitucionalista da teoria do federalismo fiscal (distribuição intergovernamental de competências fiscais e tributárias), com uma abordagem em cima de seu desenvolvimento na história recente do Brasil, comparando com as políticas específicas de desenvolvimento regional executadas no país da década de 60 até a atualidade, identificando pontos positivos e negativos nessas políticas. O objetivo central do trabalho era verificar se havia alguma correlação entre os estágios de centralização/descentralização das atividades governamentais (pacto federativo) com a centralização/descentralização do crescimento e do desenvolvimento econômico entra os estados brasileiros nesse mesmo período. O resultado, infelizmente, foi negativo: o desenvolvimento regional no Brasil parece depender apenas das políticas específicas adotadas para esse fim, e não do pacto federativo vigente. Segundo o professor Sérgio Monteiro, isso decorre do fato de que as instituições brasileiras não tem credibilidade suficiente para por si só garantirem um modelo de desenvolvimento de longo prazo para o país, exigindo assim a presença do Estado com políticas ativas.

A banca gostou muito do trabalho, e isso foi o mais importante. Eu também gostei muito de fazer. Realmente, parece que fazer pesquisa é o meu forte. Ao invés da maioria dos estudantes de economia, prefiro muito mais trabalhar intelectualmente, com aulas e pesquisas, do que ficar em caixa de banco encarando gente mal educada. Gostei muito do meu serviço de dois anos e meio como bolsista BIC da UFRGS.


Esse ano também tive que dar aulas de Economia Brasileira Contemporânea I, substituindo minha chefe orientadora. Mais uma vez, basicamente corrigindo listas de exercícios e resumindo textos para a turma. Eu gostei de dar aulas, e espero que a turma também tenha gostado (principalmente porque eu nunca cobrei chamada...).

A partir de julho, começou o stress com a prova da ANPEC (outubro), que foi um verdadeiro teste de resistência para mim, do ponto de vista físico e emocional... nessa hora eu vi alguns traços importantes de personalidade acadêmica. Eu vi que eu gostava muito mais de estudar micro e macro, com ênfase na aplicação prática dos modelos estudados (na conjuntura econômica e na história) do que a formalização desses modelos em si. No mestrado, será assim: seja economia internacional, seja economia da educação, quero estudar os modelos para explicar a realidade, fazer previsões e compreender problemas econômicos atuais. Deixa a parte mais formal para o pessoal da FGV...

O cursinho da ANPEC durou de maio ao final de setembro, e ocupou todos os meus sábados de manhã e de noite. Mas até que acabei curtindo, principalmente micro e macro. No final, rolou um churrasco com alunos e professores, com direito a uma cervejada histórica por parte de algumas pessoas (sim, eu inclusive...).

No final a prova da ANPEC foi muito mais difícil do que eu imaginei, principalmente matemática, em que eu só consegui resolver 4 das 15 questões e ainda errei uma de ponto cheio. Mas, difícil para mim, difícil para todo mundo, então acabei até bem qualificado #152 no geral, e passei na UFMG-CEDEPLAR, UFRJ, UFRGS e PUCRS. Optei pela primeira por causa das bolsas mesmo, além do conceito 6 da CAPES.

Visitei o Rio de Janeiro no final de novembro, em viagem paga pela UFRJ para uma palestra oferecida por lá aos candidatos aceitos às vagas no mestrado. Fomos todos muito bem recebidos pelo professor David Kupfer, mas os programas de pesquisa, a disponibilidade de bolsas e o custo de vida na cidade me inclinaram para Belo Horizonte, onde já tenho inclusive amigos via Orkut.

Fora a ANPEC, nesses últimos meses também apresentei uma palestra no ERECO (Encontro Regional dos Estudantes de Economia), na UFRGS, substituindo o professor André Cunha quase em cima da hora. Fui engravatado, seguindo a sugestão de quem me disse para parecer o menos "gurizão" possível. Mas o pessoal gostou, e isso foi o mais importante. Cheguei a receber até mesmo alguns elogios individuais, e conheci gente muito interessante de outros estados.

Do ponto de vista social, esse foi um dos anos mais agitados para mim... Eu, que durante algum tempo me considerei um anti-social crônico cheguei a sair 2 vezes por semana durante certos períodos de tempo! Principalmente, saí com pessoas que eu me identificam muito, e que eu curto de coração. Do DAECA, Risco, Juliana, Chico, Isabel, Carol, Éverton, Márcio, Martin, Carolina. OBS. Registro imoprtante para a noite, no Pinguim da Lima e Silva, em que o Risco e a Juliana começaram a namorar. Do NAPE, Diego Gordinho, Marcelo (onde anda?), Diego, Tarso, Thomas, Negão, Priscila, Gisele, PH, Gustavo e muitos outros. Do meu semestre, não ando vendo mais muita gente, mas ainda tenho falado com o Delí. Teve reencontro de amigos do Anchieta e do Universitário (Thiago, Carlos Augusto, Bianca, Carvalho, Léo, Manga, Eduardo). E, agora no final, deu uns reencontros da turma do Anchieta, motivados infelizmente pelo falecimento de nosso colega Gabriel Pillar.

Em termos fúnebres, infelizmente esse foi o ano do falecimento dos meus amigos Luciano Bauermann Cezar e Gabriel Pillar. Descansem em paz.

Intelectualmente, esse ano li muito, e muita coisa boa. Não vou selecionar nenhum melhor livro, e tampouco uma lista dos melhores. Minhas impressões pessoais sobre tudo o que li esse ano (de fora dos textos da faculdade) estão todas descritas aqui. Em relação a discos, minhas aquisições estão abaixo da média (em 2000 e 2001, gastava quase todo o meu dinheiro com CDs), o que vem acontecendo nos últimos anos, graças à internet banda larga e o gravador de CDs. As melhores aquisições fonográficas do ano foram os discos mais antigos do Nightwish, banda finlandesa de metal gótico: "Wishmaster" e "Oceanborn". Aliás, Nightwish é uma das poucas bandas contemporâneas cujo som provoca prazer aos meus ouvidos... ando muito reacionário, do ponto de vista musical (apenas!!!), ultimamente. Não me lembro da última vez que ouvi rádio ou assisti Disk MTV, e não estou nem aí.

Melhores lugares noturnos do ano, vamos ver: Tudo pelo Social (óbvio), Pingüim, Só Comes, Moinho (Campo Bom), Festas no DAECA (para mim, foram bastante positivas!), o lugar que foi na formatura e não sei o nome, Shamrock (pub irlandês). Gosto mesmo de sair para beber, ouvir bandas ao vivo, conversar e dar risada (e degustar charutos, de vez em quando). Não sou de dançar, e muito menos de rave.

Melhor cerveja do ano, não sei. Sinto falta da Carlsberg... Melhor charuto, fica entre o José Piedra (cubano que eu fumei com o Chico e a Isabel na formatura) e o Le Cigar (baiano, degustado no Pinguim da Lima e Silva junto com cerveja Serramalte).

E o Inter, foi simplesmente matador! Campeão da América e do Mundo! Os melhores jogadores foram o Fernandão, o Rafael Sóbis e o Bolívar, sendo que esses últimos foram muito bem substituídos pelo Iarley e pelo Índio. Mas o mérito é do presidente Fernando Carvalho, pela estratégia de planejamento de longo prazo, isto é, formar craques, ao invés de fazer do Beira Rio um paraíso de empresários picaretas, como era no passado. A safra atual de craques colorados é boa, e a próxima será ainda melhor!

Fico por aqui... o post ficou bastante positivo, e isso me agradou bastante (uma combinação de aprovação da ANPEC com reencontro de velhos amigos e Inter campeão mundial), espero que o próximo ano tudo seja ainda melhor!

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O Arquipélago em Chamas - Júlio Verne

Isto sim é Júlio Verne!

O romance "O Arquipélago em Chamas", de Júlio Verne, descreve uma história ambientada na guerra de independência da Grécia contra o Império Otomano, na década de 1820. O enredo em si é bastante simples, e meio clichesado: uma donzela romantisada herdeira de uma fortuna de seu pai banqueiro se apaixona por um oficial francês empenhado na guerra, mas foi prometida por seu pai a um temido pirata, a quem seu pai devia dinheiro. Então, o oficial francês, bonzinho, e o pirata, malvado, se juram de morte até o último capítulo, em que lutam até a morte com um final previsível. Mas, apesar disso, a leitura dessa obra é recomendável pela verdadeira aula de história e geografia que fornece ao leitor.

Em primeiro lugar, quem tiver um mapa detalhado das ilhas gragas e do sudeste europeu, é bom que tenha presente em mãos enquanto lê o livro. Várias passagens da obra, e quase capítulos inteiros, se tratam exclusivamente da descrição detalhada das pequenas regiões do arquipélago grego, em termos não apenas físicos e paisagísticos, mas também históricos, mitológicos e culturais. Muitos leitores, como eu, podem se sentir literalmente perdidos diante de tantas descrições de lugares remotos, mas é verdade que essas passagens alimentam a vontade de conhecer os lugares descritos.

Em termos históricos, como já referido, a obra conta a história da formação do Estado Nacional grego, formado a partir de uma violenta guerra contra o Império Turco Otomano. Nessa guerra, que apesar de ser vitoriosa politicamente para a Grécia, teve custos humanos incalculáveis, o que de fato pesou para a vitória dos rebeldes gregos contra o Império foi a adesão em massa dos países da Santa Aliança (incluindo principalmente a Inglaterra, França e Rússia) em favor da causa grega, incluindo ajuda técnica, operacional e militar. Tais fatos dão um bom insight sobre o que estava acontecendo no que diz respeito às relações internacionais da época (década de 1820).

Após a queda de Napoleão (1815), as principais potências européias, em processo de industrialização (umas mais avançadas, como a Inglaterra, do que outras, como a Rússia), e com Estados Nacionais consolidados, ou em via de consolidação (como Itália e Alemanha), decidem se unir em um congresso, decidindo abandonar as intermináveis guerras que vinham travando desde o início de suas histórias, para formar um corpo político de ajuda e cooperação mútua (a Santa Aliança), deixando seus membros mais livres para fomentar o progresso de seus sistemas econômicos e a expansão política e militar para cima de territórios da África e da Ásia, inclusive se unindo contra forças imperiais regionais que ameaçassem sua supremacia.

Assim, o contexto histórico do livro mostra o choque de sistemas político-econômicos que aconteceu nesse período. De um lado, temos o Império Otomano ainda preso às tradições coloniais-mercantilistas dos séculos XVI e XVII, com economia baseada na escravidão e na colônia de exploração, sendo a riqueza concentrada em uma região chamada Ásia Menor (atual oeste da Turquia), em que as cidades de Istanbul e Ezmirna serviam como as grandes metrópoles comerciais. Do outro lado, e em oposição, temos a Santa Aliança, formada pelos países mais ricos e poderosos do mundo naquela época. Seus membros, em grande parte (isto é, fora a Rússia), já haviam superado a forma comercial-mercantilista do capitalismo, e já entravam na II Revolução Industrial. Neles, as relações assalariadas de trabalho já haviam superado as de servidão, e a indústria, e não o comércio, se tornava o carro-chefe de suas economias. Seu objetivo principal, em termos de política externa, era de buscar expandir o comércio internacional e sua influência política sobre o mundo não-industrial, sendo necessário, para isso, enfraquecer, ou mesmo destruir, antigos impérios locais de organização institucional e econômica mais arcaica, como o Império Otomano, a Pérsia, a Índia e a China. E entre essas duas massas políticas e militares, o autor coloca a Grécia como um personagem que busca sua liberdade de maneira valente e combativa, aceitando a ajuda da Santa Aliança, mas que em seu interior ainda conserva elementos considerados antiquados, como o barbarismo de algumas regiões, a anarquia em termos de nação, as rivalidades regionais, e a pirataria generalizada em quase todas as suas ilhas, elementos os quais estavam sendo derrotados pelas forças aliadas na guerra, e desaparecendo do memso modo do que o domínio turco.

Obviamente, essa abordagem de Júlio Verne foi otimista demais em relação ao futuro da Grécia. Após a guerra de independência, várias ilhas gregas tornaram-se protetorado de França e Inglaterra, quebrando a unidade nacional, o país continuou envolvido em guerras contra os vizinhos e continuou sendo um dos mais pobres da Europa até meados do século XX.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Por Quem os Sinos Dobram?

Gabriel Gomes Pillar, meu colega de colégio Anchieta de 1994 a 1996 e 1998 a 2001. Estava se formando em jornalismo pela UFRGS e iria para o Canadá fazer mestrado. Sua vida foi ceifada por um acidente automobilístico domingo passado; seu carro partiu um poste de concreto na rua Mostardeiro, logo após a lomba antes do Parcão.

Descanse em paz.

Seu blog está nos links; o nome é Vertigo.

terça-feira, dezembro 05, 2006

I'm Going To Changes

15 de janeiro começa o meu mestrado na Cedeplar-UFMG, em Belo Horizonte. Durante os últimos dois anos, isso foi o meu maior sonho (ou então em Brasília ou São Paulo), me puxei horrores em cadeiras fáceis da faculdade para aprender e entender toda a matéria e estudei de maneira não-saudável para a prova da Anpec, em outubro passado. Mesmo indo muito abaixo do que eu esperava nas provas, foi bom que todo o mundo se ralou comigo (maquiavelismo explícito), pois baixou as médias e me jogou para cima na classificação geral (passei na UFMG, UFRJ, UFRGS e PUCRS; USP e UNB fora).

Mas agora, a pouco mais de um mês de me mudar para BH, vejo que as coisas estão sendo muito mais difíceis do que eu esperava. Estou indo sozinho para uma cidade que eu não conheço, as únicas pessoas que eu sei que moram lá, ou eu não vejo há muito tempo, ou eu só falo pela Internet. Vou passar algumas semanas em um hotel barato, até encontrar algum apartamento de 1 quarto para morar durante os próximos anos (já que as imobiliárias virtuais não andam disponibilizando fotos dos apartamentos disponíveis de lá). Além disso, vou ter que me preocupar com um monte de coisas que eu até hoje ignorava (lavanderia, refeições diárias, limpeza da casa), por morar 22 anos com minha família.

Deixo para trás minha vida passada, principalmente os amigos que fiz nesses últimos 3 ou 4 anos, que eu considero os maiores amigos que já conheci em toda a minha vida (do meu ex-lugar de trabalho NAPE e do meu ex-centro de lazer DAECA). Eu, que já me considerava um caso perdido de anti-socialidade desde que estava no colégio, nunca acreditaria que tivesse um grupo de amigos em que pudesse realmente confiar e curtir a vida! Eu sei que muitos dos que vão ficar por aqui eu nunca mais vou ver novamente, e isso é triste, mesmo que já tenha passado por isso algumas outras vezes. Deixo também minha família, que sempre esteve do meu lado desde que nasci.

O mestrado já começa em pleno janeiro com a cadeira de Estatística. Matemática I começa no início de fevereiro, e Econometria I logo antes do Carnaval. Vejo que terei um verão bastante agradável esse ano... Felizmente, as cadeiras realmente de economia começam em março (Micro e Macro), e nelas eu sei que vou me dar melhor.

Também preciso logo escolher minha área de pesquisa, para minha Dissertação no ano que vem. Economia da Educação é um tema que me agrada muito, e me soa bastante moderno, social e promissor. Mas Economia Internacional pode ser mais útil para conseguir emprego depois. A velha dicotomia entre "Fazer o que mais gosta" e "Fazer o que parece ser mais seguro financeiramente" continua me perseguindo...

Espero que tudo dê certo, mas estou confuso, ansioso e, de certo modo, cético quanto ao meu futuro. Tudo poderia ser bem mais confortável se eu ficasse em Porto Alegre, na UFRGS. Mas o professor Jorge Araújo me deu um incentivo poderoso: ele disse que, se eu preferisse ficar em casa do que ir para um centro econômico melhor, me encheria de porrada assim que me visse em Porto Alegre!

domingo, novembro 26, 2006

Da Terra à Lua - Júlio Verne

De volta do Rio! E rumo a Belo Horizonte - UFMG-CEDEPLAR!

Júlio Verne é, sem dúvida, um dos maiores nomes da literatura mundial do século XIX, sendo suas principais obras permanentemente relançadas em novas edições, em diversos idiomas e países. Segundo a crítica, o estilo de Júlio Verne conseguiu associar a literatura fantástica do Romantismo de segunda geração (Byron, Poe), mas com muito menos morbidez, com o cientificismo da literatura Real-Naturalista (em português, representada por Aluízio de Azevedo e Eça de Queirós). Dessa fusão entre dois estilos aparentemente antagônicos, Verne iniciou a literatura denominada "Ficção Científica", que explora a narração de temáticas fantásticas, criativas e, principalmente, não-convencionais do ponto de vista da sociedade, sob uma forte fundamentação das leis científicas conhecidas na sua época.

Todavia, se Júlio Verne produziu obras-primas como "Viagem ao Centro da Terra" e "A Volta ao Mundo em 80 Dias", certamente não se pode dizer o mesmo de "Da Terra à Lua". Aqui, a fundamentação científica da narrativa é demasiadamente predominante, rompendo o equilíbrio entre "Fantástico" e "Científico" que deu ao autor toda a sua fama mundial e o seu lugar de honra na história da literatura de ficção. A quase ausência de ação, assim como a extrema irrealidade do enredo (uma sociedade privada de ex-combatentes da Guerra Civil Americana resolve construir um mega-canhão para dar um tiro na Lua, por iniciativa unilateral e arrecadação de recursos próprios, e um intelectual meio louco francês pede para ir junto com o projétil), acaba por tornar o livro um tanto monótono, o que o diferencia muito dos demais textos do autor.

Chamam a atenção no livro a analogia a teorias da época que hoje não seriam aceitas como "científicas", já que se voltam muito mais para a filosofia e a metafísica do que para a observação empírica da natureza e da realidade, e são essas teorias que dão um fundamento lógico para a empreitada dos personagens. Por exemplo, vemos, citado pelo próprio personagem principal Miguel Ardan, o princípio na inexistência de não-utilidade. Segundo essa curiosa teoria metafísica, nada no Universo é inútil, não há desperdícios naturais. Portanto, a vida não pode ser disperdiçada no Universo, o que faria com que todos os astros tenham condições ideais para a vida humana. Obviamente, sob a luz da ciência contemporânea, tais princípios são quase piadas, e praticamente toda a engenharia realizada pelos personagens seria fracassada.

Contudo, é inegável o mérito de Júlio Verne de ter imaginado a possibilidade de o homem chegar à Lua, e até ter proposto um meio para alcançar esse objetivo, a cerca de 100 anos antes de o homem ter conseguido de fato chegar lá.

terça-feira, novembro 21, 2006

I Go To Rio

Comunicado: amanhã às 15 horas estarei embarcando rumo ao Rio de Janeiro, tendo em vista uma palestra na UFRJ sobre o programa de mestrado de lá, e claro, sobre a disponibilidade de bolsas de estudo.

Vou ficar num albergue chamado "Che Lagarto", reconhecida internacionalmente e bem-localizada (praia de Ipanema), mas seu nome não me inspira muita confiança. Sorte que estarei com dois amigos (que passaram na FGV e na PUC-Rio!!!).

Sexta-feira estarei de volta, e se a conexão da minha Internet ajudar (o servidor da UFRGS é uma droga, só vale porque é o mais barato), publicarei a crítica de "Da Terra à Lua", de Júlio Verne.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Mundo Acadêmico - De Volta à Ativa

Quero comunicar a todos os meus amigos que o projeto "Mestre Ricardo" NÃO será apenas mais uma utopia ou uma fantasia de minha mente perturbada.

Agora, só falta escolher entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

"E agora, vai ser praia ou pão de queijo???" (by Manoel)

quarta-feira, novembro 08, 2006

As Aventuras de Huckleberry Finn - Mark Twain

"Toda moderna literatura americana procede de um livro de Mark Twain, Hucleberry Finn." Ernest Hemingway

"Aviso: se alguém tentar encontrar um tema nesta narrativa, será processado; se tentar encontrar uma moral, será banido; se tentar encontrar um enredo, será fuzilado." Mark Twain

Em primeiro lugar, Huckleberry "Huck" Finn é um clássico não apenas da moderna literatura americana, mas também da Semana da Criança do Cinema em Casa, pelo menos durante toda a minha infância (risos). Um filme de qualidade de produção bastante arcaica, em que um menino de cerca de oito ou nove anos, filho de um cowboy bandido que não o deixava ir a escola, foge de casa, matando um porco e espalhando o sangue por toda a cabana em que vive com o pai, para dar a impressão de ter sido assassinado. O pequeno Huck toma uma jangada e se lança, sem rumo algum, ao longo do rio Mississipi, com a companhia de um escravo fugido chamado Jim.

No livro, Huck já é um adolescente de 13 ou 14 anos, já maduro em termos emocionais, e foge com seu amigo Jim em busca "dos Estados Livres", isto é, os estados americanos em que a escravidão já havia sido abolida. No entanto, os dois personagens não tem a menor noção a respeito do caminho para esses estados, e rumam com sua jangada ao longo do rio Mississipi, sempre na direção sul. Ambos vivem uma vida nômade, de fuga pelo rio, sem outro rumo que não o sul, e sem qualquer perspectiva de vida futura; vivem apenas pensando no dia de hoje.

A obra, baseada nas lembranças da infância e juventude do autor Mark Twain, descreve de maneira fiel as características sócio-ambientais da região rural norte-americana, entre os montes Apalaches e o rio Mississipi, em meados da metade do século XIX. Dentre essas características, as mais marcantes ao longo do livro são o bucolismo, já que ao longo de centenas de quilômetros ao redor do Mississipi, o autor não faz nenhuma referência a qualquer grande cidade da região, ou mesmo à vida urbana, mas sim a um emaranhado de fazendas, pequenas vilas esparsas e muito terreno selvagem; a religiosidade do povo, sendo muitas vezes a religião cristã misturada com crendices populares e superstições de origem africana como forma de se buscar entender o mundo e atrair boa sorte; a hospitalidade das pessoas, especialmente com desconhecidos; a abundância de aventureiros, isto é, nômades, vagabundos ou vigaristas que vagam de povoado a povoado abusando da hospitalidade das pessoas como forma de não apenas sobreviver, mas também procurar furtuna pessoal. Por último, e em destaque, é notável a quase inexistência de autoridades legais na sociedade, salvo um ou outro xerife ou juiz de determinadas vilas. A lei é feita pelas próprias pessoas, a segurança é realizada pelos próprios fazendeiros e suas espingardas. A punição aos bandidos e escraos fugidos é decidida por esses fazendeiros no poder da voz, e na hora de o meliante ter sido acompanhado.

"As Aventuras de Huckleberry Finn" é uma continuação de "As Aventuras de Tom Sawyer", que eu já tinha lido a quase um ano. Porém, ao contrário deste último, em que o "enredo" da história é marcado pela leveza e pelo bom-humor, "Huckleberry Finn" tem um fator que faz a história ficar pesada, isso é, um fator que preocupa e instiga o leitor. Esse fator é a questão da escravidão, popular nos estados norte-americanos do sul, e presente em todos os ambientes descritos no livro, assim como a relação moral entre o jovem Huck e seu amigo negro fugido Jim. Durante quase toda a narrativa, Huck sente remorso por estar em companhia de um escravo fugido, isto é, de ter ajudado a roubar um negro, propriedade legítima de uma pobre velhinha que nunca fez nada de mal a ninguém. Por isso, muitas vezes sente-se um verdadeiro ladrão por não denunciar o negro, temendo inclusive ser condenado ao fogo do inferno por isso. E ainda por cima, Huck (como o narrador em primeira pessoa da história), tem idéias e frases sobre os negros (inclusive seu amigo) que hoje muito bem poderiam ser taxadas (e com razão) de racistas. Ao elogiar Jim, Huck comenta que "sabia que Jim era branco por dentro", ou então, "Jim é muito inteligente, para um negro". Ao discutir com Jim, comenta que "Jim é cabeça-dura, como todo negro". Ou, pior ainda, quando Jim lhe revela a intenção de, depois de se mudar para um Estado Livre, trabalhar duro e economizar dinheiro para comprar a liberdade de todos os seus parentes, Huck pensa sozinho que "não se pode dar um dedo a um negro, que eles vão querer a mão inteira".

Todavia, apesar de toda a confusão moral de Huck a respeito de ter ajudado um escravo a fugir, ele mantém-se fiel a seu companheiro em toda a narrativa, não só não o denunciando, como também o ajudando a fugir sempre que Jim é capturado por algum caçador de recompensas. Todavia, o sentimento que move Huck a fazer isso é a amizade que tem pessoalmente por Jim; jamais toca na moralidade ou não do regime de trabalho escravo ou na igualdade de direitos entre brancos e negros.

Em resumo, o livro é, indubitavelmente, um grande clássico da literatura americana e uma verdadeira lição de história e de antopologia. Mas, ao contrário da maioria das obras de Mark Twain, não se pode esperar bom-humor e o romantismo ficcional (como em "Tom Sawyer" e O "Príncipe e O Mendigo"). A questão racial e escravagista realmente sensibiliza os leitores.

domingo, novembro 05, 2006

Estude Economia e Meio Ambiente!

Atenção economistas ligados ao campo acadêmico: estude Economia e Meio Ambiente. Repito: estude Economia e Meio Ambiente. Esse vai ser a área da Ciência Econômica com maior perspectiva de sucesso em termos de pesquisas e descobertas, em um futuro próximo. Certamente teremos, nos próximos anos, um prêmio Nobel em homenagem à algum pesquisador dessa área.

Vou explicar por partes:

George W. Bush e o Partido Republicano vão perder as próximas eleições presidenciais nos EUA. Não há dúvidas. Em primeiro lugar, devido à condução da guerra no Iraque, em que as freqüentes baixas entre os soldados americanos estão aos poucos minando o apoio popular ao atual governo. Em segundo lugar, o déficit fiscal provocado pelas guerras no Iraque e no Afeganistão, assim como pela diminuição de impostos está provocando inflação na economia americana, e essa inflação vem sendo combatida via aumentos na taxa básica de juros. Ou seja, temos uma política monetária restritiva como modo de controlar os efeitos de uma política fiscal irresponsável. Como todos nós, brasileiros, temos vivido sob uma política econômica semelhante desde 1994 (início do plano Real), já temos na ponta da língua o que isso significará no curto prazo: a taxa de desemprego nos Estados Unidos vai aumentar.

Esses dois fatores (guerra indefinida e aumento do desemprego) vão ajudar os Democratas a voltar para a Casa Branca (dessa vez sem a Monica Lewinsky, espero). O programa político deles não fará uma crítica aberta à guerra no Iraque, o que seria considerado anti-patriótico para o eleitorado americano, e muito menos defenderá um aumento de impostos e corte de gastos públicos (mesmo que tais medidas sejam inevitáveis no médio prazo). O Partido Democrata explorará eleitoralmente e politicamente o fator ambiental, o furacão Katrina e seu efeito social, a rejeição pelo governo americano ao Tratado de Kioto e o simples descaso pelo mesmo com o aquecimento global. Tal política já vem sendo sinalizada pelo documentário elaborado pelo ex-candidato democrata Al Gore, sobre a problemática ecológica, o aquecimento global e a necessidade de planejamento ambiental para as decisões de política econômica.

Isso significa que, dentro de dois ou três anos, o governo americano poderá despejar BILHÕES de dólares em fomento à pesquisa e em bolsas acadêmicas (para estudantes de diversos países) voltadas ao estudo de temas em planejamento ambiental. Por isso eu repito: estude Economia e Meio Ambiente!

É hora de mandar às favas os velhos preconceitos a respeito da problemática ecológica, do tipo "Tem coisa mais importante para nos preocuparmos do que com árvores", ou "O crescimento econômico é mais importante do que preservar a natureza, por isso, políticas ambientais atrasam o desenvolvimento". Porque nós, pesquisadores, estamos próximos de ver dinheiro nascendo dessas árvores!

Por isso, nunca é demais repetir: estude Economia e Meio Ambiente!

quarta-feira, novembro 01, 2006

Uma Frase Célebre

Um amigo (Thiago) comentando o alto índice de desemprego entre os economistas recém-formados:

"Antes daquele dia (a formatura) nós éramos o futuro da nação. Depois, nos tornamos um problema social."

segunda-feira, outubro 30, 2006

Caninos Brancos - Jack London

Essa é a ressurreição de um pseudo-crítico literário!

"Caninos Brancos" é o segundo romance de Jack London que eu tive a oportunidade de ler (o outro foi "O Chamado da Floresta"), e o método narrativo, assim como as descrições psicológicas dos personagens, é muito semelhante nas duas obras. O autor descreve a história da vida de animais como se eles fossem seres humanos, isto é, abordando não apenas seu desenvolvimento físico, mas também (e com muita ênfase) sua evolução psicológica e suas emoções e sentimentos. Igualmente, o autor discorre sobre as relações entre os personagens, o meio em que vivem e suas relações com os outros indivíduos (de sua espécie ou não) para tentar explicar os seus comportamentos.

Enquanto em "O Chamado da Floresta" a narrativa descreve a história de um cão doméstico que é roubado e enviado para o Alasca, passando por um incrível processo de adaptação ao meio selvagem e natural, "Caninos Brancos" mostra exatamente o oposto. Agora, a história é sobre um lobo selvagem do norte do Canadá que é domesticado por índios, depois vendido a um dono de rinhas e por fim vendido a um advogado de San Francisco. A ênfase da história é o processo de adaptação, psicológica e emocional, pelo qual o lobo Caninos Brancos passa ao longo de cada fase de sua vida, sendo que esse processo é descrito de forma idêntica ao desenvolvimento de um ser humano.

Assim, vivendo em seu meio natural (o Wild), Caninos Brancos aprende o seu instinto, e as leis da natureza (basicamente, "Comer ou ser comido"). Vivendo com os índios, aprende o senso de Obediência (de um modo como que religioso) com os humanos (descritos como deuses todo-poderosos para os cães) e a Solidão, pela rejeição que sofreu perante os cães domésticos da tribo, por ser um lobo selvagem. Vivendo como lutador com o dono de rinhas, Caninos Brancos aprende o Ódio, e se torna um assassino nato. Por fim, com o último dono, o lobo conhece o Amor, e torna-se perfeitamente adaptado à vida doméstica e entre os sere humanos.

Mas o mais interessante da narrativa de Jack London é a sua maneira de enxergar o desenvolvimento dos indivíduos - animais ou homens. Muitas vezes ao longo do enredo, o autor descreve as potencialidades (principalmente durante a infância, mas presente ao longo de toda a vida) de cada indivíduo como "barro", o qual é moldado pelo meio em que esse mesmo indivíduo vive e pelas relações sociais que pratica, tendo como resultado final as características pessoais e a personalidade de cada um. Tal visão de indivíduo e sociedade remete ao Naturalismo (corrente literária predominante na segunda metade do século XIX), a qual defendia o determinismo do indivíduo pelo seu meio. Mas ao contrário dos autores naturalistas, que viam o determinismo como algo estritamente negativo, que anularia a criatividade e a virtude de cada indivíduo em vantagem dos vícios (ou as "doenças") da sociedade, Jack London tem uma visão mais otimista, destacando a possibilidade de um "determinismo positivo", no caso de um indivíduo, mesmo se for selvagem, se for suficientemente amado e reconhecido pelo seu meio, poder tornar-se virtuoso. No livro, temos o caso de um lobo que era um animal hostil até encontrar o significado do amor e do respeito com seu último dono e sua família.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Comentário Sobre a Cláusula de Barreira

É consenso entre os analistas políticos que o excesso de partidos políticos atuando no Congresso Nacional representa um entrave à governabilidade, a discussão sobre propostas de lei e emendas e um estímulo à corrupção, pois aumenta a necessidade de se haver cargos no governo para ser distribuídos entre a chamada "base aliada", isto é, entre os partidos que apóiam algum determinado governo, em nível federal, estadual ou municipal.

Dentre as alternativas mais conhecidas internacionalmente para se reduzir o número de partidos políticos com real força política em nível nacional, existem o chamado Voto Distrital (comum nos países parlamentaristas e nos EUA), em que o voto para cargos legislativos é regionalizado, e o Voto por Lista Fechada (adotado pela maioria dos países presidencialistas), em que o eleitor vota em um partido político para as eleições legislativas, e cada partido escolhe seus políticos eleitos com base na proporção de seus votos em relação aos dos demais partidos.

No Brasil, nessa presente eleição, foi executada uma proposta alternativa com o mesmo objetivo de reduzir os partidos políticos com representação no Congresso Nacional. Foi instituída a clásula de barreira, em que os partidos que não obtivessem pelo menos 5% dos votos para o Congresso Nacional tivessem seu tempo de espaço na televisão cortado e suas verbas federais para campanha reduzidas. Tal política teria o efeito positivo de além de reduzir o número de partidos políticos no Congresso Nacional, de economizar recursos públicos que financiariam campanhas políticas condenadas ao fracasso e de preservar a paciência do cidadão com propagandas compulsoriamente televisionadas de candidatos e partidos com ideologia bizarra, sem identificação alguma com o eleitorado.

Com a regra em vigor, seria esperado que os partidos políticos no Brasil começassem a se fundir entre aqueles com maior afinidade ideológica, fortalecendo não apenas os partidos resultantes, mas também a ideologia e o sistema político brasileiro como um todo. Assim, por exemplo, poderia-se esperar o surgimento de uma grande frente de direita incluindo PP e PFL, assim como o fortalecimento da social-democracia com a fusão de PSDB e PPS, ou a incorporação do PDT pelo PSB, ou a união de todas as forças evangélicas em um novo Partido Democrata Cristão, ou mesmo a união de todos os partidos de extrema-esquerda, fortalecendo a representação de sua ideologia.

Contudo, o que estamos vendo até agora (e sem perspectiva de mudança, para o futuro), foi uma espécie de "comilança" dos partidos médios sobre os pequenos. Ou seja, os partidos médios, que ficaram com votação em torno da cláusula de barreira buscaram engolir partidos menores sem proximidade ideológica nenhuma, apenas para fortalecer sua votação e assegurar seus acessos à propaganda televisiva e aos recursos públicos de campanha. Assim, vimos, até agora, o PTB (partido sem ideologia alguma) absorver o PAN (partido dos aposentados, sem futuro político algum) e o PL (partido centrista, de orientação religiosa) se unir com o Prona (partido nacionalista neo-fascista, de extrema-direita) e o PT do B (partido de esquerda trabalhista) para fundar o Partido Republicano. Hoje mesmo o PPS se uniu com o PHS (que prega a pitoresca utopia do "Solidarismo" para ocupar o lugar do Capitalismo) e o PMN (igualmente pitoresco, defende a ideologia da Inconfidência Mineira) para fundar o Partido Democrata. Mais bizarro ainda é a proposta fusão do Partido Verde com o PSC, de orientação evangélica e subordinado nacionalmente ao casal Garotinho.

Ou seja, a cláusula de barreira está conseguindo eliminar os pequenos partidos do cenário nacional. Contudo, não são eles os responsáveis pela ingovernabilidade e pelo leilão de cargos políticos a líderes partidários, favorecendo assim a corrupção. Isso é culpa dos partidos fisiólógicos (PMDB, PL, PTB e PP de São Paulo pra cima), sem ideologia nenhuma, e cuja única finalidade de existência é dar espaço para caciques regionais (ou religiosos, ou corruptos notórios como Roberto Jefferson) abocanharem influência e repasses de verbas junto aos governos executivos em nível federal, estadual e municipal. Partidos pequenos, de ideologia muitas vezes controversa, mesmo que insignificantes, são importantes no jogo democrático, e é necessário que sobrevivam e tenham pleno acesso às eleições, mesmo que não vençam. Eles existem em qualquer democracia, e representam a ideologia das minorias.

sábado, outubro 21, 2006

ANPEC Gera Traumas

Algumas coisas que aconteceram comigo desde a metade de julho, quando eu começei a estudar direto pra prova da ANPEC, que aconteceu nessa semana, na quarta e quinta feira:

- Esse blog foi jogado às moscas, pela qualidade dos posts anteriores;

- Engordei um monte, e tudo parece que se acumulou na barriga;

- Dormia não mais que seis horas diárias na maioria das vezes, e não só por estudar a noite toda, mas também por causa de insônia movida pela ansiedade;

- De tanto tomar café preto pra não dormir em cima dos livros e dos cadernos, desenvolvi uma azia crônica;

- Passei os dois dias de prova com aceleração cardíaca e dor no peito, o que também não me deixou dormir direito nesse período;

- Passei dias sem sair de casa, pegar sol e me comunicar com outros seres humanos;

- Minha vida social, com exceção da formatura, do Ereco e de um reencontro com amigos dos tempos de Colégio Anchieta, se resumiu a ir às aulas e jantar com os meus pais;

- Estou com uma cicatriz na testa, por ter apoiado a cabeça na ponta da lapiseira enquanto estudava;

- Fiquei com olheiras maiores do que as do Frankenstein e os olhos mais vermelhos do que os do Marcelo D2 (e isso que eu nunca fumei maconha);

- Qualquer senso de humor foi para o espaço;

- Me sinto um velho rabugento, desses que pensam nas coisas boas que já fez na vida como partes de um passado remoto;

- Depois da prova, precisei de muita cerveja e de um copo inteiro de whisky Jack Daniels pra me acalmar um pouco;

- Hoje me deu cãibra no tornozelo, mas não sei se tem relação com a ANPEC. Deve ter.

E ainda:

- Me ralei na prova de matemática: quase tudo que estudei nesses três meses não caiu na prova;

- A prova objetiva de Economia Brasileira estava absurdamente detalhista;

- Tenho que agüentar chatos perguntando o tempo todo: "E aí, como foi na prova? Acha que dá pra passar na USP ou na UNB?"

Pelo menos:

- A formatura tava afuzel, consegui reunir todos os parceiros de Xis-Lombo e Cerveja Polar da Lima e Silva para a minha recepção;

- Participei do Ereco (Encontro dos Estudantes de Economia da Região Sul) como palestrante (de terno, gravata e tudo), e conheci muita gente legal, principalmente a Denise, da UFPR;

Pra finalizar:

Pessoal que quer ser cineasta, tenho uma idéia: já que aquele cara norte-americano filmou a sua vida durante um mês em que só comeu no Mc Donalds (Super Size Me, eu acho), por que não fazer um filme contando o que acontece na vida e na saúde de um estudante para a ANPEC? Ou seria violento demais?

terça-feira, outubro 10, 2006

Outra Música

Metallica - Turn The Page

On a long and lonesome highway east of Omaha
You can listen to the engines moaning out as one long song
You think about the woman or the girl you knew the night before

But your thoughts will soon be wandering the way they always do
When you're riding sixteen hours and there's nothing much to do
And you don't feel much like riding, you just wish the trip was through

Here I am,
On the road again
There I am,
Up on the stage
Here I go
Playing star again
There I Go
Turn The Page

domingo, outubro 08, 2006

Realidade Non-Sense

Ontem à noite, fumei cachimbo com Karl Marx, e ele me disse que o maior problema do mundo é a atual incapacidade de comunicação entre as pessoas.

Por isso, ele quer ser cineasta.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Manifesto de Repúdio

Taí um intelectual brasileiro que ainda consegue publicar um artigo com conteúdo inteligente:

http://pensamentosdomal.blogspot.com/2006/09/manifesto-de-repdio_30.html

quarta-feira, outubro 04, 2006

Ortodoxos vs. Heterodoxos II

O embate entre diferentes pontos de vista dentro de uma mesma matéria transcede a Ciência Econômica, e está presente nas mais diversas áreas do conhecimento humano.

Li uma reportagem sobre um debate bastante acirrado dentro da biologia, mais especificamente, na área de genética. Segundo o artigo, os biólogos ditos "ortodoxos" defendem o determinismo do indivíduo (humano ou não) pelo seu código genético, em relação a praticamente todas as suas ações e potencialidades. Segundo esses pesquisadores, a função da vida de um indivíduo não é nada mais do que passar o seu DNA adiante. Por outro lado, os "heterodoxos" diferenciam o comportamento humano dos demais seres vivos. Segundo esses, os indivíduos da espécie humana são influenciados pelo seu meio social e pela sua cultura de modo tão intenso como a sua carga genética. Portanto, não haveria determinismo em relação ao comportamento humano.

Essa reportagem me fez pensar os limites mais genéricos dessa discussão presente dentro da Ciência, que divide os pontos de vista dos pesquisadores em dois blocos principais, geralmente rotulados de "ortodoxos" ou "heterodoxos":

-De um lado, existe a ciência "ortodoxa", determinística, fria e calculista. Todo indivíduo, toda partícula existente no universo tem um motivo para estar onde estiver e fazer o que estiver fazendo. A expressão lógica do funcionamento das forças naturais (incluindo o comportamento humano) é a linguagem matemática, isso é, a expressão da racionalidade lógica que governa o nosso Universo.

-De outro lado, temos a ciência "heterodoxa", que centra suas análises nos princípios de incerteza, do caos, da aleatoriedade. "Não existe uma verdade absoluta, e mesmo que existisse, estaria acima dos limites da inteligência humana" é o seu lema, inspirado na filosofia sofista. Dentro das ciências sociais (economia, sociologia, psicologia, etc.), o comportamento individual e coletivo deixa de ser fundamentado na racionalidade e na carga genética, e passa a ser explicado por fatores mais abstratos, tais como a emoção, a tradição cultural (Weber), as relações de dominação (Marx), os desejos contidos (Freud).

segunda-feira, outubro 02, 2006

Blitzkrieg - Faça Você Mesmo

Música (afuzel) de uma banda de punk rock da cena alternativa de Porto Alegre

Blitzkrieg - Faça Você Mesmo

Sabe aqueles dias em que você pensa em fazer nada
Sair pra dar uma volta sem destino ou motivo algum
A verdade é que você se sente preso
Na sua rotina

Se você já está cheio dessa vida,
Então é a hora de mudar
Não espere que os outros façam algo por você
Vá à luta e não desista

Faça você mesmo
Não espere que os outros façam algo por você
Vá à luta e não desista
Faça você mesmo

Não dê bola para o que os outros possam vir a falar de você
Há coisas mais importantes para darmos mais atenção
A real é que essas pessoas têm inveja
Da nossa coragem

Nunca é tarde pra lutar e fazer algo de bom acontecer
Em nossas vidas
Não espere que os outros façam algo por você
Vá à luta e não desista

Faça você mesmo
Não espere que os outros façam algo por você
Vá à luta e não desista
Faça você mesmo

Que saudade dos tempos dos shows no Garagem Hermética e no Teatro de Elis (e em outros lugares que não dão tanta saudade assim), do Paraíba's Rock Festival, dos Ramoníacos (Hey, Ho, Let's Go) e das rodas. Talvez um dia eu volte lá...

OBS: se alguém tem algum link ou notícia da banda Blitzkrieg, favor me informar, que há muito tempo não tenho informação nenhuma a seu respeito.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Ortodoxia X Heterodoxia

Desde a famosa discussão entre David Ricardo e Thomas Malthus sobre a tendência natural da economia de mercado ao equilíbrio, a ciência econômica se dividiu, ao longo de seu desenvolvimento, em incontáveis correntes e escolas de pensamento, cada qual seguindo determinados axiomas e metodologias de análise.

Geralmente, as novas escolas de pensamento econômico surgem como contraposição às idéias predominantes no seu período. Por exemplo, Malthus, ao defender que excessos de poupança agregada poderiam deixar uma economia de mercado fora de uma situação de equilíbrio de pleno-emprego, rompeu com a Lei de Say, incontestável pela Economia Política Clássica. Depois, a Escola Histórica Alemã bateu no pressuposto de que as leis econômicas são universais, defendendo que cada nação tem uma cultura econômica característica. Marx, por sua vez, atacou as bases morais do capitalismo, até então vistas como decorrência do direito natural do homem e da disposição natural das pessoas à troca. No início do século XX, Keynes, tal como Malthus, negou a tendência da economia de mercado ao equilíbrio, pelo que o autor denominou de princípio da demanda efetiva. Schumpeter, por sua vez, desconsiderou o desenvolvimento linear da economia capitalista, apresentando sua teoria dos ciclos. Por fim, a Éscola Austríaca negou a possibilidade de descrição quantitativa (matemática e estatística) dos fenômenos econômicos, pela complexidade da ação humana.

Nas últimas décadas, com o declínio da Escola Keynesiana, tornou-se comum nos meios acadêmicos denominar de "Ortodoxia" as correntes predominantes ao longo de todo o desenvolvimento da Ciência Econômica (Economia Política Clássica, Teoria Neoclássica, Síntese Neoclássica da Teoria Geral Keynesiana, Monetarismo e Novo-Classicismo), também conhecida como o "Mainstream" da Economia, defendida pelos grandes centros acadêmicos, e "Heterodoxia" as correntes de oposição, sendo as principais citadas no parágrafo anterior.

Atualmente, a dicotomia entre "Ortodoxos" e "Heterodoxos" dentro da Economia tende a deixar de ser um debate sobre axiomas e pressupostos sobre a análise empírica da disciplina, e se tornar um verdadeiro choque de visões de mundo. Expicando melhor, Ortodoxos e Heterodoxos não se preocupam tanto em discutir campos tradicionais de controvérsia na Economia, tais como o papel do Estado no desenvolvimento (liberalismo ou planejamento ativo), o comércio internacional (vantagens comparativas ou deterioração dos termos de intercâmbio) e a relação entre crescimento econômico e bem-estar social, a tampouco se apegam a determinadas correntes políticas (direita ou esquerda), mas sim tendem a criar um duelo de opiniões sobre a própria natureza da ciência econômica e seu papel na sociedade.

Por um lado, vemos economistas ditos "Ortodoxos", orgulhosos por se considerar na "fronteira da ciência", admirando engenheiros, menosprezando sociólogos, e de vez em quando largando pérolas do tipo "se eu pudesse voltar no tempo, teria estudado matemática, em vez de economia". Por trás desse compertamento, estão as características das próprias ciências naturais contemporâneas, marcadas pela frieza, pelo determinismo estrito (a não ser pela "Teoria do Caos", que não é muito conhecida) da realidade aos modelos já apresentados e descritos, e o caráter prático da atividade profissional, isto é, a idéia de que o economista deve ser preparado para FAZER, e não para ARGUMENTAR, sendo portanto, os campos de controvérsia da Ciência Econômica deixados de lado.

Por outro lado, os economistas ditos "Heterodoxos", seja lá de qual corrente, se preocupam mais em humanizar os grandes problemas econômicos, em deixar a formalização matemática em segundo plano, em defender a multidisciplinaridade entre as ciências sociais para uma melhor observação da vida e da sociedade humana. Dessa maneira, a economia deixa de ser uma ciência estritamente positiva para assumir um lado mais moral (tal como era nos seus primórdios, na Economia Política Clássica), e o profissionalismo prático dá lugar a um caráter mais intelectual para o economista. Todavia, algumas vezes vemos economistas de correntes heterodoxas criticando a ortodoxia sendo a crítica um objetivo em si mesmo, isto é, não com o objetivo de correção, mas com a intenção de desmerecer os adversários, o que é prejudicial não só à atividade profissional e científica, mas sim à própria convivência democrática nos centros acadêmicos de Economia. Ou então, outros Economistas elegem como seus "guias" ou "mestres" os principais expoentes e/ou fundadores de suas correntes heterodoxas, e considerá-los a verdade absoluta, impassíveis de críticas, o que acaba por corromper a própria noção de Ciência Econômica, tornando-se algo como uma religião.

Fazendo uma analogia, a atual disputa na Ciência Econômica se assemelha à disputa entre os Românticos e os Realistas na literatura mundial na metade do século XIX.

Não cabe a nenhum economista, individual ou coletivamente, independentemente de suas escolhas ideológicas e profissionais, julgar qual das correntes Ortodoxas e Heterodoxas detém a verdade científica absoluta, uma vez que esse próprio conceito é passível de controvérsias. Além disso, nada sabemos sobre o que será "ortodoxo" ou "heterodoxo" na economia daqui a vinte ou trinta anos. Mas é importante que seja assegurado a todos os profissionais da economia o direito a expressar aquilo que acredita, sem linchamentos morais, de modo a evitar que os debates intelectuais se tornem verdadeiros campos de batalha, como já vem acontecendo.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Debate acerca do Currículo do Curso de Economia da UFRGS

O presente texto se baseia em dois fatos empíricos:

FATO 1 - Praticamente 100% dos alunos do curso de Ciências Econômicas não concordam com o atual currículo do curso. Tal opinião é compartilhada tanto pelos alunos que, de uma maneira geral gostaram de ter cursado essa opção acadêmica (como é o caso deste autor), como por aqueles alunos que prefeririam ter escolhido outra coisa no vestibular (destes, é verdade, poucos chegam a se formar, mas sua opinião deve ser igualmente valorizada).

FATO 2 - Ao ser perguntado sobre qual seria a sua idéia de currículo ideal para o curso, cada aluno de Ciências Econômicas da UFRGS tem uma opinião muito particular; é muito difícil encontrar consensos. Alguns gostariam de mais matemática, para melhor competir com os engenheiros no mercado de trabalho; outros gostariam de mais Teoria Macro e Micro; outros prefeririam mais cadeiras de economia aplicada, voltadas para o mercado profissional.

Depois de muitos debates entre alunos de diversos círculos sociais dentro da comunidade acadêmica (bolsistas, membros do diretório estudantil, formandos, calouros, etc.), pude destacar algumas conclusões, isto é, pontos principais de divergência dos alunos em relação ao currículo atualmente vigente:

1- O currículo é demasiadamente rígido. Muitas cadeiras que são obrigatórias poderiam muito bem ser eletivas (tais como Economia Agrícola, Política e Planejamento Econômico), o que melhoraria inclusive a qualidade do ensino dessas aulas, já que apenas os alunos realmente interessados no conteúdo iriam se matricular.

2- As cadeiras introdutórias, dos 3 primeiros semestres, também podiam ser flexibilizadas. Antes de ter uma base quantitativa suficiente para enfrentar a teoria Microeconômica e a Contabilidade Social, os alunos deveriam ter opções de disciplinas para cursar no início do curso. Ser forçado a fazer Introdução a Administração, Instituições de Direito e Metodologia da Ciência, não dá para agüentar mais.

3- As sugestões dadas por diferentes alunos a respeito de melhorias no atual currículo do curso refletem, em primeiro lugar, os seus objetivos particulares no futuro profissional (isso não é uma crítica, é uma constatação). Quem quer fazer mestrado, geralmente acha melhor que o curso de economia se resumisse a uma cadeira de matemática, outra de estatística, outra de teoria micro e outra de teoria macro por semestre. Contudo, um currículo desses seria estupidamente acadêmico, sem qualquer viés profissionalizante, e desfavorável àqueles que não podem / não querem fazer pós-graduação imediatamente após o término do curso. Por outro lado, ter um curso de "Economia Empresarial", voltado apenas para o lado prático da economia deixaria os alunos longe do mundo acadêmico e das perspectivas de fazer mestrado, pois não haveria espaço para a carga teórica exigida pelo exame da ANPEC.

Portanto, a melhor solução encontrada para a compatibilização do currículo do curso de Ciências Econômicas da UFRGS com os interesses dos alunos seria a divisão do curso em ênfases. Nesse caso, fariam parte do currículo básico, comum para todas as ênfases escolhidas pelos estudantes, as cadeiras de base quantitativa (matemática, estatística e econometria), base teórica fundamental (introdução à economia, introdução à contabilidade e contabilidade social), Teoria Microeconômica, Teoria Macroeconômica, Economia Internacional e Economia Brasileira.

Em relação ao resto do curso, os alunos realizariam disciplinas eletivas, agrupadas em ênfases acadêmicas, de acordo com suas preferências profissionais. As três ênfases básicas que são propostas são Economia Empresarial (voltada ao setor privado, com destaque à Economia Industrial, Mercado de Capitais e Administração Financeira), Economia do Setor Público (incluindo cadeiras como Economia Política, Política e Planejamento Econômico, além de Direito Aplicado) e, para aqueles que pretendem realizar a prova da ANPEC e seguir vida acadêmica, uma ênfase em Teoria Econômica, que abrangeria conhecimentos teóricos mais avançados, e abrangendo diversas correntes de pensamento econômico, ortodoxas e heterodoxas.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Review - The Number of the Beast (Iron Maiden)

Para aliviar um pouco a minha cabeça dos estudos para a ANPEC, lá vou eu escrever mais um post intimista.

Esse foi o meu primeiro "grande" disco. Foi o primeiro clássico do rock pesado que eu comprei, lá em meados de março ou abril de 2000 (putz, como estou ficando velho!).

Nessa época eu tinha 15 anos, e já estava decicido que o rock'n'roll (pesado ou não) era o meu estilo musical de sangue, e procurava insistentemente a "banda ideal" (um visível caso de um adolescente procurando ídolos externos para se espelhar, mas isso é melhor deixar pra lá). Eu já ouvia Sepultura, Metallica (moderno) e Marilyn Manson, mas não estava satisfeito: precisava encontrar a banda que conseguisse associar o peso do heavy metal (guitarras distorcidas e ritmo forte) com melodias realmente musicais (ao contrário de Sepultura e Marilyn Manson, que eu progressivamente fui deixando de lado) e instrumentistas de técnica apurada.

Já tinha ouvido boas opiniões de amigos que tinham esse disco, e quando eu fui ouvir pela primeira vez (na Banana Records do Iguatemi, eu me lembro) ... só pensei: "É essa, A banda!". Comprei o disco imediatamente (era época em que o CD original e novo custava em torno de 20 reais, um preço acessível para o consumidor brasileiro, ao contrário dos 40 pila atuais, mas também é melhor deixar pra lá).

The Number of The Beast é o primeiro disco do Iron com o Bruce Dickinson nos vocais, e, muito provavelmente, é o melhor disco da história da banda. De cara, as minhas músicas favoritas foram Invaders e Run to The Hills, que por sinal, são as mais rápidas (também... eu era acostumado a curtir Sepultura...). Mais tarde, conforme meu gosto musical foi mudando, se aprimorando (ou não), passei a dar maior destaque para as músicas mais refinadas e complexas, como Children of The Damned, uma balada de refrão muito forte, e Hallowed be Thy Name, commais de 7 minutos de muitos solos e riffs de guitarra. Mas, na real, cada faixa tem o seu valor, a sua própria inspiração, o que faz do disco como um todo um grande ponto de destaque na história do heavy metal e do rock internacional.

Hoje em dia, minha índole rockeira já está bem abastecida com obras de bandas como AC-DC, Black Sabbath, Nightwish, Chuck Berry, Led Zeppellin, entre muitas outras. Mas cada vez que eu pego esse disco, e principalmente quando escuto os primeiros riffs de "Invaders", eu me lembro daquele adolescente recém-convertido ao mundo do rock, que tinha como principal meta de vida procurar a "banda ideal", os seus ídolos e, no final das contas, a definição de sua própria identidade pessoal e de sua personalidade, manifestada pelos seus gostos artísticos.

OBS. Pra quem agüentou ler até aqui, esse post foi só para eu me lembrar que em outras fases da minha vida as minhas preocupações e metas pessoais não se resumiam a encontrar pontos de tangência e pontos na prova da ANPEC. Agradeço a compreensão.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Uma Música

Abra o SoulSeek, o Kasaa, o Emule, ou qualquer programa desses.

Procure por Nightwish - Wanderlust. Baixe.

Aprecie.

domingo, setembro 03, 2006

Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX - Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

Ganhei este livro de presente da minha ex-chefe-orientadora, em ocasião da minha formatura na UFRGS. Foi muito bom lê-lo para lembrar que existe economia (e por que não dizer VIDA) fora dos estudos para a ANPEC.

Belluzzo é economista da Unicamp, obviamente heterodoxo roxo, apresentando tanto as qualidades como os defeitos da sua corrente ideológica. Como qualidades, pode ser destacada a sua capacidade de relacionar a economia com as demais ciências sociais (história, direito, sociologia, ciência política), ao invés de se fechar em um mundo próprio, inclusive com um idioma próprio (o "economês"), como muitos economistas - de qualquer orientação - fazem. Com isso, o autor consegue quebrar muitos postulados teóricos que nós, economistas, tomamos como dados sem nenhum questionamento.

Por exemplo, Belluzzo faz uma crítica muito relevante à "naturalização" do capitalismo, tal como é feita pelo mainstream da intelectualidade internacional contemporânea. Tal visão teórica aponta que as instituições vigentes na nossa sociedade atual são decorrentes da "natural disposição do homem à troca", sendo, portanto, ahistóricas (de onde vem o que Francis Fukuyama chama de "Fim da História"), apolíticas e quase "associais", já que parte do princípio de que toda a ação humana, em qualquer dimensão, decorre da livre e espontânea vontade individual buscando, por parte de cada um, o seu máximo bem-estar, sem qualquer influência ou determinismo exógeno. Belluzzo acredita que o capitalismo e suas instituições são frutos de um processo histórico iniciado há pouco mais de trezentos anos, sendo que o estado natural do ser humano seria algo como o "bom selvagem" de Rousseau e o cooperativismo social de Marx. Portanto, as instituições capitalistas podem e devem ser moldadas politicamente. Tenho que observar que nesse ponto eu discordo do autor. Particularmente, tenho uma visão mais pessimista sobre a natureza humana, e considero e o "estado natural" do homem é muito mais o estado de barbárie e de guerra de todos contra todos de Thomas Hobbes do que o "bom selvagem" de Rousseau.

Contudo, ao fazer a crítica à política econômica de FHC e de Lula, Belluzzo cai no mesmo erro de tantos outros autores de sua corrente de pensamento. Ao invés de apontar a falta de planejamento econômico efetivo de longo prazo como o maior limitante ao desenvolvimento do país, o autor prefere o abraçar o saudosismo sebastianista dos "Anos Dourados" de JK, do nacional-desenvolvimentismo e da política econômica da época (convivência com a inflação, juros reais negativos e déficit público crônico), sem lembrar que foi graças a essa mesma política que permitiu o crescimento econômico do Brasil na época, que o país tem toda a atual dificuldade para crescer expressivamente.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Pinte o Cachorrinho por Último

Eu me lembro como se fosse ontem (clichezão) o dia em que fiz a minha primeira prova acadêmica. Não era bem uma prova como estou acostumado hoje, mas um "trabalhinho que a professora vai recolher e levar para o conselho de classe", um mero eufemismo para não assustar as inocentes crianças da primeira série do primeiro grau (hoje conhecido como "Ensino Fundamental").

A prova, ou o trabalhinho, consistia em uma série de animais desenhados em uma folha, em preto-e-branco, para a criançada colorir. O objetivo, eu imagino hoje, era avaliar aqueles que conseguiam pintar dentro das bordas do desenho, sem borrar (uma meta muito ousada para crianças de 6 ou 7 anos de idade). De todos os animais, o mais difícil de pintar era um cachorrinho, que era todo malhado, exigindo que as crianças usassem várias cores para pintar o desenho de seu pêlo. Imediatamente, diante da primeira adversidade de sua vida acadêmica, um dos meus colegas realizou a sua primeira estratégia de estudo de sua vida: Como é mais difícil, vamos pintar o cachorrinho por último! Brilhante, não?

Bom, pra mim 15 anos se passaram como vento desde então (1991), e encontrei pela minha vida a matemática, a física, de vez em quando a geografia, depois o Vestibular, mais depois ainda a faculdade, começando por Cálculo, continuando por álgebra e concluindo com a monografia, e agora estou suando a camisa em cima de concursos públicos e o exame ANPEC (para pós-graduação em economia). O moedor de carne humana representado pelo ensino fez muitas vítimas entre meus colgas de primeira série, e muitos deles eu nunca mais vi.

Mas eu ainda me lembro daquela maldita figura do cachorrinho. A primeira adversidade. A primeira gota do stress e da pressão que iria tomar conta do meu corpo nos 15 anos seguintes. A ponta do iceberg que iria afundar o Titanic chamado "tranqüilidade infantil".

Pensando bem, até que pintar aquele bicho não foi tão difícil. Se na prova da ANPEC desse ano ele aparecer para me amolar novamente, não terei medo, e o pintarei com segurança!

quinta-feira, agosto 24, 2006

Algumas Citações de Oscar Wilde

OBS: O estudo para a prova da ANPEC vem consumindo a minha criatividade ultimamente. Mas pretendo voltar a criar novos textos em breve.

"O homem perfeitamente bem informado, eis o ideal moderno. E o cérebro do homem perfeitamente bem informado é uma coisa horrorosa, uma espécie de bricabraque atulhado de monstrengos e de poeira, com tudo tabelado abaixo do verdadeiro valor."

"A finalidade da vida é para cada um de nós o aperfeiçoamento, a realização plena da nossa personalidade."

"A humanidade toma-se muito a sério (...) É o pecado original do mundo. Se o homem das cavernas soubesse rir, a história seria diferente."

"As mulheres representam o triunfo da matéria sobre o espírito; exatamente como os homens representam o triunfo do espírito sobre a moral." (obs. Oscar Wilde era bissexual)

sábado, agosto 12, 2006

A Natureza da Pobreza das Massas, de John Kenneth Galbraith

(Continuando o post anterior)

Segundo o autor, a pobreza de massas, característica dos meios rurais, decorre de uma situação de "equilíbrio de pobreza". Galbraith explica que em sociedades muito atrasadas economicamente (como a Índia da época em que ele era embaixador americano), as pessoas tendem a se acomodar em sua situação de pobreza, como conseqüência natural às tradições de seu modo de vida ancestral, assim como também uma reação à probabilidade de fracasso caso essas pessoas busquem romper com seu modo de vida. Em termos economiscistas (essa palavra existe?), nas regiões rurais dos países mais pobres, os agentes econômicos apresentam um comportamente de aversão ao risco praticamente inelástico em função a qualquer variável econômica, o que impede investimentos no setor produtivo, o progresso tecnológico e os ganhos de produtividade, característicos do processo de desenvolvimento. Tal comportamento de aversão ao risco decorre da elevada probabilidade de retorno negativo dos investimentos no setor produtivo em que os agentes lidam, aliado ao fato de que nesses países muito pobres, qualquer crise agrícola provoca escassez de alimentos, fome em massa e mortes, desincentivando assim a adoção de novidades no setor produtivo.

Assim, em um estado de equilíbrio de pobreza, as pessoas não se interessam em buscar ampliar seus padrões de vida (devido à aversão absoluta ao risco), e predomina a lei da população de David Ricardo e Thomas Malthus, isto é, de que ganhos e perdas de renda monetária se refletem, no longo prazo, em movimentos no tamanho total da população, sendo que o padrão de vida tende a permanecer estável, no nível mínimo de subsistência socialmente aceito.

Por isso, o autor defende que qualquer política pública que venha a ser adotada pelos países subdesenvolvidos com o objetivo de atacar a pobreza, necessariamente terá que quebrar essa situação de equilíbrio de pobreza em que os agentes econômicos se encontram. Para isso, o autor traz duas sugestões básicas: uma delas é o incentivo à industrialização (argumento fraco) para os países mais pobres, já que o choque da mudança econômica tenderia a quebrar os laços de equilíbrio de pobreza instituídos pelas antigas tradições sociais. A segunda é o incentivo à alfabetização e à educação em massa do povo rural (argumento forte) desses países, de modo a tornar os agentes econômicos críticos e inconformados com seu estado de penúria, e aptos a tomar atitudes a mudar isso.

Contudo, Galbraith acaba por pecar em suas generalizações, de observar empiricamente o que aconteceu em um lugar e uma época específica (a Índia rural de meados de 1940-50) e estabelecer um modelo teórico para toda a economia mundial. Um estado de equilíbrio de pobreza garantido e perpetuado por antigas tradições sociais e instituições pode fazer sentido em uma sociedade de castas como a da Índia arcaica. Mas eu não vejo, por exemplo, no Brasil atual, semelhante fenômeno.

Por outro lado, destaco a virtude da obra de Galbraith em destacar o papel da educação para o bem-estar de uma população e para o progresso social. Ao contrário da maioria dos economistas, que apontam a educação de massas como importante para elevar a produtividade do trabalho e favorecer à acumulação de capital, Galbraith pensa no bem-estar individual que a educação oferece às pessoas, de torná-las críticas de suas condições e aptas a superar seus problemas.

segunda-feira, julho 31, 2006

Teorias Sobre o Subdesenvolvimento

Ando lendo algumas obras de John Kenneth Galbraith. O cara tem idéias bastante interessantes sobre os temas mais controversos da economia.

As teorias mais populares sobre a pobreza, sob o olhar crítico de Galbraith:

- A pobreza é um fenômeno natural, e decorre das más condições de recursos naturais dos países mais afetados.

Segundo Galbraith, tal argumento não tem qualquer validade empírica. Países asiáticos, como o Japão, Taiwan e Coréia do Sul conseguem manter elevado padrão de desenvolvimento sócio-econômico sem que estejam providos de quantidades abundantes de recursos naturais.

- A pobreza decorre da natureza da estrutura política e econômica dos países.

Tal pensamento é compartilhado por autores tanto de direita como de esquerda. Segundo a direita, os países mais pobres assim são devido ao fato que não tomaram conhecimento da importância da iniciativa privada e da economia de mercado para criar riqueza, preferindo, alternativamente, manter-se submissos a governos burocratas, corruptos e interventures como guias do desenvolvimento econômico. A esquerda, por outro lado, tende a associar o subdesenvolvimento e a pobreza a relações de exploração entre grupos sociais, o que, além de ser desfavorável aos trabalhadores, tira o incentivo ao aumento de produtividade, já que todo o excedente iria parar nas mãos de um pequeno número de privilegiados.

Tal abordagem, segundo Galbraith, esbarra novamente na observação empírica. O capitalismo (incluindo as suas instituições características, como a propriedade privada e a economia de mercado) não tem uma correlação direta com a qualidade de vida da população, podendo trazer inegáveis avanços em alguns países (como os tigres asiáticos), ou grandes fracassos (como na maior parte da África).

- O subdesenvolvimento resume-se a um problema de escassez de capital.

Segundo essa teoria, um país subdesenvolvido apresenta baixa renda, o que significa em baixos volumes de poupança e de acumulãção de capital, o que tende a um círculo vicioso de pobreza. Mas, observando-se bem, a escassez de capital é CAUSA, ou CONSEQÜÊNCIA da pobreza, afinal?

- A pobreza decorre da falta de experiência técnica, educação e talento administrativo.

Novamente Galbraith aponta para uma confusão entre causa e efeito entre os fenômenos.

- A pobreza é resultado de um governo ineficiente e corrupto.

Segundo o autor, a ineficácia dos mecanismos de Estado é uma conseqüência da pobreza. Quanto mais pobre é uma sociedade, menos recursos tributários poderão ser repassados ao Estado, tornando-o ineficiente, e menor será a capacidade de escolha por parte dos cidadãos (mais preocupados com sua sobrevivência diária) de seus representantes políticos.

- A pobreza é determinada etnicamente.

Galbraith aponta essa teoria como a mais popular de todas. Contudo, por motivos morais, os pesquisadores não desenvolvem teorias veridicamente científicas sobre o tema, o que por si só já anula a sua credibilidade.

- A pobreza é determinada geograficamente.

Tal teoria é igualmente muito popular, tanto por leigos como por pesquisadores renomados no assunto. De acordo com essa tese, os países moderadamente mais frios condicionam os seus habitantes a manter um maior espírito de iniciativa, de inteligência e de valor ao trabalho, em comparação com os habitantes de países tropicais, habituados à sobrevivência mais fácil. Além disso, os países mais frios estariam menos sujeitos a doenças e epidemias do que os demais. Quando a temática do subdesenvolvimento foi repassada da geografia para a economia, tal hipótese ficou totalmente desacreditada.

- A pobreza é determinada historicamente, pelo legado do colonialismo.

O colonialismo foi um sistema econômico bastante prejudicial para a América Latina e para a África, como é universalmente conhecido. Contudo, quase 200 anos depois da independência, será que ainda existem heranças colonialistas que expliquem a pobreza na América Latina? Essa é uma questão amplamente discutível.

- Os países exportadores de bens primários sofrem deterioração de seus termos de intercâmbio em relação aos países exportadores de bens industriais, tornando-se fadados ao subdesenvolvimento.

Tal teoria, apresentada por Raul Prebish (Argentina), apresenta uma base formal e lógica bastante convincente: os exportadores de bens primários apresentam economia de concorrência quase perfeita, sem poder sobre o preço de seus produtos, ao passo que os países exportadores de bens industrializados apresentam uma economia oligopolizada, tanto em termos produtivos, como no mercado de trabalho, fazendo com que os preços de seus produtos mantenham-se sempre mais elevados que os dos demais países. Apesar de logicamente consistente, tal teoria esbarra na observação empírica: países como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, e até mesmo o centro dos Estados Unidos, são basicamente produtores de bens primários, e nem por isso são países em processo de empobrecimento.

Agora, o negócio é terminar de ler o livro e ver como que o Galbraith explica, com suas palavras, o subdesenvolvimento. Aparentemente, o autor associa o termo a uma condição de equilíbrio econômico em um ponto sub-ótimo. Vamos ver.

domingo, julho 16, 2006

O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde

O Retrato de Dorian Gray é a obra-prima do irlandês Oscar Wilde, e sua trama, isto é, o seu enredo, é bastante complexo, exigindo minuciosa interpretação.

O livro conta a história de um rapaz (Dorian Gray), modelo de pintura, que, influenciado por um amigo (Lord Henry), toma consciência de sua aparência física singular, assim como da limitação de sua aparência ao longo do tempo, pensa em realizar um pacto com o diabo, de modo que o seu retrato envelheça no lugar dele próprio, ao longo dos anos. E, inexplicavelmente, isso acontece. Além disso, Lord Henry apresenta a Dorian Gray o hedonismo, isto é, ter como objetivo de vida simplesmente a satisfação de suas necessidades e a busca de novos prazeres, ignorando toda e qualquer forma de moral, vista pelos personagens como uma indesejável influência da sociedade sobre os indivíduos. Por isso, décadas se passam, Dorian Gray se entrega a uma vida voltada para festas, drogas e crimes, sendo que apenas o seu retrato sofreria as conseqüências físicas de suas ações.

O livro é cheio de pequenos trechos cujos personagens e suas ações muitas vezes não parecem fazer sentido lógico, o que torna o livro de difícil compreensão. Mas, tendo algum conhecimento sobre a vida e a obra de Oscar Wilde, assim como de suas influências, algumas conclusões podem ser tomadas.

Oscar Wilde, em seu segundo prefácio, mostra-se simpático aos ideais parnasianos, criticando o irrealismo da arte Romântica (o despeito de Calibã por não ver seu rosto no espelho) e a vulgaridade da literatura Realista. Segundo o autor, a arte não deve ter nenhuma influência de qualquer expressão ética ou moral, mas sim expressar a busca, por cada artista, de seu conceito de beleza plena. Ou seja, a arte seria um objetivo em si mesma (arte pela arte), determinada apenas pela intenção do artista em expressar o seu conceito de beleza formal. Em um trecho da obra, Wilde explica que um livro nunca pode ser rotulado de "imoral"; a imoralidade está na sociedade em que o artista vive, e que influenciuou (negativamente, para o autor) o livro. Portanto, para interpretar o "Retrato de Dorian Gray", deve-se evitar procurar críticas sociais, e deter-se mais nas questões individuais e formais artísticas.

No prefácio, o autor deixa claro que o primeiro capítulo de sua história é baseada em um fato real, sendo que Wilde corresponde ao Lord Henry. Por isso, a filosofia hedonista como ideal de vida ao homem corresponde exatamente ao seu ponto de vista. Ou seja, não parece sensato associar o Lord Henry ao diabo, que tenta os homens, como vários críticos apontam.

A meu ver, o livro conta na verdade a própria contradição entre arte e moral, exposta por Wilde no seu prefácio. Assim, Dorian Gray representa a arte como ela deve ser, formalmente e esteticamente plena, sendo que Lord Henry, ao defender perante Dorian o hedonismo como um ideal, defende a desvinculação entre a expressão artística e a moral social. Já o retrato representa a consciência da arte, isto é, a visão que a sociedade tem dessa expressão artística, que sempre acaba distorcida e deformada pelos vícios da própria sociadade, e repassados à obra. Tal consciência acaba por gerar os conflitos entre o artista e sua obra, o que no livro significou o assassinato do pintor do retrato (o artista) por Dorian Grey (sua obra), devido a sua revolta pela deformação de seu retrato (a consciência da arte).

Por fim, Dorian Grey não envelhece nunca, mesmo não tendo realizado nenhum esforço para manter sua juventude (nem mesmo pactos com o diabo, como a crítica tradicional sugere). O que pode simbolizar isso? Muito provavelmente, o autor quis transmitir a idéia de que a beleza, como um ideal artístico, é fixa e imutável ao longo do tempo, isto é, de que os artistas, em qualquer época e qualquer lugar, buscam sempre expressar esse ideal de beleza, mesmo que suas obras e seus modelos variem.

quarta-feira, julho 05, 2006

Apresentação de Monografia

Apresentação de Trabalho de Diplomação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul:

Federalismo Fiscal e Desenvolvimento Regional no Brasil: uma Análise da Constituição de 1967 até a Atualidade

Autor: Ricardo Agostini Martini

Banca:

Maria Aparecida Grendene de Souza (UFRGS) - Orientadora

Ario Zimmermann - Secretário Estadual da Fazenda - RS

Sergio Marley Modesto Monteiro (UFRGS)

Local: Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, av. João Pessoa 52, Porto Alegre - RS. Sala a confirmar.

Data: Segunda feira, 10 de julho, às 18:30h.

Aberto ao público.

domingo, julho 02, 2006

A Falácia das Políticas Expansionistas

Com o acirramento das campanhas eleitorais, vemos as tradicionais e espalhafatosas promessas dos candidatos frente aos eleitores, cada qual se afirmando um salvador da pátria, capaz de gerar prosperidade com sua simples "vontade política". E, é claro, sempre fazem afirmações do tipo "eu vou ter peito para baixar drasticmente os juros", ou "é preciso que o Estado gaste mais em (qualquer coisa)". Contudo, independentemente do nível de conhecimento da estrutura (vejam bem, não estou falando de conjuntura) macroeconômica internacional por parte dos candidatos, é importante que o eleitorado, para não ser enganado, tenha a noção de que os possíveis efeitos virtuosos desses tipos de políticas seriam praticamente nulos.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países capitalistas formularam uma nova ordem econômica internacional, denominada como Acordo de Bretton Woods. Tal acordo, formulado sob a liderança de Keynes (Reino Unido) e White (EUA), baseou-se em um arranjo internacional de paridade cambial fixa (mas ajustável) em relação ao dólar, e do dólar em relação ao ouro, controles de movimento de capital de curto prazo por todos os países, e a criação de instituições econômicas e financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, capazes de dar estabilidade ao sistema. A ênfase do arranjo era, de acordo com as próprias idéias de Keynes, possibilitar ao mesmo tempo o estímulo ao comércio e a integração econômica internacional (pela paridade cambial), e a possibilidade de governos nacionais realizarem políticas anti-cíclicas, de modo a buscar o pleno-emprego dos seus fatores de produção, assim como dar prioridade aos investimentos internacionais de longo prazo sobre os fluxos especulativos (pelo controle de capitais). Assim, os governos podiam gastar acima de sua arrecadação e manipular as taxas de juros internas de modo a estimular investimentos, sem maiores conseqüências sobre o equilíbrio externo de suas economias.

Contudo, o desenvolvimento dos mercados financeiros, a partir da década de 60, minou a eficiência dos controles de capitais em nível internacional, o que foi um dos principais fatores que fizeram com que o acordo de Bretton Woods acabasse, e, a partir de meados da década de 70, os países progressivamente passaram a adotar câmbio flutuante, já que a especulação promoveu ataques às moedas com perspectiva de ajuste, e livre mobilidade de capitais, já que os controles, além de ineficazes, se tornaram um próprio fator de desestímulo à captação de capitais, inclusive produtivos. Contudo, a livre mobilidade de capitais eliminou a possibilidade de que os governos nacionais pudessem fazer políticas expansionistas sem efeitos indesejáveis sobre o Balanço de Pagamentos de suas economias.

Explicando melhor, se um governo resolve gastar mais do que arrecada (ou seja, realiza uma política fiscal expansionista), ele faz um efeito favorável sobre a demanda agregada nacional, o que expande a produção e a renda. Contudo, se tal política for financiada pelo endividamento público, o governo faria uma pressão sobre as taxas de juros nacionais para cima (pois, o governo absorveria os recursos financeiros existentes na economia, o que eleva seus preços), o que atrai capitais para o país, valoriza o câmbio (supondo que o país adote câmbio flutuante), e prejudica as exportações. Com câmbio fixo, o governo tem que comprar os dólares que entram no país, esterelizando o seu impacto sobre o câmbio, mas, pelo efeito sobre a oferta monetária, o ajuste se daria pelo nível interno de preços, manifestado pela inflação.

Por outro lado, se um governo faz política monetária expansionista, manipulando para baixo a taxa de juros interna, pode estimular o nível de investimentos da economia. Contudo, uma taxa de juros artificialmente baixa provoca fugas de capital do país, com graves impactos desestabilizadores sobre a economia interna.

Em resumo, na impossibilidade de um país impôr unilateralmente controles sobre movimentos de capital sem se isolar da economia internacional, os candidatos poderiam respeitar mais a inteligência dos eleitores, e deixar de fazer promessas sobre políticas econômicas quantitativas. Seria muito mais útil para toda a sociedade brasileira se os temas de debate forem voltados à qualidade das políticas fiscais adotadas, ou seja, ao invés de o Estado "gastar mais", "gastar melhor, com maior retorno". Para todos aqueles que não acreditam que a acumulação de capital seja um fator necessário e suficiente para a melhoria dos padrões de vida de um país, tais políticas de natureza qualitativa seriam as principais ferramentas de estímulo público ao desenvolvimento econômico.

terça-feira, junho 13, 2006

Maniqueísmo e Ciência Econômica

Um dos fatores que fazem com que a ciência econômica seja muito interessante é a diversidade de correntes de pensamento, isto é, a possibilidade de se encontrar diversas possíveis respostas a um determinado problema, de acordo com diferentes pontos de vista. A diversidade de correntes de pensamento naturalmente leva a situações de rivalidade entre seus autores, o que é muito comum em qualquer ciência, além de ser saudável para a realização de debates e contrapontos.

Contudo, algumas vezes essa rivalidade, esse contraponto de idéias pode tomar a forma de uma verdadeira guerra dentro da ciência econômica, em que autores se valem de agressões verbais e teorias conspiratórias absurdas para valorizar aquilo que acredita e atacar aquilo que não concorda. Assim aparece o maniqueísmo na ciência econômica, isto é, uma situação em que o contraponto de idéias toma uma forma de uma luta do "bem" contra o "mal", no melhor estilo Star Wars, em que cada corrente de pensamento tenta tomar para si o monopólio sobre o bem (já que até agora não se ouviu falar de alguma Teoria Econômica Satânica...).

Economistas heterodoxos (incluindo todas as escolas fora do mainstream) muitas vezes podem se apresentar como os libertadores da ciência econômica do jugo do conceito de equilíbrio imposto pelos ortodoxos, o qual distorceria toda a realidade em nome da beleza teórica de seus modelos. O objetivo dos ortodoxos conservadores-fascistas-fundamentalistas seria, de acordo com as hipóteses maniqueístas, provar que o mundo se encontra em um estado estável de equilíbrio, um ponto ótimo em universo de possibiliades dentro do mundo real, em que ninguém poderia melhorar sua situação sem piorar a dos outros. Assim, o status quo de um mundo desigual, cruel e perverso poderia ser ideologicamente defendido com base em argumentos construídos camuflados de "científicos". Assim, a heterodoxia seria o "bem", progressista, defensora dos pobres e oprimidos, e a ortodoxia seria o "mal", retrógrada, defensora dos opressores.

Por outro lado, os economistas ortodoxos (todas as escolas pertencentes ao mainstream, mais aquelas que se julgam pertencer) podem se impôr como os defensores da liberdade, da livre iniciativa e da justiça alocativa. Os heterodoxos seriam todos agentes comunistas-fascistas-chavistas, que utilizam argumentos teóricos fracassados que quebram o princípio do equilíbrio para justificar a submissão de todos os indivíduos ao jugo de um Estado burocrático e opressor. E ainda, os heterodoxos seriam ladrões, no sentido de defender mecanismos de distribuição de renda fora do sistema de mercado (que, supostamente recompensaria cada indivíduo na exata medida de sua competência, de sua produtividade), de modo a sustentar pobres vagabundos e improdutivos. Assim, a ortodoxia seria o "bem", libertária, e a heterodoxia seria o "mal", autoritária.

Tais pensamentos radicais se manifestam sobretudo quando as correntes de pensamento assumem comportamentos extremos, isto é, quando a ortodoxia vira fundamentalismo de mercado, anarco-capitalismo "A-Sociedade-Que-Se-Dane-Eu-Quero-o-Meu-Dinheiro", e a heterodoxia vira anti-neoliberalismo "Anti-tudo-Anti-todos-Anti-Lei da Gravidade". Quando os impasses intelectuais assumem tais comportamentos, o debate some, cada participante olha apenas para o próprio umbigo, e começa a batalha do bem contra o mal.

Todavia, fazer ciência NÃO É, DE NENHUM MODO, fazer pregação ideológica. O objetivo da ciência é buscar compreender e explicar a realidade com base racional, lógica, empírica, e, sobretudo, FRIA. Todos nós temos nossas convicções ideológicas e visões de mundo próprias, que muitas vezes são discordantes do resto da humanidade. Mas a sociabilidade democrática e o respeito às normas morais da ciência exigem que tenhamos respeito com as visões de mundo e teorias alheias, como forma de abrirmos a mente para novas idéias. Senão, debate vira maniqueísmo, e ciência econômica vira filme de ação hollywoodiano.

domingo, maio 28, 2006

Celso Furtado, o Subdesenvolvimento do Nordeste e o Planejamento Regional

Mais uma "palhinha" da minha monografia. É um trecho do capítulo 3.1.1., que trata da transição do modelo de políticas regionais realizadas no Brasil com a chegada do governo JK (em que a estratégia de planejamento econômico superou os gastos assistenciais realizados até então), e a participação do economista Celso Furtado, em termos teóricos e efetivos, nesse processo.

3.1.1. Primórdios do Planejamento Regional no Brasil

...
A SUDENE, órgão máximo de planejamento e fomento ao desenvolvimento da região foi fundada em 1959, como um desdobramento do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), criado em 1958. O GTDN consistiu em um órgão federal de estudo da situação econômica – conjuntural e estrutural – da região Nordeste, sob a coordenação técnica de Celso Furtado, com o objetivo de realizar um diagnóstico da raiz dos problemas econômicos nordestinos e formular alternativas de política econômica para acelerar o desenvolvimento da região.

O diagnóstico apresentado pelo GTDN resumiu-se na aplicação do paradigma cepalino da dualidade sócio-econômica brasileira ao caso nordestino. Ou seja, a raiz dos problemas sócio-econômicos nordestinos não era a seca, como supunham as políticas regionais até então executadas, mas sim o próprio subdesenvolvimento das forças produtivas. Segundo o GTDN, as relações econômicas do Nordeste com o Centro-Sul tenderiam a perpetuar o subdesenvolvimento da região. Isso porque, sendo o nordeste uma região de economia agrário-exportadora, mantinha superávits comerciais com o exterior, sendo que as divisas obtidas desses superávits eram usadas para financiar as importações de bens de capital da região Sudeste, industrializada. Isso porque o Nordeste representava um mercado consumidor cativo dos bens industrializados produzidos na região Sudeste, uma vez que as importações de bens de consumo vindas do exterior estavam restringidas por políticas comerciais federais protecionistas. Ou seja, tal arranjo comercial fazia com que o Nordeste fosse uma permanente fonte de transferência de recursos e de divisas para os investimentos no Sudeste, inviabilizando assim qualquer tentativa de desenvolver uma estrutura econômica autônoma na região. O setor público, até então, vinha buscando contornar essa situação por meio de políticas assistencialistas, as quais eram irrelevantes em relação à mudança estrutural que a economia da região necessitava.

Furtado (1959) idealizou outro modelo econômico que apontaria a natureza do processo auto-reforçado do subdesenvolvimento nordestino, baseado no modelo de subdesenvolvimento de Lewis. Segundo Furtado, as regiões mais pobres de um país sempre apresentam níveis de produtividade inferiores do que a média nacional. Isso faz com que os salários sejam, em média, mais baixos nas regiões mais pobres, incentivando a migração da mão-de-obra para as regiões mais ricas, nas quais o nível dos salários é mais elevado. Contudo, a migração acaba fazendo com que, pela maior concorrência no mercado de trabalho, os salários nas regiões mais ricas cresça em ritmo inferior ao do crescimento da produtividade nessas mesmas regiões, em relação ao do resto do país. Por essa razão, as regiões mais ricas acabam atraindo capital produtivo das regiões mais pobres do país, perpetuando assim a dualidade na estrutura econômica nacional.

A solução para o subdesenvolvimento nordestino seria, de acordo com o GTDN, a transformação do sistema de economia de subsistência e de exportação, de baixa produtividade, para um modelo voltado ao atendimento do mercado interno, assim como o estímulo à industrialização da região, de modo a permitir o funcionamento de um sistema de desenvolvimento econômico auto-sustentado. As estratégias apontadas pelo GTDN como as mais apropriadas para atingir os objetivos definidos consistiam na concordância de que a industrialização seria o processo motor do desenvolvimento regional do Nordeste, no estímulo à modernização da atividade agrícola – tanto nas áreas úmidas como nas semi-áridas - , e na articulação da ação estatal federal direta na estrutura sócio-econômica da região. Por fim, os instrumentos recomendados pelo grupo (e posteriormente adotados pela SUDENE) para a ação do Estado nesse sentido envolveriam, basicamente, a concessão, por parte do governo federal, de incentivos fiscais para estimular investimentos nas regiões abrangidas pelo plano, ou seja, como um meio de atrair capitais das regiões mais ricas para as mais pobres do Brasil, revertendo assim o processo auto-reforçado de concentração de renda territorial no Brasil.

Contudo, o diagnóstico do GTDN, que definiu os objetivos e as estratégias adotadas pela SUDENE no período em questão, foi questionada por muitos autores, tanto no seu período de elaboração, como posteriormente. José Mendonça de Barros (1970), por exemplo, questiona o modelo cepalino de ralações econômicas inter-regionais em sociedades duais, afirmando que o mesmo não leva em conta fenômenos econômicos importantes, tais como a possibilidade de importação de alimentos do exterior como modo de baixar o custo de vida nas regiões, assim como ignora o impacto de políticas monetárias e cambiais no desenvolvimento regional e as possíveis migrações de mão-de-obra de fora para dentro das regiões periféricas. Por outro lado, Ben-Hur Haupenthal (1997) afirma que as estratégias de planejamento recomendadas pelo GTDN parecem tratar o Nordeste como uma economia isolada, isto é, ao contrário do que a abordagem cepalina propunha, o plano não levou em conta a questão da integração da economia nordestina com as das demais regiões brasileiras.

As diretrizes de ação da SUDENE em relação às políticas de desenvolvimento regional no Nordeste seguiram estritamente o que foi proposto pelo GTDN, isto é, foi baseada no estímulo à modernização econômica e ao investimento por meio de incentivos fiscais. Seus resultados ao final do governo JK (1961) mostraram um crescimento da produção de bens primários na região. Contudo, esse crescimento foi meramente extensivo, isto é, não observou-se ganhos de produtividade no setor produtivo, o que acabou comprometendo a expansão do mercado interno regional, o qual, segundo a estratégia da SUDENE, acabaria por incentivar a industrialização. Tal efeito se deu em virtude não apenas das modestas dotações orçamentárias que a SUDENE dispunha frente a objetivos tão ousados, mas também por problemas de caráter administrativo, e sobretudo, de caráter político, uma vez que o estímulo à produtividade agropecuária teria que, de algum modo, mexer na estrutura de propriedade agrária, o que não interessava às oligarquias nordestinas.